segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Mensagem na educação em Portugal

Considero que é importante discutir a forma como Fernando Pessoa é ensinado nas nossas escolas. O argumento é simples, é necessário educar os jovens de hoje, para que possam ser os construtores do novo mundo de amanhã.
Se perguntarem a alguém que tenha completado recentemente o ensino secundário o que sabe sobre Fernando Pessoa, é muito provável que essa pessoa cite os nomes dos seus mais conhecidos heterónimos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares; e talvez também a que é considerada a maior obra maior do seu homónimo: A Mensagem. Isto é possível porque são temas que fazem parte do programa geral do ensino de Português do 12º ano. No entanto, se de seguida perguntarem a essas mesmas pessoas qual o propósito da Mensagem, a situação complica-se, sendo possível notar de um modo embaraçoso quão superficial é esse conhecimento. São poucos os que têm a noção da intenção última do poeta, e ainda menos os que o vêem como um visionário.
O Quinto Império ainda é visto pela maioria das pessoas como uma construção idealista e imaginária duma pessoa com aparentes distúrbios mentais, que inventava numerosos alter-egos para assinar as suas obras e que passava o tempo a beber absinto e a fumar ópio. Felizmente, essa mensagem não é transmitida directamente no ensino mas, ao falharem na clarificação da génese e das intenções da obra, o espaço para a especulação fica naturalmente em aberto, apresentando consequências nefastas. É necessário que a juventude de hoje consiga ver para além do óbvio. O Quinto Império é um projecto para Portugal, para os portugueses e dos portugueses para o mundo. Foi idealizado pelo grande imperador da língua portuguesa, Padre António Vieira, traça as linhas para um novo mundo, uma nova idade, a idade do Espírito Santo; uma mensagem que continua actual e que não é explorada no programa de Português nem de Filosofia.
O sistema actual de educação em Portugal não foi feito para nem pelos portugueses, sendo uma cópia tirada de outros países na Europa. Uma das suas grandes falhas é a forte influência cartesiana, onde apenas existem respostas correctas e erradas. Eventualmente, este sistema pode funcionar de modo razoável em disciplinas de ciências naturais mas, quando se trata de literatura e Filosofia, esta aproximação não será certamente a mais correcta. Como pode alguém ter a arrogância de afirmar que a interpretação de um determinado aluno é errada, aceitando por outro lado a interpretação de outrém como definitiva? Na verdade, nenhum aluno é livre de apresentar uma opinião própria sobre uma obra, mesmo que fundamentada. Ao invés disso, uma determinada interpretação é imposta e qualquer opinião que ultrapasse os seus limites será automaticamente excluída. Gradualmente, este método leva à castração da mente crítica, emergindo assim uma mente que cria as suas opiniões através de um processo de osmose das opiniões de outros. Por outro lado, o facto da interpretação da obra ser imposta ao aluno, impedindo-o de construí-la a baseada nos seus valores e experiência de vida, leva a uma perda de interesse por parte do mesmo. O professor deveria comportar-se como um guia, ajudando os seus alunos a construir a sua interpretação da obra e a desenvolver um interesse pela mesma, mas isso está longe de ser real. Neste contexto, é natural que poucos se interessem pela Mensagem após o fim desse ciclo de estudos.
Esse panorama piora com a associação errada que algumas pessoas fazem entre o Estado Novo e a obra, por encontrarem nela linhas de pensamento semelhantes. O Estado Novo adoptou essencialmente o tema do nascimento mitológico do país como via para motivar um nacionalismo que considerava necessário para a manutenção do país. A Mensagem adopta o mesmo nascimento como via para justificar a missão maior, a construção do Quinto Império, do qual as navegações foram a primeira e menos importante parte, e cujo o cerne ainda se encontra por concretizar. A maioria dos portugueses ainda vive com o estigma da ditadura Salazarista e do colonialismo e tudo o que possa eventualmente estar associado a isso ainda é relegado para segundo plano na sociedade portuguesa como na educação. Isso trazendo graves consequências para o país, que se recusa olhar para o passado para aprender como agir no futuro, como por exemplo na questão da CPLP que, apesar de baseada nos planos de Agostinho da Silva, ainda continua longe daquilo que ele pretendia.
Lamentavelmente, a renascença portuguesa é ainda grandemente ignorada no programa geral de Filosofia do ensino secundário. Autores importantes como Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Agostinho da Silva não são sequer mencionados durante programa de estudos geral. Fernando Pessoa é estudado, mas de uma maneira que ainda se encontra muito longe da adequada.
A meu ver, é necessária pelo menos uma revisão dos conteúdos programáticos e métodos de ensino de Filosofia e de Português do ensino secundário. O ideal seria uma reorganização do sistema de ensino, feita por portugueses e a pensar nos portugueses. Enquanto aqueles que comandam os destinos do país se preocuparem mais com os números que enviam para a Europa do que com a qualidade da educação isso não será possível.


