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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O plano de Aleksandr - parte 2/2


Aleksandr esperava que pelo menos Estaline tivesse considerado o seu plano. Não dera muito pormenores, nem podia ser de outra forma. Quanto menos pessoas soubessem o que ele tinha em mente, maior a probabilidade de resultar. Essa escolha tinha um risco, pois o Sexto Exército Alemão podia tentar romper o cerco pelo lado de dentro. Se um corredor fosse aberto, eles poderiam receber munições e comida sem limitações. Nesse caso, Estaline estava certo em não querer mudar o Segundo Exército de Guardas, e ele seria executado por incompetência. Aleksandr contava com um Sexto Exército Alemão demasiado fraco para o fazer.
Estaline telefonou-lhe várias vezes durante a noite, para pedir esclarecimentos. A pouco e pouco, Aleksandr conseguiu explicar-lhe claramente o seu plano e quais as vantagens. Felizmente, parecia que em Moscovo estavam a considerar o seu plano. Pela manhã, Estaline telefonou-lhe novamente, autorizando a transferência do Segundo Exército de Guardas.
Aleksandr não perdeu tempo. Mandou chamar Nikita e todos os membros da equipa. A maioria não demorou muito. Nikita foi o último a aparecer.
Assim que todos estavam presentes, fechou a porta e em poucas palavras explicou-lhes o seu plano.
― Eu não concordo com o plano. É demasiado arriscado! ― opôs-se Nikita com um ar grave.
Os restantes mantiveram-se calados, observando com atenção.
― Não nego que seja arriscado, mas é o melhor que podemos fazer dadas as circunstâncias. ― respondeu-lhe Aleksandr, arrependendo-se imediatamente da escolha de palavras infeliz.
― Podemos simplesmente não fazer nada, que de momento parece o mais seguro. ― constatou Nikita.
― E se os alemães conseguirem romper o cerco? ― atiçou Aleksandr.
― Não estou a ver isso acontecer. Antes de vir para aqui consegui informar-me. O General Yeremenko colocou dois exércitos muito competentes a barrar o caminho dos alemães. ― ripostou Nikita.
― E se o Sexto Exército Alemão decidir ajudar a romper o cerco? Os exércitos de Yeremenko serão apanhados pelas costas e poder-se-ão ver cercados. ― clarificou, tentando mostrar o seu ponto de vista.
― Isso só prova que eu tenho razão. Tirar o Segundo Exército de Guardas é uma má decisão. Devemos acabar com os alemães que estão cercados o mais rápido que for possível, é a única maneira de evitar que sejam resgatados. ― insistiu Nikita, pressentindo que ganhara o argumento.
Aleksandr ficou em silêncio. Não podia desistir agora, senão o seu plano não seria executado. Não podia também fazer de Nikita um inimigo, por isso a única hipótese que tinha era convencê-lo agora.
― Têm de concordar que o que proponho irá destruir vários exércitos dos aliados alemães.
― Concordo, mas de momento isso não nos serve de nada. Podemos destruí-los mais tarde, os alemães é que são o perigo real, e é neles que nos devemos concentrar. ― refutou Nikita, apontando para o mapa.
― Mas se for feito rapidamente irá ameaçar os flancos dos alemães. ― teimou Aleksandr, desenhando com a mão as possíveis trajectórias ofensivas.
― Eu acho que é longe demais para surtir algum efeito. ― rebateu Nikita, apontando as duas localizações no mapa.
― É essa a ideia! Quanto mais longe, maior a probabilidade dos alemães não conseguirem reagir.
― É um plano demasiado ambicioso, não irá resultar!
Aleksandr não conseguia acreditar. Nikita estava sem argumentos; se jogasse o seu trunfo naquele momento, poderia convencê-lo.
― Se atacarmos aí, para além do movimento de pinça em direcção à contra-ofensiva alemã, iremos capturar as pistas de descolagem alemãs responsáveis pelo abastecimento das tropas cercadas.
― Isso era bom. Mas quais as garantias de que iremos conseguir executar esse plano sem que os alemães reajam? Quero dizer, não passaram muitas semanas desde que utilizamos exactamente a mesma estratégia, de certeza que eles desta vez estão preparados. ― comentou Nikita com cepticismo.
― Os alemães concentraram todas as forças na contra-ofensiva e não têm muito mais reservas nesta frente. Agora é o momento, quando eles têm todas as forças empenhadas nesse local. Assim sabemos onde é que eles estão, e sabemos onde é que não podem ir.― avançou Aleksandr.
― Mas dificilmente isto irá cercar os exércitos alemães envolvidos na ofensiva. Mesmo se bem executado, os alemães terão mais que tempo para recuar.
― Exacto. Nós queremos exactamente isso mesmo. Obrigá-los a cancelar a ofensiva. Nada melhor do que ameaçar cercá-los, como eu tenho vindo a defender. ― concluiu Aleksandr.
― Em traços gerais, tu propões que se bloqueie a ofensiva alemã e se lance outra ofensiva para os obrigar a desistir dessa? ― resumiu Nikita com um ar sério.
― É o melhor curso de acção. Se for executado rapidamente, têm boas chances de sucesso. ― confirmou Aleksandr.
― Convenceste-me, eu concordo com o teu plano. O que é que Estaline disse acerca disto?
Aleksandr sorriu, podia ter começado a reunião por anunciar isso. Todo aquele exercício só servira para ter a certeza que o seu plano não tinha falhas.
― Estaline concordou com o plano. O Segundo Exército de Guardas deve chegar dentro de alguns dias.




Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O plano de Aleksandr - parte 1/2


Aleksandr ficara em pânico pois não esperava o contra-ataque alemão tão cedo. Recebera a comunicação no dia anterior através do rádio. Aparentemente, a ofensiva era liderada por alguns tanques contra os quais nenhuma arma parecia ter efeito. Numerosas divisões suportavam os flancos, e a artilharia e a força aérea agiam em coordenação. A ofensiva alemã progredira rapidamente e sem que as divisões no terreno a pudessem parar. Se fossem bem-sucedidos, os alemães iriam quebrar o cerco num espaço de dias. Todo o esforço dos últimos meses teria sido em vão. Os alemães não podiam vencer desta vez. Algo teria de ser feito.
Khrushchev sugeriu que telefonasse imediatamente a Estaline. Aleksandr sabia o que tinha de ser feito, mas não quis revelar imediatamente o plano. Era mais fácil se o desse a entender implicitamente a Estaline. Ele iria tratar a ideia como se tivesse sido sua e isso seria uma garantia de aprovação.
Nikita Khrushchev era o intermediário entre o partido e os militares. Uma forma fácil de ter acesso a Estaline, mas também uma maneira de supervisionar os militares. Era um homem volumoso, de quase cinquenta anos e com uma cara de gente da província. Tinha olhos castanhos e uma verruga na bochecha. Era um homem impulsivo e mostrava-se decidido a ganhar a guerra a qualquer custo. Aleksandr conseguia ver nele uma ambição imensa.
Apesar do poder de Nikita, todos os passos importantes tinham de inevitavelmente passar pelo próprio Estaline. Infelizmente não conseguira ligação e ficara sem saber o que fazer. Aleksandr estava num dilema: fazer algo sem autorização podia colocá-lo em problemas; por outro lado, não fazer nada e esperar pela autorização podia dar ao inimigo tempo de quebrar o cerco.
Depois de reflectir por um pouco, concluiu que nenhum dos exércitos que comandava podia ser desviado da sua tarefa. Só havia um exército capaz daquilo a que se propunha: o Segundo Exército de Guardas. Esse exército podia salvar a situação, infelizmente não estava sobre o seu controlo.
Tinha de arriscar. Telefonou ao comandante da frente do Don, o general Rokossovky, e pediu-lhe para transferir o comando do exército de Malinovsky. Rokossovsky protestou vigorosamente e Aleksandr ficou sem saber o que fazer.
Pensou como se sentira há cinco meses atrás, quando Estaline o mandara redigir a ordem 227. Nessa altura, todos estavam desesperados. Agora, com o cerco dum dos mais poderosos exércitos alemães, a esperança na vitória começava a regressar. Claro que nenhum deles expressara essas dúvidas. Atitudes derrotistas não eram toleradas. Aleksandr sentiu que estava a viver um momento histórico, a possibilidade de vencer a guerra começava a desenhar-se. No entanto, se perdessem aquela oportunidade, poderia não haver uma segunda.
Decidiu telefonar novamente a Estaline ao fim da tarde. Desta vez conseguiu fazê-lo. Para grande desilusão, Aleksandr estava demasiado nervoso para conduzir a conversa pelo caminho que havia previamente traçado. Ao invés disso, despejou atabalhoadamente o seu plano de usar o Segundo Exército de Guardas para pôr fim à ofensiva alemã, pedindo autorização para concretizá-lo imediatamente. Foi o pior que podia ter feito. Estaline sentiu-se pressionado a tomar uma decisão, deixando-o furioso, o que fez com que não desse nenhuma resposta.
Nessa noite, Aleksandr não conseguiu dormir. Estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe, era impossível descansar ate esta situação ficar resolvida. Ele compreendia a relutância de Estaline. Esse exército seria usado para desferir o golpe final no sexto exército. Era uma decisão difícil, no entanto impediria os alemães de quebrar o cerco, passando a ser os mesmos a lutar contra o tempo e não os russos. O Inverno era a palavra-chave, pois cada dia que passasse, seria mais um dia em que o frio faria vítimas entre os alemães.
Andou nervosamente para trás e para diante na sala. Fez questão de ser informado imediatamente de todo e qualquer desenvolvimento em relação à ofensiva alemã. Assim que Andrey Yeryomenko soubera do ataque, ordenara o Quarto Grupo Mecanizado e o Décimo Terceiro Blindado bloquear o avanço alemão. Os alemães pareciam já ter conseguido atravessar o rio Aksay, o que significava um avanço de cerca de cinquenta quilómetros em menos de um dia.
O cansaço começava a apoderar-se dele à medida que a noite avançava. Uma noite tranquila era algo a que não se podia dar ao luxo de ter, por isso encontrava-se quase sempre exausto. Conjurava sem cessar as várias possibilidades na sua cabeça. A sua solução continuava a parecer a melhor em qualquer dos casos. Porém, o factor risco era elevado, sendo a única desvantagem.



Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O dilema de Winrich - parte 2/2


Aquando da sua chegada, em que esperava ser bem recebido, devido às inúmeras condecorações recebidas em África, ao invés disso o chefe de informação tinha-o levado até ao mapa, com uma expressão séria. Lembrava-se perfeitamente das palavras do Tenente Coronel Niemeyer : “Meu amigo, vem e vê o mapa do estado da situação. Olha para as marcas vermelhas. Os russos estão a concentrar-se a Norte aqui e a Sul aqui” dissera-lhe com um ar preocupado. Baseado nessas informações, Paulus esperara por ataques fortes, com tanques e artilharia, todavia nada que considerasse fatal. No fim, acabara por passar o seu relatório aos superiores e esperar que alguém corrigisse o problema, por esse se localizar fora da sua esfera de influencia. Rommel teria agido, mesmo quebrando as regras, pensou. Devido à burocracia alemã, o relatório não fez qualquer diferença e tudo ficara na mesma. Desde então, ficara sempre em alerta em relação a esses sectores, contudo passara um mês e nada acontecera, nem mesmo no temido aniversario da revolução.
Problemas devido a informações deficientes, incompletas, contraditórias ou erradas eram comuns. Por exemplo, um mês antes houvera alguns momentos de pânico, quando se temera um ataque russo na frente central, devido ao aparecimento de numerosas novas divisões, contudo isso não acontecera, acabando essas divisões por desaparecerem pouco tempo depois.
A saga dos romenos já era longa, prolongando-se desde Outubro, quando reportaram pela primeira vez a formação de grandes concentrações de tropas. O comandante arguira que só poderia defender eficazmente esta secção se controlassem toda a margem Oeste, com o objectivo de usar o rio como uma poderosa barreira anti-tanque. Apesar do Grupo B ter aceite o seu argumento, não lhe disponibilizou a ajuda necessária, replicando que todas as tropas eram necessárias na cidade, cuja captura se considerava eminente. Apesar dos seus repetidos avisos, o pedido de ajuda nunca foi convenientemente respondido.
Os romenos ficavam cada vez mais ansiosos à medida que a situação se prolongava. Cada divisão tinha de guardar cerca de doze milhas, o que fazia com que as linhas defensivas fossem muito finas. Além disso, tinham poucas munições para a artilharia, porque as prioridade de abastecimento fora dada ao Sexto Exército.
No dia sete de Novembro o Terceiro Exército Romeno tinha alertado que esperava uma ofensiva blindada no dia seguinte. Nada aconteceu, contudo os romenos continuaram à espera que o ataque se desse nas vinte e quanto horas seguintes e assim sucessivamente. O vigésimo quinto aniversário da Revolução passou sem nenhum evento importante, de modo que os oficiais do Sexto Exército passaram a não dar importância aos avisos romenos.
Um Corpo de Exército composto por três divisões blindadas tinha sido enviada para ajudar os romenos. Apesar de teoricamente parecer forte, na prática não o era: a Décima Quarta Divisão Blindada sofrera muitas baixas e uma grave perda de material durante os combates pela cidade, falta essa que ainda não fora reposta; a Primeira Divisão Blindada Romena não tinha sequer tanques capazes de fazer frente aos T-34 russos; finalmente, a vigésima Segunda Divisão Blindada não tinha muito combustível e devido ao longo período de inactividade os tanques não estavam completamente operacionais. Na prática, meia dúzia de tanques e armas anti-tanque passeavam de sector em sector de modo a manter os romenos calmos. Todos sabiam que era meramente para levantar a moral aos romenos, já que, caso houvesse alguma ofensiva em grande escala, essa ajuda não faria qualquer diferença.
Winrich questionava-se se haveria um perigo real, tentando avaliar quais os estragos que uma ofensiva russa poderia causar nestas circunstancias. Ao certo não sabia, porque tudo dependia da reacção alemã. A Sul fora descoberto que os russos estavam a preparar posições fortemente defensivas, de modo que não acreditava que atacassem por esse lado. Talvez eles quisessem apenas tentar cercar os Exércitos Romenos, abrindo uma brecha nos flancos, desviando forças alemães do combate por Estalinegrado, o que por si já era um plano ambicioso, sob o ponto de vista de Behr.
Altifalantes com propaganda tinham tocado nos dias anteriores, com o volume ao máximo e sem pausas, talvez com o objectivo de disfarçar as preparações soviéticas. Contudo, os dias passaram sem que houvesse qualquer alteração nem sinal do inicio de uma ofensiva.
No fim o que determinou a sua inactividade não foi nenhuma consideração estratégica, foi o facto de não ter vontade de acordar o general Arthur Schmidt, o chefe de pessoal de Paulus. Ele ficaria extremamente furioso se fosse acordado por outro falso alarme. Por vezes parecia que era o próprio Schmidt quem comandava o Sexto Exército, já que Paulus era fortemente influenciado por ele, bastava que Arthur dissesse algo que Paulus imediatamente considerasse a informação como verdadeira ou argumento como válido. Havia ainda, entre ambos, um tratamento demasiado informal, algo impensável em Rommel. Por isso, somando os prós e os contras, decidiu não o acordar, ficando-se pela anotação no caderno.
Ficou a olhar pela janela, observando a neve que caia. Não se podia ver absolutamente nada, se os russos atacassem não poderiam usar nem artilharia, nem suporte aéreo. Logo, por piores que fossem as circunstancias, estariam a lutar com as mesmas condições dos romenos. Para alem, disso acreditava que tanto os russos como os alemães estavam virtualmente esgotados. A luta pela cidade causara tantas baixas de cada um dos lados que todos os Generais deveriam estar com as mãos atadas em relação à falta de pessoal. Nenhuma ofensiva poderia ter um impacto elevado nestas condições.
Ainda tecia essas considerações quando o telefone tocou novamente. Olhou para o relógio antes de ateder, passava pouco das cinco e meia.
― Daqui Major Behr. ― respondeu
― Daqui novamente tenente Stöck. Temos aqui uma situação grave, houve um toque de trompete que assinalou o inicio de um bombardeamento massivo.― Comunicou do outro lado.
― Que mais é que me pode dizer? ― inquiriu Behr, preocupado.
― Não tenho mais informações. ― responderam-lhe do outro lado.
― E os romenos? ― perguntou Behr, cada vez mais preocupado.
― Eu tenho a impressão que os romenos não conseguirão resistir, mas eu vou manter-lo informado. ― afirmou Stöck.
― Entendido! ― respondeu Behr e desligou.
Pelos vistos os romenos sempre estavam a falar a sério, pensou Winrich. As suas armas anti-tanque Pak37 não eram eficientes contra os tanques russos, nem tão pouco os seus tanques ligeiros checoslovacos, por isso já cometi um erro, deveria ter acordado Schmidt logo após o primeiro telefonema, logo é melhor que o faça já, concluiu.
Behr não tinha sequer uma pequena noção das implicações que esta contra-ofensiva teria no decurso da guerra.


Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O dilema de Winrich - parte 1/2



A ultima vez que Winrich tinha olhado para o relógio faltavam poucos minutos para as cinco da manhã. Na verdade eram quase sete da manhã, contudo Hitler insistira para que as tropas na Rússia operassem no horário alemão. Estava nevoeiro e tinha recentemente começado a nevar. Devido às condições meteorológicas adversas dessa quinta-feira, era impossível ver mais que alguns metros de distância a partir da janela.

Este deserto gelado não era muito diferente do deserto africano onde passara os últimos meses, concluiu, eram ambos compostos maioritariamente por vastas regiões vazias, onde não havia nem água, nem árvores, nem povoações e muito menos pessoas. Eram as condições ideias para conduzir uma ofensiva blindada, dissertou com um ar sonhador.

Ele estava sentado numa das salas reservada ao serviço de informação. O posto de comando do Sexto Exército ficava ali mesmo ao lado, no mesmo edifício. Estavam instalados numa aldeia cossaca, chamada Golubinsky, localizada na margem Oeste do rio Don, à cerca de cinquenta quilómetros da cidade.

Winrich Behr era alto e magro. Tinha vinte e quatro anos e detinha o posto de Major. Nascera em Berlim, também filho de um militar. Tinha sido transferido para a equipa operacional de Paulus no inicio de Outubro, como oficial do serviço de informação.

Antes disso tinha servido no Norte de África, onde ganhara a Cruz de Ferro de primeira categoria, que agora usava orgulhosamente ao pescoço. Era conhecido pelo seu sempre presente sentido de humor. Tinha uma face longa, com uma grande testa, com um tufo de cabelo preto no topo. Os olhos castanhos escuros transmitiam vivacidade.

As coisas era geridas aqui de maneira muito diferente da Afrika Korps. Para começar Rommel e Paulus eram muito diferentes um do outro. Paulus era um general competente, ninguém lhe podia retirar isso, contudo tinha um respeito quase sacramental das regras, o que o tornava as suas acções um tanto previsíveis. Rommel, pelo contrário, gostava de torcer e, por vezes, até quebrar as regras, não se importando muito com a hierarquia. Paulus era conhecido por jogar pelo seguro, pensando calmamente nas vantagens e riscos, enquanto Rommel estava preparado para arriscar tudo em operações ousadas, em que a brutalidade e violência eram as palavras de ordem. Por vezes parecia-lhe que Rommel tinha mais a personalidade de general do que Paulus, que ainda mostrava esporadicamente comportamentos de oficial. Se lhe pedissem para descrever numa palavra cada um dos homens, Rommel seria um artista enquanto Paulus seria um cientista. Ambas as personalidades tinham as suas vantagens e desvantagens, concluiu, e sem dúvida ambos dariam o seu melhor pela Alemanha.

A morte súbita e inesperada do general von Riechenau fora uma tragédia, que acabara por levar à promoção de Paulus, tornado-o comandante do Sexto Exército.

Ouviu o relógio assinalar as cinco da manhã.

A campanha bem sucedida em África nunca teria sido possível caso Paulus fosse o comandante, contudo, nem mesmo Rommel a conseguira levar a bom termo, apesar de ter ficado bem perto. As batalhas vitoriosas que travara, muitas vezes em inferioridade numérica e, quase sempre, com falta de abastecimento, ficariam sem dúvida na história. O único espinho na sua carreira era El Almein, onde o seu avanço fora travado. Novidades de uma nova batalha nesse local andavam na boca de todos. A verdade era dolorosa e ninguém queria acreditar que Rommel tivesse sido novamente derrotado.

Winrich ouviu o telefone tocar. Os seus pensamentos desfizeram-se imediatamente no éter, enquanto se apressava a atende-lo.

― Daqui Tenente Stöck. ― comunicaram do outro lado.

― Daqui Major Behr, estou a receber, qual é a situação?

Winrich abriu o livro onde deveria registar todas as comunicações, pegou num lápis, registou a hora e preparou-se para escrever.

