sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O dilema de Winrich - parte 1/2



A ultima vez que Winrich tinha olhado para o relógio faltavam poucos minutos para as cinco da manhã. Na verdade eram quase sete da manhã, contudo Hitler insistira para que as tropas na Rússia operassem no horário alemão. Estava nevoeiro e tinha recentemente começado a nevar. Devido às condições meteorológicas adversas dessa quinta-feira, era impossível ver mais que alguns metros de distância a partir da janela.

Este deserto gelado não era muito diferente do deserto africano onde passara os últimos meses, concluiu, eram ambos compostos maioritariamente por vastas regiões vazias, onde não havia nem água, nem árvores, nem povoações e muito menos pessoas. Eram as condições ideias para conduzir uma ofensiva blindada, dissertou com um ar sonhador.

Ele estava sentado numa das salas reservada ao serviço de informação. O posto de comando do Sexto Exército ficava ali mesmo ao lado, no mesmo edifício. Estavam instalados numa aldeia cossaca, chamada Golubinsky, localizada na margem Oeste do rio Don, à cerca de cinquenta quilómetros da cidade.

Winrich Behr era alto e magro. Tinha vinte e quatro anos e detinha o posto de Major. Nascera em Berlim, também filho de um militar. Tinha sido transferido para a equipa operacional de Paulus no inicio de Outubro, como oficial do serviço de informação.

Antes disso tinha servido no Norte de África, onde ganhara a Cruz de Ferro de primeira categoria, que agora usava orgulhosamente ao pescoço. Era conhecido pelo seu sempre presente sentido de humor. Tinha uma face longa, com uma grande testa, com um tufo de cabelo preto no topo. Os olhos castanhos escuros transmitiam vivacidade.

As coisas era geridas aqui de maneira muito diferente da Afrika Korps. Para começar Rommel e Paulus eram muito diferentes um do outro. Paulus era um general competente, ninguém lhe podia retirar isso, contudo tinha um respeito quase sacramental das regras, o que o tornava as suas acções um tanto previsíveis. Rommel, pelo contrário, gostava de torcer e, por vezes, até quebrar as regras, não se importando muito com a hierarquia. Paulus era conhecido por jogar pelo seguro, pensando calmamente nas vantagens e riscos, enquanto Rommel estava preparado para arriscar tudo em operações ousadas, em que a brutalidade e violência eram as palavras de ordem. Por vezes parecia-lhe que Rommel tinha mais a personalidade de general do que Paulus, que ainda mostrava esporadicamente comportamentos de oficial. Se lhe pedissem para descrever numa palavra cada um dos homens, Rommel seria um artista enquanto Paulus seria um cientista. Ambas as personalidades tinham as suas vantagens e desvantagens, concluiu, e sem dúvida ambos dariam o seu melhor pela Alemanha.

A morte súbita e inesperada do general von Riechenau fora uma tragédia, que acabara por levar à promoção de Paulus, tornado-o comandante do Sexto Exército.

Ouviu o relógio assinalar as cinco da manhã.

A campanha bem sucedida em África nunca teria sido possível caso Paulus fosse o comandante, contudo, nem mesmo Rommel a conseguira levar a bom termo, apesar de ter ficado bem perto. As batalhas vitoriosas que travara, muitas vezes em inferioridade numérica e, quase sempre, com falta de abastecimento, ficariam sem dúvida na história. O único espinho na sua carreira era El Almein, onde o seu avanço fora travado. Novidades de uma nova batalha nesse local andavam na boca de todos. A verdade era dolorosa e ninguém queria acreditar que Rommel tivesse sido novamente derrotado.

Winrich ouviu o telefone tocar. Os seus pensamentos desfizeram-se imediatamente no éter, enquanto se apressava a atende-lo.

― Daqui Tenente Stöck. ― comunicaram do outro lado.

― Daqui Major Behr, estou a receber, qual é a situação?

Winrich abriu o livro onde deveria registar todas as comunicações, pegou num lápis, registou a hora e preparou-se para escrever.

O telefonema vinha da parte do vencedor da medalha de ouro nos jogos Olímpicos de 1936, em Berlim. Gerhard Stöck contara que, depois quatro lançamentos fracos, estava em quinto lugar. Contudo, nesse momento Hitler chegara ao estádio e a multidão aplaudira-o efusivamente. Isso motivou-o de tal modo que conseguiu fazer um lançamento de quase setenta e dois metros, ultrapassando o segundo lugar por mais de um metro, garantindo assim a medalha de ouro.

A prática do envio de oficiais de ligação fora proibida por Hitler contudo, os outros oficiais conseguiram convencer o General Schmidt das vantagens deste pequeno desrespeito das regras. Deste modo, Gerhard fora enviado com um rádio sem fios ao Quarto Corpo de Exército Romeno, estacionado na região a Noroeste da cidade, melhorando significativamente a comunicação entre as duas unidades.

― De acordo com a confissão de um oficial russo, capturado na área da Primeira Divisão de Cavalaria Romena, é esperado um ataque hoje as cinco da manhã.

― Já passa das cinco, há algum sinal duma ofensiva? ― respondeu Winrich, confirmando mais uma vez as horas.

― Ainda nada, tudo calmo. ― respondeu-lhe.

― Parece-me que é outro falso alarme dos romenos. Mas, ficou aqui registado.― concluiu Winrich, pensando tratar-se de outro falso alarme.

― Entendido. ― confirmou e de seguida desligou.

Winrich não sabia o que deveria fazer ou se realmente teria de fazer algo, por isso permaneceu no seu lugar, reflectindo sobre a informação recebida.



Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

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