A notícia apanhou-os desprevenidos.
Um momento antes, Rui olhara pela janela, um pouco mal disposto com os solavancos do autocarro. O ar condicionado estava ligado no máximo. A maioria dos passageiros dormia, embalada em sonhos alcoólicos, ignorando os campos envoltos na escuridão que ladeavam a estrada. O rádio em meia voz mantinha o condutor acordado. No regaço de Rui, dormia Débora, uma geneticista de cabelo castanho ligeiramente ondulado, cortado pelos ombros. Os grandes óculos, a saia por baixo do joelho e a blusa de mangas longas e sem decote faziam com que passasse despercebida.
No banco do lado oposto, dormia Rita, a especialista em engenharia nuclear. Tinha olhos azuis, vestia calções de ganga e um top branco, ostentando o cabelo liso num rabo-de-cavalo loiro. Ali viajavam os maiores especialistas do país, forçados a viver num local remoto por causa da guerra. Estavam autorizados a visitar a cidade uma vez em cada dois meses, com intuito ver familiares que já lá não viviam, uma desculpa para se poderem divertir e apanhar uma bebedeira.
De súbito, a música foi interrompida.
– Notícia de última hora! Há poucos minutos as forças ocidentais tomaram a praça central de São Petersburgo – o jornalista gaguejou. – Há evidências que várias ogivas nucleares foram lançadas pela aliança sino-russa. Voltaremos a este assunto assim que possível... Espero que isto não seja verdade, senão estamos todos f...
Quando a emissão foi cortada, já o seu batimento cardíaco acelerara e meia dúzia de cientistas saltara do banco. O condutor travou bruscamente, fazendo dois engenheiros cair no corredor e acordando os restantes. A tremer, o motorista quarentão retirou o livro amarelo do invólucro plástico. Ao abri-lo, várias cabeças debruçaram-se sobre as páginas.
Débora olhava-o confusa. O silêncio reinava. O autocarro arrancou, não demorando a atingir uma velocidade vertiginosa.
– Desculpa, adormeci em cima de ti – constatou constrangida, endireitando-se num ápice e observando a agitação – O que se passa?
– Parece que lançaram umas bombas nucleares na Rússia – comentou Rui, procurando esconder o pânico.
– Isso é horrível! – fixou-o nos olhos e engoliu em seco. – Pode ser a última oportunidade de te dizer...
Com uma guinada súbita à esquerda, o autocarro saiu da estrada. Houve gritos. O veículo não se despistara, havia apenas enveredara por um estreito carreiro. Seguiram em grande velocidade e aos solavancos durante uns metros. Sentiu-se sacudido com violência para a direita, seguido de um impacto. Percebeu que haviam destruído uma cancela. Seguiu-se uma derrapagem, imobilizando-se num espaço aberto. O motorista saltou para fora do veículo, correndo em direcção ao portão blindado do abrigo. Os dois soldados à entrada apontaram-lhe as metralhadores de assalto, obrigando-o a parar.
– Pare ou disparamos!
– Protocolo Camões! Protocolo Camões! – anunciou, acenando-lhes com o livro amarelo.
– Não fomos informados de nada – declarou um terceiro, saindo do posto de controlo.
– Acabou de passar no rádio, para além disso, tenho comigo especialistas indispensáveis. Código J2. Não vão querer ser responsabilizados se algo correr mal, pois não?
– Acalme-se, mesmo que quiséssemos deixá-lo entrar, não podemos, não temos os códigos de acesso...
– Eu tenho-os aqui – insistiu, acenando com o livro amarelo. – Não há tempo a perder!
Os soldados afastaram-se e o motorista aproximou-se do painel. Os cientistas abandonaram o veículo, ajuntando-se em frente à porta blindada. O tenente inseriu a chave na ranhura e rodou. O motorista introduziu o código que um dos soldados lhe ditou em voz alta a partir do livro. Esperaram em silêncio mas a porta nem se mexeu.
– O protocolo Camões foi activado! – anunciou um dos soldados, abandonando a sala de comunicações.