O telefonema vinha da parte do vencedor da medalha de ouro nos jogos Olímpicos de 1936, em Berlim. Gerhard Stöck contara que, depois quatro lançamentos fracos, estava em quinto lugar. Contudo, nesse momento Hitler chegara ao estádio e a multidão aplaudira-o efusivamente. Isso motivou-o de tal modo que conseguiu fazer um lançamento de quase setenta e dois metros, ultrapassando o segundo lugar por mais de um metro, garantindo assim a medalha de ouro.

A prática do envio de oficiais de ligação fora proibida por Hitler contudo, os outros oficiais conseguiram convencer o General Schmidt das vantagens deste pequeno desrespeito das regras. Deste modo, Gerhard fora enviado com um rádio sem fios ao Quarto Corpo de Exército Romeno, estacionado na região a Noroeste da cidade, melhorando significativamente a comunicação entre as duas unidades.

― De acordo com a confissão de um oficial russo, capturado na área da Primeira Divisão de Cavalaria Romena, é esperado um ataque hoje as cinco da manhã.

― Já passa das cinco, há algum sinal duma ofensiva? ― respondeu Winrich, confirmando mais uma vez as horas.

― Ainda nada, tudo calmo. ― respondeu-lhe.

― Parece-me que é outro falso alarme dos romenos. Mas, ficou aqui registado.― concluiu Winrich, pensando tratar-se de outro falso alarme.

― Entendido. ― confirmou e de seguida desligou.

Winrich não sabia o que deveria fazer ou se realmente teria de fazer algo, por isso permaneceu no seu lugar, reflectindo sobre a informação recebida.



Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Nem mais um passo atrás! - parte 3/3


O início está presente em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/08/nem-mais-um-passo-atras-primeira-parte.html

A segunda parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/08/nem-mais-um-passo-atras-segunda-parte.html

Os relatórios das preparações alemãs continuaram a chegar mas, como ditador autoritário, não pudera crer que a situação pudesse ficar fora do seu controlo. Quando finalmente se convenceu que a invasão era iminente, dera as ordens para ficarem em alerta máximo contra uma ofensiva. Muitos dos oficiais da marinha e do exército simplesmente ignoraram-nas, por não acreditarem nessa possibilidade. Para a maioria das unidades, a ordem não chegou sequer a tempo.
Quando as notícias catastróficas da invasão chegaram aos seus ouvidos, ele simplesmente se deixara afundar na cadeira, ficando calado. Se o avanço alemão se tivesse mantido com a mesma velocidade, teria chegado a Moscovo em poucas semanas, como fizera em França. As suas assumpções erradas e maus cálculos tinham-no levado àquele ponto, e o pior era que, em grande parte, a culpa fora sua. Durante as primeiras horas, face aos relatórios desastrosos da frente, até considerara a hipótese duma tentativa de acordo de paz com a Alemanha, concedendo os territórios dos países de Leste.
A Rússia perdera quantidades gigantescas de homens e material nos primeiros dias da guerra. Naquele momento, mais de um ano depois, estava em risco não só o plano, como também a sobrevivência da própria nação.
Ioseb soubera exactamente quais as forças dos alemães e quais as suas, previra uma vitória fácil, mas não havia sido esse o resultado. O factor surpresa, aliado a tácticas militares mais avançadas, fora decisivo. Definitivamente, tinha sobrestimado a sua força militar e subestimado a do inimigo. Tinha ignorado os sinais antes da invasão, pensando não passarem de um jogo político de Hitler para ganhar mais alguns territórios.
Ioseb ainda não se convencera totalmente que a sua interferência política no exército, durante os anos 30, pudesse ter sido o ponto de partida para esta situação, apesar de saber que algumas pessoas fossem secretamente dessa opinião.
A culpa era, sem dúvida, do exército, que não cumprira o seu propósito. Tinha enviado divisão atrás de divisão contra os alemães no ano anterior, tudo sem qualquer resultado aparente, nada tinha sido capaz de pará-los. Corriam informações controversas de que alguns russos não só se haviam rendido, como haviam escolhido lutar ao lado dos alemães. Era verdadeiramente ultrajante alguém trair assim a Terra-Mãe.
O problema da disciplina era o único que poderia resolver naquele momento, esperando que isso fosse suficiente para virar o rumo dos acontecimentos.
― Faltam-nos ordem e disciplina nas companhias, nos regimentos e nas divisões, nas unidades blindadas e nos esquadrões da Força Aérea. Esta é a nossa maior falha. Temos que introduzir a mais precisa e forte disciplina no nosso exército, se queremos salvar a situação e defender a Terra-Mãe. Não podemos mais tolerar comandantes, comissários e oficiais políticos cujas unidades deixam a defesa relaxar. Não podemos mais tolerar o facto de que comandantes, comissários e oficiais políticos deixem os cobardes mandarem no campo de batalha, que os vendilhões de pânico levem outros soldados na sua fuga e deixem o caminho aberto para os inimigos. A partir de agora, vendilhões de pânico e cobardes deverão ser mortos no local.
Ioseb iria basear-se no que os alemães haviam feito para aumentar a disciplina na Wehrmacht. Bastava copiar a solução deles e aplicá-la no exército russo. Deveriam remover as insígnias a cada um desses militares e enviá-los para batalhões penais. A ideia da redenção através do sangue agradava-lhe bastante. Se resultara com a Alemanha, porque não haveria de resultar na União Soviética?
― A partir de agora, a disciplina será aplicada rigorosamente a cada oficial, soldado e oficial político. A partir de agora, nem um passo atrás sem ordem superior. Os comandantes de companhias, batalhões, regimentos e divisões, assim como os comissários e os oficiais políticos das patentes correspondentes, que recuarem sem ordens superiores, serão denominados traidores à Terra-Mãe. Serão tratados como traidores da Terra Mãe. Isto é um chamado da nossa Terra-Mãe. Cumprir esta ordem significa defender a nossa nação, salvar a nossa Terra-Mãe, ultrapassar e destruir o nosso odiado inimigo.
Esses batalhões penais seriam colocados nas secções mais perigosas da frente. Lavariam as suas faltas com o seu sangue. Iria guardar esses batalhões com outros batalhões mais leais e mais bem armados, que disparariam contra quem tentasse fugir. Não iria deixar que os alemães atravessassem o rio Volga, era altura de mudar o rumo aos acontecimentos.
Terminou as alterações ao discurso, especialmente nos detalhes em relação às medidas a aplicar. Devolveu os papéis a Aleksandr que voltou a deixar a sala.
Duas horas mais tarde, Aleksandr voltou com o documento corrigido e dactilografado. Ioseb Stalin assinou então o documento que ficou oficialmente conhecido como ordem número 227; porém, para o comum dos soldados, a ordem ficara conhecida como “Nem mais um passo atrás!”, uma ordem que seria apreciada por poucos e temida por muitos.


FIM

Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Nem mais um passo atrás! - parte 2/3


A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/08/nem-mais-um-passo-atras-primeira-parte.html

― Cada comandante, soldado e comissário tem que entender que os nossos recursos não são infinitos. O território da União Soviética não é uma vastidão selvagem, pois está povoado por pessoas: trabalhadores, aldeões, intelectuais, os nossos pais e nossas mães, esposas, irmãos e crianças. O território da Rússia capturado pelo inimigo é pão e outros recursos para o exército e cidadãos, ferro e combustível para as indústrias, fábricas que fornecem os militares com equipamento e munições; e também caminhos-de-ferro. Já não temos superioridade sobre o inimigo em recursos e abastecimento de pão. Prosseguir com a retirada significa destruirmos-nos a nós mesmos e à nossa Terra-Mãe. Cada novo pedaço de território que deixamos ao inimigo deixa-os mais fortes e, a nós, às nossas defesas e à nossa Terra-Mãe, mais fracos.
Emocionou-se ligeiramente. O seu próprio filho havia sido capturado pelos Nazis no ano anterior. Não que se sentisse realmente ligado ao seu filho Yakov, somente porque ele era o último traço da única mulher que Ioseb alguma vez amara.
Pensou como sentia a falta de Ekaterina. Perguntava-se sobre o porquê duma morte tão prematura. Após o casamento, haviam tido somente quatro anos juntos, antes de ela morrer de tifo. Os momentos que partilharam foram tão felizes como efémeros. Ioseb não conseguia ficar indiferente àquelas memórias.
Infelizmente, o filho que ela deixara no mundo não era um exemplo para ninguém. Era absolutamente humilhante relembrar o dia em que se tentara suicidar devido a um desentendimento com um rabo de saias. Nem tão pouco conseguira apontar correctamente a pistola, de modo que falhara. Pior que esse episódio era o facto de se ter deixado capturar vivo pelos alemães.
Não podia deixar-se amolecer com aqueles sentimentos nostálgicos. Também ele estivera preso em campos de concentração por três vezes, sendo libertado somente numa delas; nas outras duas, conseguira escapar pelos seus próprios meios. Yakov era um inútil, concluiu, e um traidor por se deixar capturar tão facilmente pelos Nazis. Deveria ter lutado até a morte como qualquer soldado russo que amasse a Terra-Mãe. Envergonhava-o o facto de ter um filho assim. Como pai, não fora fácil, no entanto, já há meses que tinha tomado a decisão de rejeitar todas as propostas de troca por outros prisioneiros. Não iria ter um tratamento preferencial só por ser seu filho.
Ioseb voltou ao discurso, já tinha um lema na cabeça para dar vida a esta ordem. Sabia que não seria a primeira pessoa a usar essas palavras, no entanto, cabia-lhe usá-las novamente para inspirar o povo russo, como outros líderes já haviam feito com os seus povos. Acrescentou as duas linhas no texto, lançando um slogan:
― A conclusão é que é a altura para parar de fugir. Nem mais um passo atrás! Este será o nosso lema daqui em diante.
Ele sabia que teria de aproveitar o lema que acabara de introduzir e, por isso, modificou o texto que vinha no parágrafo seguinte.
― Temos de proteger cada fortaleza, teimosamente cada metro de solo Soviético, até à última gota de sangue; agarrar cada peça do nosso solo e defendê-lo enquanto for possível. A nossa Terra-Mãe irá passar tempos difíceis. Temos que os parar e, depois, mandá-los de volta e destruir o inimigo a qualquer custo. Os alemães não são tão fortes como os vendilhões de pânico dizem. Eles estão a esticar a sua força ao limite. Aguentar o seu golpe agora significa assegurar a vitória no futuro.
Ioseb ainda se lembrava do plano original para submeter completamente a Europa: apoiar diplomaticamente os alemães, encorajando-os para uma guerra. Os banqueiros ingleses e americanos estavam a agir do mesmo modo, apoiando a Alemanha economicamente. A Rússia fizera o melhor que podia ter fazer naquele ponto: manter-se neutra. Eventualmente, quando reunissem as condições necessárias, os Nazis iriam querer vingar-se da derrota que haviam sofrido na guerra anterior, atacando a França, Polónia e talvez o Reino Unido.
O plano era deixar os europeus lutarem entre si até estarem completamente esgotados e, no fim, atacaria a Alemanha e ocuparia esses países. A Rússia seria vista como arauto da paz e a salvadora da tirania Nazi e, provavelmente, poderia ocupar efectivamente esses países ou, pelo menos, torná-los estados semi-dependentes. Era a maneira mais fácil de expandir a esfera de influência da União Soviética e espalhar os ideias do comunismo, que eram, sem dúvida, melhores que o paradigma do capitalismo.
Claramente tinha subestimado a intuição de Hitler pois, de algum modo, ele tinha previsto o seu plano e antecipado uma resposta, atacando a União Soviética duma forma inesperada.
Os alemães não haviam feito muito esforço para esconder as preparações para o ataque, o que lhe fez crer que era apenas mais uma jogada política para conseguir a cedência de alguns territórios nos países de leste. O voo de Rudolf Hess para o Reino Unido só fazia com que a suspeita duma conspiração Germano-Britânica contra a Rússia ganhasse força na sua cabeça. O facto do embaixador alemão em Moscovo ter revelado os planos de Hitler uns dias antes só fez com que a situação parecesse cada vez mais uma conspiração. Chegou ao ponto de ele ter explodido de raiva, declarando que a desinformação chegara ao nível dos embaixadores. Até ao último momento, não considerara a hipótese duma invasão alemã, e ficara com receio de provocar a Alemanha, porque sabia que ainda era muito cedo para a Rússia a desafiar.
 