Este pequeno ensaio foi escrito para a revista Nova Águia e publicado no sétimo número da mesma.
http://novaaguia.blogspot.de/

Foi comentado em: http://movv.org/2011/05/29/o-quinto-imperio-e-um-projeto-para-portugal-para-os-portugueses-e-dos-portugueses-para-o-mundo/

domingo, 29 de abril de 2012

A travessia


A palavra “ferri” pregada a um bordo era o sinal da proximidade da batalha. Rodimtsev olhou para o céu, onde colunas densas e negras de fumo contrastavam com o pôr-do-sol.
Sabia que os Nazis podiam chegar à margem a qualquer momento. A sua missão era impedir isso, sob pena de a cidade ficar inacessível.
Ainda a poeira do movimento massivo de tropas pairava no ar quando ordenou que munições, granadas e rações fossem distribuídas à sua divisão. Fora decidido que não poderiam esperar mais.
Embarcou com a primeira onda, durante o crepúsculo. Escolhera um pequeno barco civil, de modo a não chamar a atenção. Tudo fora usado, desde barcos militares até pequenos botes movidos a remos, passando por pesqueiros.
Durante a guerra civil espanhola ficara, Rodimtsev conhecido como “Pablito”, onde ganhara a reputação de herói. Tinha a fama de destemido, já que nunca mostrara receio em frente às suas tropas contudo, aquela travessia causava-lhe arrepios que lhe subiam pela espinha acima. Enquanto estivesse no barco não poderia agir, somente esperar que os alemães não o alvejassem.
Estavam completamente indefesos, e os tiros e explosões de artilharia à distância não ajudavam a mitigar os receios.
Já tinham atravessado metade do rio quando os alemães se aperceberam da sua presença. Colunas de água de todos os tamanhos levantavam-se à medida que os projécteis a atingiam. Desde metralhadoras a morteiros, tudo estava apontado a eles. Umas das embarcações fora atingida directamente, matando os vinte soldados que iam a bordo.
Muitos soldados contemplavam a água à sua volta. enquanto outros preferiam olhar para o céu. No entanto, alguns atreviam a focar-se directamente no inferno. Os prédios ardiam intensamente e fagulhas esvoaçavam. A margem encontrava-se repleta de destroços. O cheiro a queimado e corpos em decomposição chegou-lhe às narinas.
Quando os barcos se aproximaram, os soldados saltaram para as águas pouco profundas, tentando arranjar cobertura.
Rodimtsev saltou também, sentindo a água fria chegar à cintura. Numerosos soldados caíam à sua volta, atingidos pelo fogo inimigo. A sua prioridade era proteger-se do fogo inimigo e, sem pensar duas vezes, correu agachado, até se abrigar atrás dos destroços de um tanque.
Era vital que atacassem rapidamente, de modo a aproveitar a surpresa dos alemães. Sem tempo para ter medo, gritou a ordem para avançar, à qual os soldados obedeceram imediatamente. Inspirados pelo seu feito e aproveitando a surpresa dos alemães, o batalhão à sua esquerda e o regimento à sua direita juntaram-se ao ataque. A ofensiva conseguiu apanhar os alemães desprevenidos, já que não haviam tido tempo sequer para cavar trincheiras.
Ao observar os primeiros minutos da escaramuça nocturna, percebeu que iria atingir o seu objectivo. Era certo que os alemães contra-atacariam mais tarde e muitos dos seus soldados morreriam ali. Porém, o mais importante era que a cidade não havia caído e, enquanto isso não acontecesse, os nazis não teriam a sua vitória.


