Era
o quarto Domingo de Agosto quando Alexey ouviu os altifalantes
anunciarem o bombardeamento. O jovem não esperou que os aviões
surgissem no céu azul, onde o Sol brilhava intensamente, largando a
pá e atirando-se para o fundo da trincheira. Não tinha capacete nem
arma, por isso só lhe restava aninhar-se e proteger a cabeça com as
mãos.
-
Atenção camaradas, um ataque aéreo está eminente! - repetia, ao
longe e sem cessar, a gravação.
Esperou pelos ruídos de motores e
pelo rebentar de explosões, mas, do buraco cavado num campo de
tomates, ouviu apenas risos.
Desde
o primeiro momento que achara que estava rodeado de idiotas. Era
ridículo pensar que aquele bando de maltrapilhos, que nem sequer
uniforme tinha, conseguiria parar a máquina de guerra nazi. Deduziu
que se riam da sua reacção. Questionava-se como seria possível
gozar com tal aviso e, por isso, achou melhor ignorar, permanecendo
no seu refúgio.
-
Então Sacha, estás com medo?
Reconheceu
a voz como pertencendo a um dos rufias do batalhão. Cerrou os punhos
e, de súbito, quis esmurrar a cara de quem o insultava.
-
Ser soldado não é para meninas - ouviu outra voz familiar
acrescentar.
Não
iria deixar que gozassem com ele daquela maneira, erguendo-se para os
enfrentar. Como previra, encarou um pequeno grupo de três recrutas,
que o olhavam com um olhar divertido. O mais alto era o manda-chuva
do gangue. Andava sempre acompanhado por um rapaz bastante musculado
e de nariz achatado, que parecia sofrer de um atraso mental. Nunca
tinha visto o outro rapaz, contudo o seu porte impunha igualmente
respeito. À semelhança do restante destacamento, tinham entre 16 e
18 anos de idade.
-
Idiotas! Vão chatear outro! Era bem-feita que os Fritzes vos
apanhassem - devolveu Alexey, desistindo de uma punição física.
-
Olha o pirralho! Parece que finalmente saiu debaixo das saias da
mãe... - riu-se o de maior estatura.
Tal
era a confiança, que nem se apercebeu do projéctil que vinha na sua
direcção. A pedra atingiu-o na testa, causando-lhe um corte pouco
profundo.
Ele
não esperou pela reacção dos brigões, saltando para fora da vala
e desatando a correr. Ao início, conseguira uma grande vantagem, já
que os apanhara desprevenidos. Ao olhar por cima do ombro, viu que o
líder vinha no seu encalço e que eles eram muito mais rápidos que
ele.
Com
muito esforço, acelerou, numa tentativa de o fazer desistir da
perseguição. Ouvia o passo de corrida atrás de si, cada vez mais
perto. Não havia nenhum comandante à vista e os outros soldados
iriam simplesmente ignorar a situação. Estremeceu ao perceber que
iria apanhar uma sova monumental.
No
momento seguinte foi atirado ao chão, caindo com a face na poeira. O
rufia tinha aterrado por cima dele. Lutou para sair debaixo do rapaz,
numa tentativa coroada de insucesso, já que o peso do outro era
suficiente para o manter ali. Sentiu que lhe agarravam e torciam o
braço, imobilizando-o por via da dor.
-
Vais apanhar tantas... - prometeu o rufia com traços de fúria na
voz.
Quanto
tentou virar a cara para enfrentar o seu adversário, o primeiro
murro atingiu-o na bochecha. Apanhou mais dois, enquanto teve uma
vaga percepção de que os restantes elementos se aproximavam. Sentiu
que ele saía de cima de si. Ao tentar levantar-se, um poderoso
pontapé alcançou a sua barriga e Alexey colapsou na poeira. Durante
um momento rebolou, respirando com dificuldade. Sentiu medo ao ver as
faces dos seus oponentes, fixando por uma fracção de segundo o
sangue que corria copiosamente pela face do que fora atingido. A
maioria dos soldados tinha-se refugiado nas trincheiras e não haviam
quem os impedisse de o espancar até à morte. Tinha de lutar, tinha
de pelo menos ganhar tempo. Tentou pontapear o líder, mas este
recuou um passo, colocando-se fora do alcance do golpe. Os rapazes
riram-se do seu coice falhado.
O
som estridente de um trompete de Jericó fez-se ouvir. Algures, ali
perto, um bombardeiro alemão mergulhava em direcção à sua presa.
Todos tiveram consciência de que alguém iria morrer nos próximos
segundos. Num abrir e fechar de olhos, os brigões abrigaram-se
também, deixando-o sozinho.
O
som despertou nele o mais profundo e inexplicável dos terrores.
Fechou os olhos, não queria ver o que julgava ser o seu fim. Não se
conseguia sequer mexer. Tremeu como uma criança enquanto uma lágrima
lhe percorria a bochecha. Não queria morrer.
O
som continuou durante alguns segundos, sendo, de seguida, substituído
pelo ruído do motor do avião. De imediato, uma explosão
ensurdecedora fez-se ouvir. A terra estremeceu e a onda de choque
atravessou-o.
Abriu
os olhos. Uma nuvem de poeira envolvia a bateria anti-aérea. Olhou
para o céu e viu numerosos aviões. A cruz preta com contorno branco
nas asas não deixava margem para dúvidas de que se tratava de
aviões alemães. Não se via nenhuma aeronave soviética e a
artilharia capaz de os abater estava silenciosa. Face ao poderio
germânico, sentiu-se pequenino como uma formiga. Rastejou até ao
buraco mais próximo e aninhou-se no fundo. Fechou os olhos e susteve
a respiração em antecipação ao perigo. O coração batia a um
ritmo desenfreado.
A segunda parte pode ser encontrada em : http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-segunda-parte.html
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