A terceira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/08/nem-mais-um-passo-atras-terceira-e.html

Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Nem mais um passo atrás! - parte 1/3


O dia tinha começado para Ioseb quando Aleksandr iniciou a leitura do seu relatório sobre a queda de Rostov. Ioseb sabia que a situação era crítica, pois o país corria um sério risco de ser cortado em dois e, se isso acontecesse, não poderiam receber mais ajuda inglesa nem americana.
Tinha bebido demasiado vinho na noite anterior mas, ao contrário do que muitos pensavam, o vinho aclarava-lhe as ideias ao invés das turvar. Era certamente um vício, mas sabia que conseguia controlá-lo na perfeição. Ioseb deu por si a olhar para o cabelo de Aleksandr enquanto ele expunha a situação, tentando perceber o porquê de usá-lo penteado para a esquerda, de uma maneira que considerava verdadeiramente ridícula.
― Espera lá! Repete o que disseste. ― ordenou Ioseb, subitamente alerta.
Aleksandr repetiu enquanto Ioseb se esforçava por se concentrar, andando para a frente e para trás na sala. Ao ouvir novamente, confirmou as suspeitas fundamentadas nos fragmentos que captara da primeira leitura.
― Esqueceram-se da minha ordem para as forças armadas! ― exaltou-se subitamente, interrompendo a leitura Referia-se à ordem que dera em Agosto passado, que definia o modo de lidar com desertores.
Aleksandr ficou estático, esperando que Ioseb continuasse.
― Esqueceram-na! ― repetiu, como se quisesse convencer-se a si mesmo.
A cabeça de Aleksandr fervilhava, tentando encontrar uma boa desculpa. Não fazia parte dos seus planos ser executado por traição.
― Escreve outra nos mesmos moldes! ― ordenou, virando-se para Aleksandr.
― Para quando quer que esteja pronta? ― perguntou Aleksandr, aliviado pela súbita mudança de atitude.
― Hoje! Avisa-me directamente assim que esteja pronta! ― ordenou Ioseb, ainda pensativo.
Ioseb passou o resto da manhã a divagar mentalmente, imaginando como seria bom poder ver um filme de cowboys acompanhado pelos outros membros do partido. Não que muitos fossem realmente seus amigos, a maioria esperava somente um momento de fraqueza da sua parte para ficarem com o seu lugar. Olhou várias vezes pela janela, para vislumbrar as ruas da capital russa, as quais haviam escapado à águia Nazi no ano anterior, quase por milagre. Tinha esperança de conseguir deter a campanha dos alemães daquele ano, sem ceder muito território. A estratégia de esgotá-los ao ponto da ruptura não havia tido resultados positivos até ao momento. As divisões alemãs avançavam impiedosamente, sem terem grandes perdas materiais nem humanas. Para além disso, Estalinegrado, a cidade que fora renomeada em sua honra, estava perigosamente exposta. Não havia maneira de ficar indiferente aos acontecimentos.
Quando Aleksandr voltou, já à tarde, com um rascunho da ordem, Ioseb não perdeu tempo. Pegou na folha de papel dactilografada e começou a lê-la em voz alta, como se fosse ele mesmo a dar o discurso pessoalmente a todo o Exército Vermelho. Ajudava-o a perceber os defeitos do texto.
― O inimigo usa cada vez mais e mais recursos na frente de batalha e, não prestando atenção às perdas, movimenta-se, penetra mais fundo na União Soviética, captura novas áreas, devasta e saqueia as nossas cidades e aldeias, viola, mata e rouba o povo soviético. Algumas unidades na frente Sul, seguindo as sugestões dos vendilhões de pânico, abandonaram Rostov e Novocherkassk sem uma resistência séria, nem qualquer ordem de Moscovo, cobrindo, assim, de vergonha os seus estandartes.
Aquelas palavras iriam inflamar o patriotismo. Era um bom início, pois era necessário fundamentar a ordem. Os tempos eram demasiado difíceis e, se deixassem de obedecer às suas ordens, seria o completo desastre. Nem sempre as ordens careciam de uma explicação propriamente dita, a maioria das vezes bastava uma motivação. Invocar o patriotismo era premissa mais que suficiente para todo o tipo de exigências. Naquele momento, cada ordem fazia a diferença entre a derrota e a vitória, pois nunca a União Soviética estivera tão perto de ser derrotada, nem mesmo no Verão anterior, quando os alemães chegaram às portas de Moscovo.
― A população do nosso país, que ama e respeita o Exército Vermelho, está a ficar desapontada com ele, perdendo gradualmente a fé no mesmo. Muitos amaldiçoam o Exército por fugir para Este e deixar a população debaixo das garras dos alemães.
Isto deveria convencer, mesmo os mais pacíficos, de que a situação não se resolveria com medidas suaves, sem criticar em demasia o exército. Estava satisfeito com o resultado.
― Algumas pessoas na frente confortam-se com argumentos descuidados, afirmando que podemos continuar a fugir para Este, pois temos um território vasto com muito solo e pessoas, e que teremos sempre abundância de pão. Com tais argumentos, eles tentam justificar o seu vergonhoso comportamento na frente. Esses argumentos são totalmente falsos, errados, e só favorecem os nossos inimigos.
Fez uma pausa. Parecia-lhe adequado, deveriam mostrar a todos que os que defendiam que a situação se poderia manter daquela forma eram inimigos da nação. No entanto, esta parte do discurso não podia ser muito dura, pois tinham primeiro que ganhar a simpatia dos que ainda eram leais à nação, convencendo-os que algumas coisas teriam de ser alteradas. Só mais tarde é que iriam impor as novas regras, quando estivessem prontos a aceitá-las.
Ao ler o parágrafo seguinte, ficou desapontado. Aleksandr tinha-se limitado a citar os factos duma maneira ingénua e simplista. Não bastava revelar simplesmente a verdade, era também necessário exagerá-la um pouco, quase ao ponto duma dramatização. Fez algumas alterações ao parágrafo e voltou a lê-lo em voz alta, de modo a testar o seu efeito.

Podem encontrar a segunda parte em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/08/nem-mais-um-passo-atras-segunda-parte.html


Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O dia em que choveu fogo - parte 5/5



O início deste conto pode ser encontrado em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-primeira-parte.html

A quarta parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-quarta-parte.html

Num gesto quase mecânico, como se fosse um espectador das suas próprias acções, puxou o cordão do explosivo. Sem apreender totalmente a noção do que fizera, saltara para fora da trincheira. Correu meia dúzia de passos e estendeu-se ao comprido no chão. Esperou pela explosão.
Nada aconteceu. Percebeu que nem sequer sabia quanto tempo é que demorava depois de se puxar o cordel. Tendo em conta o estado do equipamento que lhe haviam dado, era provável que a granada nem sequer funcionasse. Outra possibilidade era de que nem sequer tivesse activado o mecanismo correctamente. No momento em que tomou consciência que os seus companheiros ainda estavam no buraco, o coração falhou-lhe uma batida. Tinha de voltar atrás e desarmar a bomba antes que ferisse alguém que não fosse suposto.
No instante em que se ia levantar, o engenho deflagrou. A luz e o som da explosão duraram apenas uma fracção de segundo. Sentiu o deslocamento violento do ar e um zumbido nos seus ouvidos. Era tarde demais. Quaisquer que fossem as consequências, não podiam mais ser evitadas.
Os outros soldados acordaram abruptamente. Durante longos momentos, houve um silêncio mortal, enquanto se escondiam nas trincheiras.
- Olhem, este aqui foi atingido – ouviu de dentro da trincheira.
Alexey pôs-se de pé e aproximou-se. Em poucos segundos, juntaram-se duas dezenas de pessoas em volta.
O braço estava desfeito, tendo os pedaços de músculo e osso sido espalhados em volta. O pescoço estava torcido num ângulo estranho e o crânio estava aberto. Parte da massa encefálica tinha sido derramada por cima da terra seca. O sangue e a poeira formavam uma pasta densa. Não havia dúvidas de que estava morto.
Ninguém levantou a hipótese de homicídio e todos culparam prontamente os alemães. Por entre os soldados, ele tremia, temendo ser apanhado a qualquer instante .
Antes de voltarem a adormecer, mudaram o corpo para dentro de uma cratera e deitaram terra sobre o sangue. Alexey apanhou vários sustos durante o processo, pois parecia-lhe que, a cada momento, o poderiam denunciar. Meia hora depois, à excepção dele e dos sentinelas, todos tinham adormecido.
Tinha acabado de matar. Ao fechar os olhos, conjurou involuntariamente a imagem do corpo desfeito. Achava que o tinha feito por necessidade, mas nem disso tinha certeza. Não era remorso que sentia, era medo de ser apanhado. A luz do dia iria revelar detalhes que tinham escapado durante a noite. O tenente não aceitaria a hipótese de acidente sem se questionar. Bastava que o interrogasse para que a verdade fosse descoberta. O terror que sentia só era comparável ao do bombardeamento. Por um momento, teve esperança de poder defender a sua posição e declarar que apenas se defendera. A ilusão durou pouco tempo, já que estava perfeitamente consciente da indiferença que existia na cadeia de comando. Culpado ou não, seria usado como exemplo para os restantes, sofrendo uma punição severa. Estremeceu violentamente ao imaginar o seu próprio fuzilamento.
Precisava de reagir, já que não queria ficar parado e esperar por aquilo que o destino lhe reservasse. Quase inconscientemente, começou a rastejar pela vala para Sul, esperando que ninguém desse conta. Suspeitando que os soldados de guarda estavam quase a dormir, atravessou por entre eles sem os alertar. Arrastou-se outras duas centenas de metros até se poder esconder por detrás de umas sebes.
Recuperou o fôlego durante um momento, apercebendo-se que tinha os cotovelos e as mãos em ferida. O véu da noite caia, dando lugar ao lusco-fusco cinzento que antecede o dia. O céu estava limpo, adivinhando outro dia quente.
Sabia que não podia esperar mais e, por isso, desatou a correr em direcção às linhas alemãs.