Vinha esbaforido e era seguido por outros dois. O portão blindado da construção imponente de betão massivo começou a mexer-se. Rui notou que Rita se posicionara do seu lado direito, observando o procedimento com um ar sério. Apesar da gravidade da situação, não conseguiu deixar de admirar os seus belos olhos azuis. Sentiu-se empurrado com força. Vários cientistas lançaram-se à brecha, rastejando e agredindo-te como animais em desespero.
Um disparo fê-los imobilizar.
– Um de cada vez! – ordenou o tenente, um homem alto e atlético, apontando ainda a metralhadora para o ar. – E vocês vão buscar o conteúdo do paiol e da dispensa.
Quando as munições e comida estavam no interior, o tenente voltou a rodar a chave, retirando-a de seguida. O portão fechou-se com a mesma lentidão com que se tinha aberto.
Quando as luzes se acenderam, o interior era um armazém espaçoso.
– Vamos ter de ficar aqui? – duvidou Rita, observando o interior vazio e cinzento.
– Segundo o livro amarelo, há uma parte habitável, quatro metros abaixo da superfície – informou o condutor.
Avançaram até encontrarem outra porta blindada, numa das paredes laterais. Introduzidos chave e código, esta abriu-se quase de imediato, dando acesso a uma escadaria. Desceram os dois lanços de escadas, atravessando outra porta, a qual não precisou de nenhuma autenticação.
Deparam-se com um espaço circular vazio, continuaram em frente até chegarem a uma sala cheia de painéis. O especialista informático lançou-se sobre o teclado, começando a digitar comandos num ritmo frenético.
– Porreiro, parece que temos ligação de satélite com o exterior!
O resultado não tardou a aparecer nos ecrãs. Milhares de linhas que definiam as trajectórias dos mísseis intercontinentais. Sobre cerca de um quarto das cidades do planeta havia o ícone nuclear. A cada segundo o número crescia, marcando as cidades atingidas.
Uma gargalhada irrompeu o silêncio. Débora começou a chorar baixinho, abraçando-se a Rui. Houve outros que deixaram as lágrimas correr, mas a maioria ficou silenciosa, de olhar fixo nos monitores, sem saber que não voltariam a ver a luz do sol.
Um momento antes, Rui olhara pela janela, um pouco mal disposto com os solavancos do autocarro. O ar condicionado estava ligado no máximo. A maioria dos passageiros dormia, embalada em sonhos alcoólicos, ignorando os campos envoltos na escuridão que ladeavam a estrada. O rádio em meia voz mantinha o condutor acordado. No regaço de Rui, dormia Débora, uma geneticista de cabelo castanho ligeiramente ondulado, cortado pelos ombros. Os grandes óculos, a saia por baixo do joelho e a blusa de mangas longas e sem decote faziam com que passasse despercebida.
No banco do lado oposto, dormia Rita, a especialista em engenharia nuclear. Tinha olhos azuis, vestia calções de ganga e um top branco, ostentando o cabelo liso num rabo-de-cavalo loiro. Ali viajavam os maiores especialistas do país, forçados a viver num local remoto por causa da guerra. Estavam autorizados a visitar a cidade uma vez em cada dois meses, com intuito ver familiares que já lá não viviam, uma desculpa para se poderem divertir e apanhar uma bebedeira.
De súbito, a música foi interrompida.
– Notícia de última hora! Há poucos minutos as forças ocidentais tomaram a praça central de São Petersburgo – o jornalista gaguejou. – Há evidências que várias ogivas nucleares foram lançadas pela aliança sino-russa. Voltaremos a este assunto assim que possível... Espero que isto não seja verdade, senão estamos todos f...
Quando a emissão foi cortada, já o seu batimento cardíaco acelerara e meia dúzia de cientistas saltara do banco. O condutor travou bruscamente, fazendo dois engenheiros cair no corredor e acordando os restantes. A tremer, o motorista quarentão retirou o livro amarelo do invólucro plástico. Ao abri-lo, várias cabeças debruçaram-se sobre as páginas.
Débora olhava-o confusa. O silêncio reinava. O autocarro arrancou, não demorando a atingir uma velocidade vertiginosa.
– Desculpa, adormeci em cima de ti – constatou constrangida, endireitando-se num ápice e observando a agitação – O que se passa?
