terça-feira, 8 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 6/7

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do.html

A quinta parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_07.html

Sociedade

A sociedade transformou-se enormemente no último século. Questionaram-se práticas seculares, a própria organização da sociedade e prometeram-se direitos a todos. Infelizmente, a maioria dessas alterações não tiveram uma repercussão global, sendo que apenas alguns beneficiaram das mesmas. A maioria da população nem sequer sabe da sua existência e outros apenas as olham como algo impossível de acontecer.
Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou um documento intitulado Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento notável que define os direitos fundamentais do Homem. Nunca antes tinha surgido um documento deste género, tão completo e dizendo ser suportado por tantas nações. Porém, convém agora olhar para o outro lado da moeda e tentar ver quantos desses direitos são realmente garantidos. Ao fazer isso, descobre-se que em cada um desses direitos há uma excepção, mesmo dentro das nações que os assinaram. Os que estabeleceram os direitos são, na maioria das situações, os primeiros a negar a sua aplicação na realidade por questões de conveniência e interesse. Sessenta anos depois desta declaração, a maioria dos direitos ainda são apenas uma miragem.
O fim da monarquia prometia o fim da sociedade hierárquica, onde a ascendência definia os papéis a representar. Na verdade, com a república, com a ditadura que se seguiu e com a nova república, o poder limitou-se a mudar de mãos, sem que a sociedade deixasse de estar hierarquizada. A nova organização, imposta e aceite actualmente, prende-se com a capacidade económica. Até as crianças de tenra idade já tomam parte neste jogo insano, criando grupos baseados nas marcas de roupa que vestem ou na riqueza aparente dos país.
A sociedade actual é modelada pelo medo: medo da fome, medo do desemprego, medo da pobreza, medo do terrorismo, medo da guerra, medo das alterações climáticas, medo de epidemias e medo de estranhos. Medos de inimigos visíveis e invisíveis, alguns reais e outros criados e impingidos à nossa sociedade. Sob o medo da fome, milhares são obrigados a emigrar, deixando para trás o seu país e, por vezes, a sua cultura, em nome de uma abundância e prosperidade que nem sempre correspondem à realidade. Sob o medo do desemprego, as pessoas são levadas a aceitar empregos degradantes, tanto para a mente como para o corpo, tornando-se quase escravos dessa parca fonte de rendimento, que poderá cessar quando já não servir os interesses dos patrões. Sob o medo da pobreza, coloca-se o materialismo como prioridade e cresce uma febre de acumular mais e mais, sem se ter consciência que essa atitude é a principal causa da pobreza. Sob o medo do terrorismo, os cidadãos de inúmeras nações são forçados a abdicar da privacidade, liberdade e outros direitos em nome da segurança, que nunca será realidade enquanto servir os interesses dos governantes políticos e económicos. Sob o medo da guerra, milhares são forçados a fugir do seu próprio país e a viver em autênticos campos de concentração, ou então forçados a lutar contra um inimigo pintado como inumano e demoníaco, respondendo à guerra com mais guerra, quando no fundo a guerra só serve os interesses de uma elite, sendo o povo quem mais sofre com ela. Sob o medo das alterações climáticas, é proibido o desenvolvimento económico de vários países, ao invés de se apostar numa mudança racional dos nossos estilos de vida, enquanto isso, os que mais contribuem para essas alterações continuam a manter o seu estilo de vida insustentável, fazendo recair a factura e um complexo de culpa em quem pouca ou nenhuma culpa tem. Sob o medo de epidemias, milhares foram coagidos a tomar vacinas que eram mais perigosas que as próprias doenças, numa atitude criminosa por parte da industria farmacêutica. Sob o medo de estranhos, o ser humano fecha-se cada vez mais em si mesmo, alimentando sentimentos xenófobos num ciclo que se sustenta a si mesmo gerando mais medo e desconfiança, impedindo-o de conhecer o outro e a sua cultura. Esses medos são alimentados porque servem interesses, citando Mia Couto nas conferências do Estoril em 2011: “há quem tenha medo que o medo acabe”, pois é ele que sustenta esta sociedade doente.
Se estas tendências se mantiverem, o mundo irá cair num autêntico pesadelo Orwelliano, em que a população será forçada a aceitar todas as perversões da realidade sem as questionar, por via do medo e da repressão. Uma sociedade em que se abdicará de direitos em nome de uma falsa segurança.
Vimos nos últimos meses, no mundo e em Portugal, o surgimento de movimentos populares que lutam por uma mudança na sociedade. Apesar de muitos dos movimentos estarem ainda em estado embrionário, é bom ver que ainda há pessoas capazes de ter consciência das falhas e, sem medo,  lutar contra elas. Falta ainda coesão, adesão, coragem e renúncia ao comodismo para que esses movimentos produzam alterações na sociedade e, consequentemente, para que esta passe a reflectir as vontades reais da população. Estes movimentos procuram lutar por uma solução alternativa aos problemas inerentes a esta sociedade de repressão e medo que actualmente nos molda e restringe, apesar de muitos não saberem que o fazem ou porque o fazem, acabando por lutar contra os efeitos ao invés de atacar as causas. Contudo, esta abertura de horizontes é necessária, aumento de responsabilidade e participação por parte das pessoas para que estes movimentos não enveredem pelos mesmos caminhos dos do século passado, que acabaram degenerados e distorcidos ao ponto de apenas servirem os interesses de uma minoria, nunca corrigindo os defeitos crónicos da sociedade.
O povo português terá de enfrentar e desconstruir os seus medos com vista à construção de uma sociedade mais humana e justa. Se não o fizer, ficará fechado num ciclo vicioso em que o medo gera mais medo, aceitando as soluções impostas que foram, à partida desenhadas para não resolverem os problemas fundamentais.

A sétima e última parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio.html


Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/
Um excerto desta parte foi comentado em:  http://movv.org/2012/07/19/pedro-cipriano-a-sociedade-atual-e-modelada-pelo-medo/

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