FIM

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O dia em que choveu fogo - parte 4/5


A primeira parte está aqui: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-primeira-parte.html
A terceira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-parte-35.html

Virou-se para o outro lado e tentou adormecer. Estava cansado, contudo, os nervos não o deixaram pregar olho durante longos minutos. Quando cedeu à fadiga, de lágrimas nos olhos, caiu num sono agitado.
Não sabendo ao certo se estava acordado ou a sonhar, viu o vulto do brigão a inclinar-se sobre ele e percebeu que ele iria agredi-lo. Tentou resistir, encolhendo-se ao sentir as mãos no seu pescoço. Agarrou os pulsos de quem o tentava sufocar, enquanto esperneava. Os braços do oponente pareciam feitos de aço e a pressão parecia a de uma máquina. Sentia-se asfixiar lentamente e todas a suas tentativas de se libertar tinham sido em vão. Então ouviu uma gargalhada maquiavélica e percebeu que era o fim. Quando acordou, estava coberto de suor.
A primeira coisa em que reparou foi que tudo estava muito mais silencioso. Aparentemente os combates haviam cessado e à excepção de algumas brasas incandescentes, a fogueira tinha-se extinguido. Todos dormiam tranquilamente.
Ao olhar para o brigão que dormia tranquilamente a seu lado, sentiu uma raiva enorme. Queria vingança, todavia não sabia como levá-la a cabo. Podia aproveitar-se do sono para o agredir, mas isso só lhe daria uma vantagem momentânea. Era inútil divagar sobre uma retaliação imaginária, pensou. O melhor a fazer seria dormir enquanto pudesse.
Ao virar-se, sentiu um alto sólido e desconfortável. Com os dedos, palpou o objecto, descobrindo que se trava de uma pedra. Desenterrou-a e pegou nela, notando que pesava à vontade meio quilo. De súbito, teve uma ideia. Podia servir-se de uma arma para ter vantagem. Um par de pedradas bem dadas certamente que o colocariam fora de combate. Precisava somente de uma pedra mais pesada, de modo a neutralizar o rufia no primeiro golpe. Foi isso que procurou nos momentos seguintes.
Assim que teve nas mãos uma pedra com uma aresta perigosa e um peso respeitável, olhou em volta. Todos estavam tranquilamente envolvidos nos seus sonos. Era muito arriscado aquilo que queria fazer. Provavelmente iria matá-lo e o seu maior receio era que alguém acordasse e testemunhasse o acto. Na manhã seguinte, iriam descobrir o corpo e ele seria inevitavelmente apanhado. Nesse momento, apercebeu-se que já não planeava simplesmente uma vingança, projectava um homicídio. Se pelo menos houvesse outra maneira de resolver as coisas, reflectiu. Pousou a pedra. Ocorreu-lhe que podia somente desertar. Era uma decisão de cobarde, mas também a mais fácil.
As opções eram simples, fugir ou enfrentar o problema. A escolha foi tomada rapidamente. Iria enfrentar o problema, todavia iria fazê-lo de outro modo. Só precisava de escolher um método eficaz.
Enquanto matutava no problema, os seus dedos percorriam a terra recentemente cavada. Por momentos, os seus pensamentos trilharam uns caminhos enquanto os seus dedos vagueavam por outros. Quando os dedos se depararam com a granada, os pensamentos convergiram com o tacto. Tinha encontrado a solução que procurava. Podia eliminar o rufia e fazer com que parecesse um acidente, era um plano perfeito.
Perscrutou mais uma vez as redondezas, procurando por elementos acordados. Tudo continuava calmo, talvez até estático demais.
Pegou na granada pelo cabo e encostou-a ao ombro do soldado, que não parecia ter-se apercebido de nada. Hesitou antes de puxar o cordão. Não haveria maneira de voltar atrás depois de o fazer. Sentiu um ligeiro tremor nas mãos, porventura derivado do nervoso miudinho que se apoderara do seu ser. Estava a um passo de matar. Não sabia se tinha direito de o fazer. A única certeza era de que, se não o fizesse, arriscava-se a ter o mesmo destino que projectara para o brigão.

A quinta e última parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-parte-55.html

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O dia em que choveu fogo - parte 3/5


O início está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-primeira-parte.html
A segunda parte pode ser encontrada aqui: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-segunda-parte.html

A maioria dos soldados mostrou-se um pouco mais confiante ao ouvir aquelas palavras desajeitadas, pois apelava ao seu ódio pelo inimigo. A moral não se manteve por muito tempo, sendo totalmente arrasada com o chegar dos abastecimentos. Em termos de comida, eram muito reduzidos, dando apenas um bocado de pão a cada um. Se haviam ficado desapontados com a alimentação, as armas deixaram-nos completamente desesperados. Havia apenas uma dúzia de pistolas e outra de espingardas. Munições vinham em duas caixas minúsculas. Para além disso, havia somente duas caixas de granadas. Nem o tenente conseguiu disfarçar a irritação que sentia.
- Não se preocupem, soldados. Deve ter havido algum engano. Eu irei pedir mais armas, munições e comida. Vamos ver se consigo arranjar uma ou duas peças de artilharia - prometeu apressadamente o jovem.
Quando o comandante foi à procura do comissário, as conversas que se seguiram provaram que ninguém havia acreditado na desculpa do engano. Alexey ouviu de tudo um pouco, desde insultos a propostas de fuga. Evitou participar, já que não queria arranjar mais sarilhos do que aqueles em que estava metido.
O pôr-do-sol revelou uma cidade em chamas. Os disparos de artilharia nunca cessaram por completo. Corriam rumores de que os alemães teriam já chegado ao rio, cercando a cidade e os seus defensores. Não chegaram mais abastecimentos e muito poucos dos soldados que tinham fugido durante o bombardeamento haviam regressado.
Parte das trincheiras foi reaberta e preparada para a noite. Enterraram os mortos num terreno adjacente e os feridos foram evacuados para a cidade. Finalmente, recolheram aos seus buracos no lusco-fusco.
Cansado e desmoralizado, escolheu um local para se deitar. Com um bocejo, pousou a seu lado a granada que lhe tinham dado e enrolou-se no seu cobertor, preparando-se para passar a noite. Ficara na extremidade da vala partilhada pelo resto do seu grupo de combate. No centro do buraco ardia uma fogueira que providenciava uma parca iluminação. Não havia comido o pedaço de pão que lhe calhara durante a tarde, pois receava não receber outro no dia seguinte.
Depois de cair a escuridão, tentou dormir, mas não conseguiu. As imagens dos aviões semeando a morte perturbavam-no fortemente. Não conhecia nenhum dos que havia falecido, aliás, procurara em vão pelos corpos dos três rufias. Não voltara a vê-los, por isso deduzira que haviam fugido.
Ouviu algo a seu lado. Um vulto acabara de entrar na trincheira. Quis dar o alarme, todavia o grito ficou-lhe preso na garganta. Era o líder dos rufias.
- Não precisas de ter medo, eu não vim para te fazer mal – prometeu com um tom e um sorriso que não inspiravam qualquer confiança.
Alexey não lhe respondeu, já que os seus piores receios se haviam tornado realidade.
- Estou a ver que ficaste mais esperto. Agora vais partilhar o teu pão comigo e ficamos todos amigos. Pode ser?
O tom de ameaça não lhe escapou. Sentiu a fúria a crescer dentro de si, estava farto de ser maltratado pelos brigões. Queria encontrar uma solução definitiva para aquele problema, mas não lhe ocorreu nada durante aquele momento que lhe foi dado para pensar. Queria lutar, mas sabia não estar à altura de o enfrentar.
- Então, miúdo? Ou me dás o teu pão ou vou ter que te partir os dentes.
- Já o comi... - mentiu Alexey, a tremer.
- Tu a mim não me enganas! Dá-me o pão, já! - exigiu, agarrando-o pelo colarinho.
- 'Tá bem! Eu já te dou.
Entre o humilhado e o agitado, retirou o pão do bolso e estendeu-lho. Como provocação, o outro rapaz decidiu comê-lo à sua frente. Alexey usou todo o seu auto-controlo para não o atacar. O rufia extorquiu-lhe também o cobertor e quis dormir ao seu lado, mesmo junto à extremidade da vala.