Este texto foi escrito como participação no concurso 15-25 da revista ler. Foi publicado na edição de Janeiro de 2012.

sábado, 28 de abril de 2012

A república e o sonho português


É importante reflectir primeiramente sobre as diferenças entre monarquia e república.
A monarquia por definição é uma forma de governo em que uma única pessoa governa como chefe de estado, na maioria dos casos de maneira vitalícia. Existem vários tipos de monarquia, mas convém apenas referir a monarquia constitucional, aquela que esteve presente em Portugal desde 1820 até 1910. Na monarquia constitucional, um monarca já não têm um poder absoluto, o poder é limitado por uma constituição.
A república é por definição uma forma de governo em que o chefe de estado, vulgarmente o presidente, é escolhido pelo povo através de um voto secreto e periódico.
A partir destas definições pode-se ver uma diferença entre os períodos de mandato: a da monarquia é vitalícia enquanto a da república é periódica. Idealmente, a república parece ser mais justa, já que, teoricamente, coloca o poder de eleição nas mãos do povo.
A mudança em Portugal ocorreu de uma forma violenta pela mão do partido Republicano com a ajuda da Maçonaria, no inicio de Outubro de 1910. A monarquia estava fraca, e mesmo os que eram a favor dela não tiveram vontade de lutar contra a revolução.
A força do partido Republicano era a sua promessa de mudar as coisas. Mas, o anticlericalismo militante e a falta de programa social acabaram por destruir a própria república, que apenas durou dezasseis anos, sendo substituída por uma ditadura.
Deixemos agora os detalhes históricos e reflectindo na actualidade, pode-se ver que a segunda república é avaliada pelos olhos da sociedade como uma república mais responsável. O império português terminou, foi abandonado é provavelmente a expressão mais adequada. Portugal, que durante a ditadura pouco se pareceu importunar com os problemas europeus, fechando-se no seu mundo, de um momento para o outro parece acordar para se voltar para a Europa, talvez em busca do desenvolvimento tão desejado.
Não querendo ofender a opinião de ninguém e sob pena de ser parcial, penso que a República até agora foi apenas uma experiência que correu mal. Continua a haver classes, o Portugal sonhado não existe e o poder ainda não é do povo.
Os estratos sociais existem, e não parece que estejam diminuir o hiato entre eles, antes pelo contrário. Os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Todos os dias se fala na crise, e culpa-se o povo de querer viver acima das suas capacidades, e de se sobre endividar. Os apoios sociais, nomeadamente o rendimento de inserção social, parece apenas contribuir para a proliferação de um classe tida por muitos como parasita. Um novo olhar, sobre estes problemas é necessário. Aos olhos de muitos parece que da parte dos que tem o poder o interesse em mudar a situação fica muito além do necessário. Na minha opinião, limitam-se a tentar curar as consequências sem se preocupar com as causas.
O Portugal sonhado não existe. Portugal sempre teve muitos tidos como sonhadores pela maioria, mas que na verdade eram visionários. O país idealizado por eles não existe. Onde está o Quinto Império? O que aconteceu aos planos de globalização traçados pelo padre António Vieira? Não se trata do poder político, económico ou militar, trata-se de algo mais simples como a cultura e os valores. O espírito português é algo que está em vias de extinção, não é com meia dúzia de grupos folclóricos que esse espírito se preserva. Quando falo do espírito, falo dos valores, da língua, do sonho português de uma globalização diferente da imposta pelas nações dominantes. Somos diariamente invadidos pela cultura estrangeira, não que devamos fechar-nos e ignorar toda essa influência potencialmente produtiva, mas também não é correcto deixamo-nos levar completamente esquecendo a nossa própria identidade. A nossa língua está a cair no esquecimento, é ridículo a sobre utilização do inglês não nos importando com o lento sufocar do português. A indústria controla a cultura, e isso é a causa da maioria dos problemas, já que a industria não se preocupa com os valores culturais, mas, apenas com o lucro. A culpa, na minha opinião, é também do governo, que não se parece importar com espírito nacional nem tão pouco fazer algo de sério para regulamentar essa indústria da cultura. A globalização é uma realidade, mas está longe do sonhado por Portugal, sendo apenas um conceito económico e traçada pelos países e grupos económicos dominantes a seu belo prazer. Portugal, através dos seus órgãos de soberania, devia voltar-se mais para os países de língua oficial portuguesa. Nenhum povo se pode julgar superior culturalmente a outro povo, porque quando assim é porque não conhece a cultura do outro povo. Quantos livros de escritores Angolanos estão nas nossas livrarias? Quantos cds de músicos Moçambicanos estão nas nossas lojas? Neste ponto nem sequer é necessário que sejamos idealistas e propor apenas uma maior troca cultural, uma troca económica significativa pode e deve existir também.
O poder ainda não é do povo, dois partidos estão continuamente e alternadamente no poder. O povo limita-se a escolher entre duas pessoas escolhidas por esses partidos. Os outros partidos nem todos juntos têm expressão, a menos que se juntem a um desses. Por sua vez, os partidos são manipulados pelos interesses económicos e industriais. Este ciclo vicioso fez a maioria do povo cair numa apatia, e a prova disso é o nível de abstenção. Esse nível é talvez o indicador mais importante e preocupante, o povo sente que não pode fazer nada. É necessário encorajar o povo a participar mais activamente no governo, sem o desmotivar com sensação de impotência. É necessário que o comande realmente e exclusivamente os destinos da nação. Lutar contra os interesses económicos instituídos não é fácil, e só quando todos sem excepção decidirem pôr-lhe um fim é que é possível vencer esta guerra.
A república, tal como existe nos dias de hoje, não é ainda uma solução viável para Portugal. No entanto eu aceito esta república como um passo necessário, mas olhando para um futuro, que espero próximo em que a república se renove ou se transforme em algo melhor. Espero que todos possam olhar para trás e aprender com os erros, um erro seria tentar mudar as coisas pela força, outro seria perder o folgo da mudança e cair novamente na estagnação e apatia. A mudança não têm que ser violenta, nem sequer brusca, nem terá que substituir de uma vez as instituições existentes ou a sua maneira de agir, mas terá que existir e ser gradual.
O sonho português ainda se pode realizar, mas para tal é necessário uma mudança radical a começar pelo topo, para que o nosso governo possa finalmente ser aquilo que devia ser: um modelo para o povo e para os outros governos do mundo. Um modelo de um governo justo, credível e sério.