– Parece que lançaram umas bombas nucleares na Rússia – comentou Rui, procurando esconder o pânico.
– Isso é horrível! – fixou-o nos olhos e engoliu em seco. – Pode ser a última oportunidade de te dizer...
Com uma guinada súbita à esquerda, o autocarro saiu da estrada. Houve gritos. O veículo não se despistara, havia apenas enveredara por um estreito carreiro. Seguiram em grande velocidade e aos solavancos durante uns metros. Sentiu-se sacudido com violência para a direita, seguido de um impacto. Percebeu que haviam destruído uma cancela. Seguiu-se uma derrapagem, imobilizando-se num espaço aberto. O motorista saltou para fora do veículo, correndo em direcção ao portão blindado do abrigo. Os dois soldados à entrada apontaram-lhe as metralhadores de assalto, obrigando-o a parar.
– Pare ou disparamos!
– Protocolo Camões! Protocolo Camões! – anunciou, acenando-lhes com o livro amarelo.
– Não fomos informados de nada – declarou um terceiro, saindo do posto de controlo.
– Acabou de passar no rádio, para além disso, tenho comigo especialistas indispensáveis. Código J2. Não vão querer ser responsabilizados se algo correr mal, pois não?
– Acalme-se, mesmo que quiséssemos deixá-lo entrar, não podemos, não temos os códigos de acesso...
– Eu tenho-os aqui – insistiu, acenando com o livro amarelo. – Não há tempo a perder!
Os soldados afastaram-se e o motorista aproximou-se do painel. Os cientistas abandonaram o veículo, ajuntando-se em frente à porta blindada. O tenente inseriu a chave na ranhura e rodou. O motorista introduziu o código que um dos soldados lhe ditou em voz alta a partir do livro. Esperaram em silêncio mas a porta nem se mexeu.
– O protocolo Camões foi activado! – anunciou um dos soldados, abandonando a sala de comunicações.
Vinha esbaforido e era seguido por outros dois. O portão blindado da construção imponente de betão massivo começou a mexer-se. Rui notou que Rita se posicionara do seu lado direito, observando o procedimento com um ar sério. Apesar da gravidade da situação, não conseguiu deixar de admirar os seus belos olhos azuis. Sentiu-se empurrado com força. Vários cientistas lançaram-se à brecha, rastejando e agredindo-te como animais em desespero.
Um disparo fê-los imobilizar.
– Um de cada vez! – ordenou o tenente, um homem alto e atlético, apontando ainda a metralhadora para o ar. – E vocês vão buscar o conteúdo do paiol e da dispensa.
Quando as munições e comida estavam no interior, o tenente voltou a rodar a chave, retirando-a de seguida. O portão fechou-se com a mesma lentidão com que se tinha aberto.
Quando as luzes se acenderam, o interior era um armazém espaçoso.
– Vamos ter de ficar aqui? – duvidou Rita, observando o interior vazio e cinzento.
– Segundo o livro amarelo, há uma parte habitável, quatro metros abaixo da superfície – informou o condutor.
Avançaram até encontrarem outra porta blindada, numa das paredes laterais. Introduzidos chave e código, esta abriu-se quase de imediato, dando acesso a uma escadaria. Desceram os dois lanços de escadas, atravessando outra porta, a qual não precisou de nenhuma autenticação.
Deparam-se com um espaço circular vazio, continuaram em frente até chegarem a uma sala cheia de painéis. O especialista informático lançou-se sobre o teclado, começando a digitar comandos num ritmo frenético.
– Porreiro, parece que temos ligação de satélite com o exterior!
O resultado não tardou a aparecer nos ecrãs. Milhares de linhas que definiam as trajectórias dos mísseis intercontinentais. Sobre cerca de um quarto das cidades do planeta havia o ícone nuclear. A cada segundo o número crescia, marcando as cidades atingidas.
Uma gargalhada irrompeu o silêncio. Débora começou a chorar baixinho, abraçando-se a Rui. Houve outros que deixaram as lágrimas correr, mas a maioria ficou silenciosa, de olhar fixo nos monitores, sem saber que não voltariam a ver a luz do sol.
A segunda parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-2-de-5.html
Este conto foi originalmente publicado no blogue Fantasy & Co.
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