A continuação está aqui: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-quarta-parte.html

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O dia em que choveu fogo - parte 2/5


A primeira parte pode ser encontrada aqui: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-primeira-parte.html


Apercebendo-se de que estava a deixar-se dominar pelo pânico, abriu os olhos e forçou-se a respirar normalmente. Arriscou mais um olhar ao céu. Havia bombardeiros enormes, com um motor em cada asa. A acompanhá-los voavam unidades mais pequenas, com uma única hélice e de asas arqueadas.
Por instinto, outra explosão fê-lo encolher-se na sua toca. O ataque foi sucedido por múltiplos rebentamentos. Concluiu que estavam a arrasar as linhas defensivas da cidade, das quais fazia parte.
Passara um mês desde que fora chamado e tanto tinha mudado desde essa altura. Relembrava-se que fora um jovem cheio de convicções. Pensara que iria para a guerra para ser coberto de heroísmo e ajudar a repelir a ofensiva dos malditos Fritzes. Salvaria a cidade e o seu amor e, no fim, tudo ficaria bem. Infelizmente, a realidade era muito mais amarga do que os seus piores receios. Haviam-lhe dado somente uma pá e tivera de cavar valas durante dias a fio. De soldado não tinha nem treino, nem equipamento. Cobria-o ainda a roupa esfarrapada com que se apresentara na recruta.
O coração falhou-lhe uma batida ao pensar na sua querida Nastja. Desde que a conhecera, em Maio, que a sua vida dera uma volta enorme. Havia algo nela que o atraía e prendia, como se um véu de mistério a rodeasse. Tinham partilhado momentos fugazes e intensos. Não conseguia deixar de corar ao recordar a última noite que tinham passado juntos. Tinham feito amor naquele velho sótão de madeira abandonado, a melhor experiência da sua vida. Não queria morrer ali. Não havia olhar mais belo, nem nome mais bonito que o de Anastasia. Queria voltar para a sua amada, são e salvo. Desejava poder, mais uma vez, dormitar no seu regaço. Isso seria a sua maior felicidade.
Os pensamentos foram interrompidos pelo deflagrar de mais cargas explosivas. Encolheu-se ainda mais no buraco, como se isso pudesse aumentar as suas hipóteses de sobrevivência. Sentia-se impotente. Seria diferente se ao menos pudesse combater o inimigo cara-a-cara. Eram cobardes e dependiam das suas máquinas infernais para ganhar vantagem. De certo que não seriam tão corajosos em terra. Dava tudo para ter oportunidade de os enfrentar numa luta corpo-a-corpo.
O clamor de outra explosão fez-se ouvir tão perto que lhe deixou um zumbido nos ouvidos. Nesse instante, foi coberto com terra e detritos. Pensou que iria ficar soterrado, mas, felizmente, a quantidade não fora suficiente para tal. Ao inspirar, as suas vias respiratórias foram invadidas pela poeira que circulava no ar. Tossiu violentamente, tentando limpar a garganta. Os olhos lacrimejavam fortemente. Novas explosões fizeram-se sentir segundos depois.
Nos minutos que se seguiram, permaneceu encurvado na trincheira, coberto de terra. De súbito, tal como tinha começado, o ataque terminou. Os motores dos aviões e os rebentamentos só se ouviam à distância.
- Soldados, formar! - ouviu o seu tenente ordenar.
Alexey abriu os olhos a medo e não viu nenhuma aeronave no ar. Sacudiu a terra e ramos de tomate seco que se tinham acumulado sobre a sua cabeça, antes de se levantar e aproximar dos restantes.
Ao caminhar pelo terreno, deu-se conta das inúmeras crateras deixadas pelas bombas inimigas. Aqui e ali estavam corpos despedaçados. O cheiro a queimado infestava o ar. Evitou olhar demais, já que não queria vomitar o almoço. A bateria anti-aérea sumira e apenas um buraco com destroços espalhados em volta atestavam a sua existência. Os aviões alemães continuavam a sobrevoar o céu, fazendo-o essencialmente sobre a cidade. Sem se demorar mais, juntou-se ao grupo, permanecendo na última fila e em sentido.
- Mas que raio! Faltam aqui soldados. Tu aí, sabes contar? Conta-me os mortos e feridos. Rápido! - comandou o jovem, escolhendo um soldado da primeira fila.
Alexey olhou para a farda quase nova do seu tenente. Apesar de sujo, aquele uniforme assentava perfeitamente naquele corpo cheiinho. A barba rara denunciava a sua idade e inexperiência. Pertencer a um extracto superior da sociedade tinha a vantagem de se poder frequentar a academia militar. Todos tinham de servir a Terra-mãe, a diferença é que a maioria o fazia como soldados rasos, sem direitos nem regalias.
- Meu tenente, contei 18 feridos e 14 mortos – reportou o rapaz receoso.
- Faltam aqui mais de 50 recrutas! Se eles não estiverem de volta até ao pôr-do-sol, serão considerados desertores!
O comandante olhou para os seus soldados. Houve quem prendesse a respiração, antecipando uma punição severa.
- Nós somos uma das primeiras linhas de defesa da cidade. Os alemães estão perto e a qualquer momento poderão chegar à nossa posição. Em breve chegarão armas e rações, economizem-nas, pois não sei quando voltaremos a ter mais. Há dúvidas?
Como resposta, obteve um silêncio pesado.
- Vamos, soldados! Não vamos deixar que Estalinegrado caia! As nossas famílias moram ali - exclamou, apontando para a cidade. - Não podemos deixar que os alemães lhes ponham as mãos em cima. Eles irão violar as nossas mães e irmãs. Irão matar os nossos pais e saquear as nossas casas. Querem apoderar-se do nosso país e reduzir-nos à escravidão.

Este conto continua em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-parte-35.html

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O dia em que choveu fogo - parte 1/5


Era o quarto Domingo de Agosto quando Alexey ouviu os altifalantes anunciarem o bombardeamento. O jovem não esperou que os aviões surgissem no céu azul, onde o Sol brilhava intensamente, largando a pá e atirando-se para o fundo da trincheira. Não tinha capacete nem arma, por isso só lhe restava aninhar-se e proteger a cabeça com as mãos.
- Atenção camaradas, um ataque aéreo está eminente! - repetia, ao longe e sem cessar, a gravação.
Esperou pelos ruídos de motores e pelo rebentar de explosões, mas, do buraco cavado num campo de tomates, ouviu apenas risos.
Desde o primeiro momento que achara que estava rodeado de idiotas. Era ridículo pensar que aquele bando de maltrapilhos, que nem sequer uniforme tinha, conseguiria parar a máquina de guerra nazi. Deduziu que se riam da sua reacção. Questionava-se como seria possível gozar com tal aviso e, por isso, achou melhor ignorar, permanecendo no seu refúgio.
- Então Sacha, estás com medo?
Reconheceu a voz como pertencendo a um dos rufias do batalhão. Cerrou os punhos e, de súbito, quis esmurrar a cara de quem o insultava.
- Ser soldado não é para meninas - ouviu outra voz familiar acrescentar.
Não iria deixar que gozassem com ele daquela maneira, erguendo-se para os enfrentar. Como previra, encarou um pequeno grupo de três recrutas, que o olhavam com um olhar divertido. O mais alto era o manda-chuva do gangue. Andava sempre acompanhado por um rapaz bastante musculado e de nariz achatado, que parecia sofrer de um atraso mental. Nunca tinha visto o outro rapaz, contudo o seu porte impunha igualmente respeito. À semelhança do restante destacamento, tinham entre 16 e 18 anos de idade.
- Idiotas! Vão chatear outro! Era bem-feita que os Fritzes vos apanhassem - devolveu Alexey, desistindo de uma punição física.
- Olha o pirralho! Parece que finalmente saiu debaixo das saias da mãe... - riu-se o de maior estatura.
Tal era a confiança, que nem se apercebeu do projéctil que vinha na sua direcção. A pedra atingiu-o na testa, causando-lhe um corte pouco profundo.
Ele não esperou pela reacção dos brigões, saltando para fora da vala e desatando a correr. Ao início, conseguira uma grande vantagem, já que os apanhara desprevenidos. Ao olhar por cima do ombro, viu que o líder vinha no seu encalço e que eles eram muito mais rápidos que ele.
Com muito esforço, acelerou, numa tentativa de o fazer desistir da perseguição. Ouvia o passo de corrida atrás de si, cada vez mais perto. Não havia nenhum comandante à vista e os outros soldados iriam simplesmente ignorar a situação. Estremeceu ao perceber que iria apanhar uma sova monumental.
No momento seguinte foi atirado ao chão, caindo com a face na poeira. O rufia tinha aterrado por cima dele. Lutou para sair debaixo do rapaz, numa tentativa coroada de insucesso, já que o peso do outro era suficiente para o manter ali. Sentiu que lhe agarravam e torciam o braço, imobilizando-o por via da dor.
- Vais apanhar tantas... - prometeu o rufia com traços de fúria na voz.
Quanto tentou virar a cara para enfrentar o seu adversário, o primeiro murro atingiu-o na bochecha. Apanhou mais dois, enquanto teve uma vaga percepção de que os restantes elementos se aproximavam. Sentiu que ele saía de cima de si. Ao tentar levantar-se, um poderoso pontapé alcançou a sua barriga e Alexey colapsou na poeira. Durante um momento rebolou, respirando com dificuldade. Sentiu medo ao ver as faces dos seus oponentes, fixando por uma fracção de segundo o sangue que corria copiosamente pela face do que fora atingido. A maioria dos soldados tinha-se refugiado nas trincheiras e não haviam quem os impedisse de o espancar até à morte. Tinha de lutar, tinha de pelo menos ganhar tempo. Tentou pontapear o líder, mas este recuou um passo, colocando-se fora do alcance do golpe. Os rapazes riram-se do seu coice falhado.
O som estridente de um trompete de Jericó fez-se ouvir. Algures, ali perto, um bombardeiro alemão mergulhava em direcção à sua presa. Todos tiveram consciência de que alguém iria morrer nos próximos segundos. Num abrir e fechar de olhos, os brigões abrigaram-se também, deixando-o sozinho.
O som despertou nele o mais profundo e inexplicável dos terrores. Fechou os olhos, não queria ver o que julgava ser o seu fim. Não se conseguia sequer mexer. Tremeu como uma criança enquanto uma lágrima lhe percorria a bochecha. Não queria morrer.
O som continuou durante alguns segundos, sendo, de seguida, substituído pelo ruído do motor do avião. De imediato, uma explosão ensurdecedora fez-se ouvir. A terra estremeceu e a onda de choque atravessou-o.
Abriu os olhos. Uma nuvem de poeira envolvia a bateria anti-aérea. Olhou para o céu e viu numerosos aviões. A cruz preta com contorno branco nas asas não deixava margem para dúvidas de que se tratava de aviões alemães. Não se via nenhuma aeronave soviética e a artilharia capaz de os abater estava silenciosa. Face ao poderio germânico, sentiu-se pequenino como uma formiga. Rastejou até ao buraco mais próximo e aninhou-se no fundo. Fechou os olhos e susteve a respiração em antecipação ao perigo. O coração batia a um ritmo desenfreado.