Este pequeno ensaio foi escrito para a revista Nova Águia e publicado no sexto número da mesma.
http://novaaguia.blogspot.de/
http://www.zefiro.pt/livro_novaaguia006.htm


Foi comentado em: http://movv.org/2011/03/29/pedro-cipriano-a-republica-ate-agora-foi-apenas-uma-experiencia-que-correu-mal/
http://movv.org/2011/02/04/pedro-cipriano-a-industria-controla-a-cultura/
http://movv.org/2010/11/28/pedro-cipriano-o-poder-ainda-nao-e-do-povo-dois-partidos-estao-continuadamente-e-alternadamente-no-poder-o-povo-limita-se-a-escolher-entre-duas-pessoas-escolhidas-por-esses-partidos/

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O outro mundo

A terra estremeceu com o salvo de artilharia. Paulo não receou, pois sabia estar relativamente seguro dentro da sua trincheira. O pior viria quando os canhões se calassem e os alemães atacassem. Segurou com força a sua espingarda guarnecida com baioneta e esperou pelo pior. A qualquer momento esperava ouvir disparos.
De súbito, uma estranha calma apoderou-se dele e pareceu contagiar todo o ambiente. Os disparos dos artilheiros cessaram. Não houve tiros nem explosões.
– O correio chegou! – ouviu os seus companheiros gritar.
Não tardou que o tenente aparecesse no seu buraco, rastejando pelo meio da lama. Ninguém se atrevia a colocar a sua cabeça mais alta que a borda, pois os franco-atiradores só precisavam de uma oportunidade para realizar o seu hediondo trabalho.
– É o teu dia de sorte. Chegou uma encomenda para ti – explicou o quarentão de cabelo grisalho.
O embrulho mudou de mãos e o oficial continuou o seu percurso pelo labirinto escavado naquele solo castanho.
Paulo rasgou o cartão, encontrando o livro que esperava há meses. Abriu o tomo, de nome Vollüspa, e num instante estava noutro mundo, bem longe dos horrores da guerra.



Esta vinheta foi criada para publicitar a colectânea Vollüspa e acabou por ter mais sucesso do que esperava.

Publicada em:
http://correiodofantastico.wordpress.com/2012/03/22/volluspa-vinheta-de-pedro-cipriano/
http://nosf.net/2012/04/u-meduvremenu-u-portugalu/

Olá Mundo!

O meu nome é Pedro Cipriano e desde sempre que tive um bichinho pela escrita. Claro que posso traçar as raízes desse interesse ao gosto pela leitura que sempre me acompanhou desde que aprendi a ler. Portanto, decidi criar este blog para promover os meus trabalhos. Espero que gostem.
Em termos de livros, leio de tudo um pouco, assim como escrevo de tudo um pouco. Assim sendo, irei organizar o blog por tags para os leitores mais selectivos.
Por agora é tudo e fico à espera das vossas visitas!