A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-1-de-5.html
A quarta parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-4-de-5.html
Rui deu por si estatelado em cima dela. Num ápice, rebolou para o lado e pôs-se de pé. Os ouvidos ainda lhe doíam, percepcionando um zumbido irritante e permanente. Várias sirenes começaram a tocar num tom estridente. Nos monitores apareceu um mapa esquemático do abrigo, com a fonte do problema assinalada a vermelho. Ficou paralisado ao perceber que acontecera no refeitório.
Após uma breve troca de olhares, precipitaram-se os dois para fora da sala de controlo, correndo pelos corredores. Cedo o meteorologista conseguiu vantagem, deixando a engenheira para trás.
Ao virar a esquina antes da cantina, deparou-se com uma metralhadora apontada à cara.
– Pára! Mãos ao ar! – interpelou o tenente.
– O que é que se passa?
– Não te faças desentendido! De joelhos, já! Ou acabo com isso de uma vez.
Com as pernas a tremer, deixou-se cair de joelhos, mantendo os braços levantados. A arma estava apontada à sua face. Um disparo àquela distância não podia falhar.
– Como é que tu fizeste isto? Fala ou eu disparo!
– Não sei do que está a falar, que não tenho nada a ver com o que acabou de acontecer...
– Não te armes em esp...
Onde antes estivera o olho esquerdo do soldado, saiu um jacto de sangue. Um momento depois, o corpo do militar caia sem vida. Olhou na direcção da origem do tiro, descobrindo Rita empunhando uma pequena arma. De súbito, compreendeu tudo o que se passara nos últimos dias.
– Os meus resultados estavam certos! Foste tu! – exclamou, levantando-se.
– Sim, estavas certo desde o início – confirmou, abrindo-se num sorriso como ele nunca antes tinha visto. – Como dizia a tua amiga, é a sobrevivência do mais forte.
– Era preciso matá-los a todos?
– O que é que achas? – ironizou, passando por ele.
Ela prendeu a arma nas calças, pegou na metralhadora do militar e retirou o carregador, guardando-o na bolsa. Chegou-lhes o fumo do incêndio que se gerara. Rita atou a camisola à volta da cara e seguiu em frente, desaparecendo no interior do refeitório.
Rui deixou-se ficar parado, tentando assimilar o que acabara de descobrir. Avançou decidido a pensar mais tarde, atando também a t-shirt à volta do nariz e boca.
Nada o preparara para o que encontrou. As mesas e cadeiras estavam feitas em pedaços de encontro às paredes numa miscelânea de metal e contraplacado, moído e retorcido. As portas haviam deixado de existir e os fragmentos quase pulverizados estavam espalhados pelos corredores. Os corpos eram o pior de tudo, desmembrados e com parte das vísceras espalhadas pelo chão e misturadas com tudo o resto. O sangue ensopava o chão e pintalgava as paredes. Ouviu alguns gemidos.
Não conseguiu ficar parado, por isso olhou em volta. Viu Rita ao fundo. Dirigiu-se a ela, a tempo de a ver atingir a cabeça de alguém. Desviou o olhar, sem conseguir assistir ao massacre.
Olhou em volta, procurou pelo corpo de Débora, sem o encontrar. Mudou de ideias e aproximou-se da assassina.
– Já chega! Não precisas de matar toda a gente!
– Meu querido – interpelou-o, com uma tranquilidade tão grande na expressão, que lhe provocou arrepios. – São eles ou eu. Depois do que nós fizemos, não há volta a dar, ou os matamos ou eles matam-nos a nós. Lembra-te, desde que as bombas caíram que a lei da selecção natural se aplica também aos humanos. Podes estar descansado, eu não te quero matar, afinal preciso de passar os meus genes à geração seguinte. Se não tiveres estômago para isto, podes sempre ir embora.
Rui percebeu que era impossível conversar, ela tinha enlouquecido. Apesar de tudo, não quis arredar pé. Ela matou outras duas pessoas, querendo inspeccionar também as casas-de-banho. De Débora nem sinal, mas com a quantidade de corpos irreconhecíveis, era impossível ter a certeza do seu paradeiro.
Ouviu-se um grito a partir da casa de banho. Rita encaminhou-se para lá.
De repente, um soldado dobrou a esquina, com um joelho no chão, disparando sobre ela. A engenheira foi projectada para trás, caindo de costas. A arma fugiu-lhe das mãos, indo parar perto de Rui. O meteorologista lançou-se para apanhar a arma.
– Depressa, mata-o! – ordenou Rita, contorcendo-se com dores.
Olhou na direcção da casa-de-banho, o militar havia desaparecido. O sangue ensopava a camisa dela, escorrendo copiosamente do ombro esquerdo.
– Afinal devo-te um favor – murmurou ele.
Rui empunhou a arma e apontou-a à cabeça dela. O movimento deu-se fluído e sem hesitações. Ela olhou-o com um ar suplicante. Não sentiu pena, nem remorso quando puxou o gatilho. Rita imobilizou-se instantaneamente quando o buraco surgiu na sua têmpera, explodindo com a parte de trás do crânio.
– Larga a arma, já! Mãos levantadas e dá quatro passos em frente! – ouviu atrás de si.
Deixou a pistola cair, com uma tranquilidade completa. Levantou as mãos e avançou, parando em frente ao cadáver da amante. Ouviu passos atrás de si. A arma foi pontapeada. Uma bota atirou-o ao chão, fazendo-o cair com a cara sobre os restos de massa encefálica da engenheira. Sentiu-se pressionado contra o chão. Quase que conseguia imaginar a arma apontada ao seu crânio. Fechou os olhos e esperou. Surpreendeu-o não sentir medo.
– Já chega! – ouviu Débora gritar. – Ele não é o culpado!
A pressão sobre as costas desapareceu. Um momento depois a geneticista ajudou-o a levantar-se. Havia outros seis sobreviventes. Eles encararam-no desconfiados. O soldado mantinha ainda a mão no gatilho.
– Sabes porque é que ela fez isto? – inquiriu Débora.
– Sim, ela tinha medo que não houvesse comida para todos durante o tempo em que vamos estar aqui fechados.
– Porque vamos ficar aqui fechados? – encorajou-o a bióloga, agarrando-lhe o braço.
– Há muita radioactividade no exterior. Para além disso, corri uma simulação e percebi que as poeiras e fumo resultantes das explosões estão a bloquear a luz do sol, criando uma noite permanente. A temperatura ao invés de subir, irá descer cerca de vinte graus. Os humanos não serão capazes de sobreviver no exterior.
– Estamos a falar de quanto tempo?
Rui olhou-os com pena, antecipando o choque que iria causar.
– Cerca de trinta anos de noite total e quase um século de noite parcial.
A escuridão chegara, nenhum deles veria de novo a luz do sol.
FIM
Este conto foi originalmente publicado no blogue Fantasy & Co.
A ambientação está razoável e a escrita, tirando alguns diálogos, também. Teria beneficiado de um investimento uniforme na ligação entre o leitor e as personagens (como aconteceu no início) em que vez de um desenvolvimento tão extenso e arrastado da estória.
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