A segunda parte pode ser encontrada em : http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-segunda-parte.html

terça-feira, 22 de maio de 2012

A queda de von Reichenau - parte 3/3

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-parte-1.html

A segunda parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-segunda-parte.html

Quando recuperou os sentidos, sentiu-se muito estranho. Não fazia a mais pequena ideia de quanto tempo estivera naquele estado, nem onde estava. Abriu os olhos e tomou consciência de que se encontrava dentro de um avião. O Dornier estava em pleno voo e estremecia vigorosamente. Tentou focar o pensamento e concentrar-se sem conseguir. O avião tinha um único compartimento. Além dele mesmo, parecia haver somente outras duas pessoas a bordo. Reconheceu imediatamente o médico e oficial Dr. Flade. O piloto praguejava com ele, parecia estar a ter dificuldades em manobrar o avião. De repente, Walter apercebeu-se que estava amarrado a uma cadeira de rodas. Tentou falar mas só conseguiu articular alguns sons sem nexo. Tentou levantar a mão mas esta parecia não responder, assim como os pés. Somente conseguia mexer ligeira e desordenadamente os dedos. Este estado assustava-o, sentia-se impotente. Decidiu então deixar-se ficar imóvel, na esperança que aquele estado passasse depressa. A dor intensa voltou e Walter finalmente lembrou-se do que se tinha passado. Todos os acontecimentos desse dia ficaram subitamente vivos na sua memória. Walter tentou lutar contra a dor, não podia ficar inconsciente novamente. Apesar da dor ser forte, ele ainda a conseguia suportar. A situação devia ser grave, para se darem ao trabalho de o meterem num avião ao invés de o tratarem no hospital militar. Perguntou-se a si mesmo sobre o que se teria passado, enquanto estivera inconsciente. Será que os russos tinham montado uma ofensiva surpresa e chegado perto da sua posição, e ele estava a ser evacuado? Será que tinha sido ferido durante a batalha? Será que alguém tinha convencido um soldado revoltado ou espião russo a matá-lo? Será que os ingleses tinham lançado pára-quedistas assassinos em Poltava? Mas como é que alguma dessas hipóteses podia ser possível se não se recordava de nada? Concluiu que nada disso era humanamente possível, só podia ser realidade se estivesse muito doente. E esse pensamento foi uma revelação: estava doente, e era grave.
Em negação, a sua mente tranquilizou-o imediatamente, criando uma alternativa à realidade: podia ser apenas um pesadelo, tudo parecia demasiado irreal. Porém, desde criança que não tinha um sonho que considerasse tão plausível como este. A verdade é que, na maior parte dos dias, nem sequer se lembrava do sonho que tivera durante a noite. Para além de tudo, sentia demasiado desconforto para ser somente um sonho.
E se não fosse um sonho?
No seu íntimo, perguntava-se sobre o que aconteceria se morresse. Tentou afastar essa ideia. Ainda só tinha cinquenta e sete anos, era novo demais para morrer. Esse pensamento reconfortou-o durante alguns segundos, enquanto a dor de cabeça se intensificava. Sem se dar conta, começou a entrar em pânico. O avião estremecia cada vez mais. Talvez estivesse no meio de uma tempestade ou sido atingido por um caça inimigo. Mas isso não era possível, a Rússia já não tinha aviões nem pilotos capazes desde o infanticídio aéreo do ano anterior. Só podia ser uma tempestade. Os dois soldados continuavam a falar alto e desordenadamente mas, para aumentar o desespero de Walter, ele não conseguia perceber o que diziam, porque nenhuma das palavras fazia sentido na sua cabeça. O pânico intensificou-se, como era possível que não conseguisse entender o que diziam? Estaria a ficar maluco e a perder capacidades?
De seguida, o pânico desapareceu e veio a calma. Provavelmente iria morrer mesmo que o avião não se despenhasse, e talvez fosse melhor assim. A dor era intensa e sentia-se desorientado. Se morresse agora não haveria grande problema, aliás, este estado não lhe permitia comandar absolutamente nada. Já dera tudo à nação, já podia morrer em paz. Conseguia aceitar isso com naturalidade. Fechou os olhos, sentia-se cansado de lutar para se manter acordado quando lhe apetecia dormir, dormir durante muito tempo. Tinha feito a sua parte, não se arrependia de nada do que fizera na sua vida. E também não tinha pena daquilo que ainda não tinha feito e que quase certamente já não iria fazer por ser quase impossível. Tinha servido a Alemanha nas duas guerras, dando sempre a sua total dedicação. O seu sucessor seria Paulus, o qual estava sem dúvida à altura da tarefa. Um dia também ele chegaria ao posto de Generalfeldmarschall ou até mesmo a comandante supremo, tinha todas as características necessárias. O sexto exército continuaria nas suas mãos. Era o exército mais bem treinado e melhor equipado do mundo, era invencível. A Rússia seria derrotada ainda esse ano. Os judeus seriam exterminados da face da terra pouco depois. Ele seria recordado como um herói que dera a vida pela Nação e uma grande estátua seria erguida em sua honra. A Alemanha obteria a vitória final contra todos os seus inimigos, todos os alemães ficariam juntos numa única Nação que decidiria o destino de todas as outras nações do mundo durante pelo menos três milénios. Tudo seria perfeito! Essa visão do futuro encheu-o de alegria, já não sentia dor. Sorriu. E depois, veio a escuridão eterna.


FIM


Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A queda de von Reichenau - parte 2/3

A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-parte-1.html

No entanto, e apesar do optimismo, nem tudo lhe estava a correr como gostaria. Recentemente, Hitler tinha pessoalmente proposto o seu nome para Comandante Geral das Forças Armadas. A proposta agradava-lhe, entendera-a como recompensa pelo seu magnífico trabalho, mas fora recusada pelos outros oficiais mais velhos, que não aceitavam servir sob as suas ordens. Alegaram que Walter estava demasiado envolvido na política, algo que a Wehrmacht não via com bons olhos. Walter não se considerava envolvido na política, apenas achava que fazia aquilo que o dever cívico como alemão o impelia a fazer. A verdade talvez fosse que não quisessem servir sob as ordens de um general muito mais novo e, por sinal, muito mais talentoso. Por outro lado, era possível que desconfiassem que havia sido ele a dar a ordem para matar aquelas noventa crianças judias, há cerca dum ano atrás , bem como os outros judeus em Kiev, há cerca de três meses. Se algum dia estes pequenos segredos se tornassem públicos, a sua imagem no exército estaria definitivamente manchada pois, infelizmente, o exército não se regia pelas mesmas regras que a Waffen-SS, as forças armadas da Schutzstaffel, o braço armado do partido. Porém, isso não o preocupava muito. A sua folha de serviço já contava com trinta e oito anos de serviço militar, sem falhas, ao serviço da Nação, o que o tornava praticamente intocável. Definitivamente, ele não era somente mais um entre os outros, aliás, sem ele a Wehrmacht nunca teria conseguido conquistar a Polónia nem a França tão rapidamente nem com tão poucas perdas. Bastava que olhassem para o que acontecera na outra guerra. Era uma pena que a maioria deles não conseguisse, ou não quisesse, reconhecer o seu génio militar.
Ele tinha noção que não era o único que sabia o que fazia. O antigo chefe de pessoal, e agora comandante do seu sexto exército, Friedrich Paulus, tinha também um potencial muito promissor. Era organizado, metódico e inteligente, o que eram qualidades fundamentais no seu ponto de vista. Se algum dia deixasse o comando deste teatro de operações, Paulus seria provavelmente o seu sucessor. Walter conseguia ver isso cada vez que discutia as possíveis estratégias a adoptar com Friedrich. Paulus era possivelmente uma das poucas pessoas que compreendia e conseguia aplicar correctamente todos os conceitos estratégicos de uma guerra moderna. Quando ele organizava qualquer coisa, normalmente decorria sem incidentes.
Outro dos problemas que o preocupava era o dos contra-ataques russos, que estavam a ser particularmente intensos e organizados desde as últimas semanas. O Inverno estava a ser especialmente rigoroso, provavelmente o mais rigoroso das últimas décadas, com um frio incrivelmente intenso e paralisante. Na verdade, Moscovo só escapara à sua queda devido ao Inverno, que viera mais cedo que o normal. Os motores dos tanques e dos aviões congelaram, enquanto os soldados se viam forçados a cavar trincheiras para se abrigar do frio. A Alemanha não conseguia usar totalmente o seu potencial militar nestas condições, que se assemelhavam em muito às condições de há trinta anos atrás, mas isso não seria um problema sem solução. A próxima Primavera traria, com o fim do frio, um reiniciar das operações ofensivas e, consequentemente, o termo da ditadura bolchevique de Estaline.
Terminou a sua caminhada e voltou para o seu escritório. Não gastou muito tempo a mudar da roupa de desporto para o seu uniforme oficial, colocando por último o monóculo no olho direito. De seguida, sentou-se na sua cadeira almofadada, começando a estudar o mapa que jazia estendido sobre a mesa. Tirava notas no seu bloco, estudando as diversas possibilidades de movimentação, ataque e defesa das diversas divisões presentes no terreno.
Nascera em Karlsruhe, filho duma família prussiana com uma longa linhagem nobre. Era geralmente conhecido como Generalfeldmarschall von Reichenau, o homem que subjugara a França em cinco semanas, um feito que ficaria eternamente na história da Alemanha e do mundo. Walter nunca conseguia disfarçar o orgulho que sentia ao imaginar as crianças dum futuro longínquo a aprenderem na escola a história dos seus grandes feitos, como hoje aprendiam os feitos do Imperador Barbarossa.
Às doze horas em ponto, dirigiu-se para a sala de jantar para tomar o almoço. Comia habitualmente sozinho pois era raro ter companhia que estivesse no seu patamar social. Em muitos países, a ascendência já não contava em nada mas, felizmente, a Alemanha era uma excepção. A Rússia não era e isso era uma de muitas razões para a odiar.
Assim que se sentou, o cozinheiro começou a servir-lhe o almoço. Era lombo de porco assado no forno, acompanhado por batatas. Para acompanhar, iria beber um bom vinho tinto francês.
Walter comeu e bebeu com gosto, até que uma dor fortíssima o atingiu na cabeça deixando-o inconsciente.

Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

domingo, 20 de maio de 2012

A queda de von Reichenau - parte 1/3

Walter acordou por volta das seis da madrugada. Como habitual, vestiu a sua roupa ligeira de caminhada, uns calções e uma camisola de cavas. Segundo alguns, que faziam piadas acerca da quantidade e qualidade da roupa que usava para fazer exercício no Inverno, a indumentária não era a mais apropriada para o frio. Quem pensava assim só podia ter medo do frio, mas não ele pois o exercício físico iria mantê-lo quente. Saiu de casa. Lá fora, um manto branco cobria tudo à sua volta. A neve de várias semanas já somava quase meio metros nas zonas onde ainda não havia sido retirada. Não nevava e o céu estava limpo. Ao inspirar pela primeira vez aquele ar frio de Janeiro, os seus pulmões arderam-lhe fortemente, como lhe acontecia todos os dias de Inverno. A temperatura devia rondar os vinte graus negativos. Caminhou em passo de marcha rápida à volta dos edifícios do seu posto de comando em Poltava durante quarenta minutos, sempre perdido nos seus pensamentos sobre as tarefas que deveria desempenhar e as decisões que teria que tomar durante o dia.
No dia seguinte, teria de acordar ainda mais cedo de modo a inspeccionar uma das suas divisões de infantaria estacionadas nas imediações da cidade. Suspeitava que os oficiais estavam a ser descuidados em relação a algumas das suas ordens que tinham como objectivo o bom ambiente político dos soldados. Antes do Natal, tinha encontrado várias frases de protesto escritas a carvão nas paredes do seu quartel-general. Por norma, Walter ficava calmo em quase todo o tipo de situação mas, quando leu as frases, não conseguiu evitar explodir de raiva porque as mensagens eram mais provocadoras do que ele conseguia tolerar. “Queremos voltar para a Alemanha” diziam algumas, outras aclamavam “Estamos fartos disto” ou “Estamos sujos, temos piolhos e queremos ir para casa”. Outros foram mais longe, escrevendo “Não queremos esta guerra”. Obviamente, como era normal nestes casos, responsabilizara os oficiais por este incidente. Eram eles quem tinham de responder pelas acções dos seus soldados e lidar com elas e com as respectivas consequências, tal como ele tinha que responder pelas acções dos seus oficiais perante o Alto Comando.
A União Soviética seria novamente atacada assim que a Primavera despontasse. Era isso que o Führer desejava e, por isso, Walter estava disposto a tudo para ser bem-sucedido. Era um membro convicto e dedicado do DAP, Deutsche Arbeitespartei, desde 1932, quando conhecera Hitler pessoalmente e as suas ideias ambiciosas o cativaram. E continuaria a ser, pois acreditava nos mesmos ideais e tinha os mesmos objectivos. Não se arrependia, nem iria fazê-lo tão cedo, de ter doado uma das maiores fábricas de móveis da Alemanha ao partido. Era provavelmente a maior das fatias pertencente aos valores da família, a qual o partido transformou prontamente numa fábrica de munições poucos meses antes da guerra começar. Na realidade, essa doação havia-lhe poupado muito trabalho administrativo, dando-lhe assim oportunidade de se dedicar inteiramente à sua carreira militar, que era a única coisa que no fundo realmente lhe interessava.
A campanha do ano anterior havia corrido muito bem. Na maior parte do tempo, os Panzer limitaram-se a avançar sem resistência pelo meio das planícies semi-desertas. A Rússia estava perto da ruptura e, se a campanha desse ano tivesse semelhante sucesso, aconteceria à Rússia pior do que havia acontecido na Primeira Guerra Mundial. A falta de comida causara uma forte desmoralização e revoltas, que terminaram num colapso completo, assim a Rússia fora forçada a desistir do conflito. Porém, desta vez isso implicaria uma rendição incondicional. As linhas gerais para esse ano já estavam a ser delineadas, e ele estava confiante de que iriam ser bem-sucedidos sem grandes dificuldades. A melhor parte, no seu ponto de vista, era o facto de ser uma das peças chave de todo o plano. Nunca a Alemanha estivera tão perto de se vingar da humilhação que sofrera há quase vinte e quatro anos atrás. E, depois da Rússia, cairia o Reino Unido, que não tinha meios para continuar sozinho a luta na Europa. Os Estados Unidos da América não representavam uma ameaça real, apesar de oficialmente estarem em guerra com a Alemanha, havia algumas semanas. Os japoneses foram esplendidamente eficientes no seu ataque surpresa à principal base naval Norte-Americana no Hawai, que ocorrera no mês passado. Dezenas de navios foram afundados, o que iria, sem dúvida, limitar as operações americanas no Pacífico. Mais uma vitória para os aliados da Alemanha. Em sintonia com o Imperador japonês, Hitler decidira declarar guerra aos Estados Unidos da América.

Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

domingo, 13 de maio de 2012

Prologo alternativo para o primeiro livro da trilogia de Estalinegrado - Quarta e última Parte

O seu coração batia descompassadamente face à antecipação. Um nervoso miudinho tinha-se apoderado dela, nervoso esse que cresceu com cada passo que ele dava na sua direcção, ao ponto de estremecer involuntariamente quando ele lhe pegou na mão. Não conseguiu evitar corar ainda mais. O aperto de mão era firme, sem magoar, mas ao mesmo tempo caloroso. Ela sorriu desastradamente, e ele devolveu-lhe um sorriso caloroso, enquanto acenava afirmativamente com a cabeça. A outra mão juntou-se à dela, de modo a reforçar o que pareceu a Klara uma bênção de um ente superior. Era o acontecimento mais importante da sua vida. Nenhum deles disse absolutamente nada, mas os olhares cruzaram-se durante um breve instante. Então ela apercebeu-se que ele esperava que ela lhe dissesse o seu nome, à semelhança das outras. Klara sentia que todos os olhos estavam cravados nela, mas não se importou, aquele momento era só dela. Nunca imaginara ter um momento daqueles, por isso balbuciou o nome duma forma muito atabalhoada. Não era realmente importante a forma parva como tinha pronunciado o nome, acima de tudo aquele era um momento somente de ambos, pensou ela quando ele lhe largou a mão. Não voltou a olhá-la e seguiu em frente, o momento mágico de Klara tinha terminado.
― Iremos de seguida falar com os engenheiros para podermos discutir os detalhes da proposta principal. ― Anunciou Gustav, dirigindo-se para a porta traseira, abrindo-a e indicando o caminho com o braço estendido e a palma da mão aberta. ― Sigam por aqui, por favor.
Todos eles saíram, sendo Gustav o último e fechando a porta atrás de si.
Nenhum deles voltou ao escritório. Ao fim da tarde, Gustav regressou com um monte de papéis que pousou na mesa de Klara.
― Fräulein Klara, preciso que passe a limpo a acta da reunião para o arquivo. É muito importante, por isso peço-lhe que passe a ser a sua prioridade máxima até estar concluída. ― Pediu Gustav.
Klara olhou primeiro para o monte de folhas escritas à mão e depois para o seu chefe. Gustav parecia satisfeito. Ela não podia perguntar sobre a reunião, porque isso seria interpretado como vontade de saber mais do que era conveniente. De qualquer modo, pensou, devia estar tudo escrito na acta.
Assim que este saiu, todas se aglomeraram à volta da sua secretária. Tentaram deitar as mãos aos papéis para lê-los.
― Parem, ainda vão estragar alguma coisa! Eu vou passar a limpo e depois deixo-vos ler. ― Impôs Klara levantando a voz, de modo a mostrar zelo em relação ao trabalho.
― És muito egoísta! Com esse feitio nunca irás fazer muitos amigos! ― Provocou uma delas desapontada.
Klara ignorou a resposta da colega. Era verdade, ela queria ser a única a ler e, mal acabasse de passar a limpo, iria entregar tudo a Gustav imediatamente. Assim que elas voltaram aos seus lugares, Klara colocou uma folha na máquina de escrever e começou a dactilografar o conteúdo da acta.
Hitler, encorajado pelos generais das Forças Armadas Alemãs, havia pedido aos técnicos da Krupp para averiguar a possibilidade de construir uma super-arma de artilharia capaz de destruir os fortes franceses na fronteira com a Alemanha, que tinham sido recentemente construídos, tal como Klara suspeitara.
Esses fortes eram conhecidos como Linha Maginot, a qual cobria toda a fronteira entre a Alemanha e a França, começando a sul, no norte de Itália, e terminando no norte da Bélgica. Era composta por fortificações bastante modernizadas, consideradas imunes contra qualquer tipo de armamento existente. Os fortes possuíam luz eléctrica e encontravam-se ligados uns aos outros por linhas ferroviárias subterrâneas. Felizmente, a linha de fortificações era mais fraca a norte, pois os franceses não pretendiam deixar passar a mensagem que, caso houvesse problemas, a Bélgica, Holanda e Luxemburgo estariam entregues a si próprios.
Quanto à super-arma, Hitler desejava que as suas munições fossem capazes de atravessar sete metros de betão ou um metro de blindagem, atingindo um alcance muito superior a qualquer artilharia existente.
Gustav escrevera na margem da folha que, possivelmente, Hitler teria em mente uma versão actualizada da Paris-Geschütz, que fora usada durante a Primeira Guerra Mundial. Essa peça de artilharia única, conhecida por Arma de Paris, também fora construída pela Krupp e ficara famosa por conseguir atingir Paris a uma distância de cento e trinta quilómetros, algo que para a época era inigualável. Fora a artilharia com maior alcance alguma vez usada em combate até essa altura. Por infortúnio, só foi colocada em uso quando a guerra se lutava somente nas trincheiras, o que limitou a sua eficácia, sendo os alemães obrigados a usar um projéctil leve para conseguir o alcance desejado. Apesar da fraca precisão e do pouco poder destrutivo da arma, a vida em Paris estagnou temporariamente. A cidade paralisava entre cada disparo, devido ao terror da população. No entanto, ao contrário da Paris-Geschütz em que o maior dano que causara fora na moral francesa, Hitler não pretendia uma arma com uma precisão medíocre, um poder banal e um alcance extraordinário. Ele queria algo que destruísse qualquer fortaleza francesa que se atravessasse no seu caminho. Como as leis da física impediam que se melhorasse em poder destrutivo sem alterar completamente o projecto, uma nova arma teria de ser desenhada.
Apesar de todo o entusiasmo, Hitler não se comprometera definitivamente com a Krupp. Gustav acrescentou no fim da acta que esperava poder retomar os planos que o engenheiro Dr. Erich Müller havia elaborado dois anos antes, a pedido do Alto Comando do Exército Alemão. Seria, caso fosse concluída, a maior arma alguma vez feita, ultrapassando a Paris-Geschütz em todos os aspectos, excepto no alcance.
Enquanto dactilografava, Klara não conseguia deixar de pensar que talvez tivesse testemunhado um momento histórico. Lá fora, as nuvens estavam cada vez mais carregadas, sinal de que não tardaria uma tempestade.


Este prologo foi substituído por outro, já que não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.