sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Almanaque Steampunk... e agora vem o Winepunk

Quem é que aqui já ouviu falar do Almanaque de Steampunk?

Se não ouviram, dêem uma olhada neste link.




A minha notícia fictícia "45º Demonstração pública anual da Academia Real de Ciências" teve a honra de ser uma das escolhidas para integrar o almanaque da Clockwork Portugal. Uma publicação excelente, em que o único ponto negativo foram mesmo os contos, que não estiveram ao nível do resto da revista. Podem ver mais opiniões aqui.

Um pouco no mesmo espírito do Almanaque, a Invicta Imaginária decidiu organizar a antologia Winepunk:

"Em 1919 foi fundada a Monarquia do Norte (facto real e verídico) no meio das convulsões republicanas portuguesas. Neste universo, ela não durou semana mas sim três anos. Três anos extraordinários em que a junção de um passado british e a casta Touriga de uvas do Douro fundiu-se numa realidade Winepunk. Um mundo com energia e tecnologia a partir das caves do vinho do Porto. Um mundo rebelde e com morte anunciada, com fleuma nortenha, linguagem desbragada e ferozmente anti-republicano."

O prazo de submissões já terminou e infelizmente não pude participar. Nos próximos dias deverão ser anunciados os autores que irão integrar esta antologia, em que os participantes foram os suspeitos do costume. Considero uma excelente iniciativa, que mostra que a comunidade portuguesa de autores do género não está parada. Mostram que há vontade de divulgar o conceito e quem sabe levá-lo a um público mais alargado. As minhas expectativas para esta antologia estão em alta, já que assinala o nascimento de uma corrente de Steampunk totalmente portuguesa.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O mar e o ser Português


É inegável a presença do vocabulário relacionado com o mar na língua portuguesa. Infelizmente, a relevância desse pensar marítimo escapa-nos em muitas ocasiões. Desde sempre que o português olhou tal vastidão, não como uma fronteira, mas como uma fonte inesgotável de possibilidades.

A extensa costa e posição periférica no continente fizeram com que o mar estivesse omnipresente na nossa história. De lá vieram os cruzados que ajudaram na conquista de Lisboa. A ele os portugueses se fizeram para conquistar Ceuta. Por ele navegaram, procurando novos mundos, pois o conhecido já não lhes bastava. Mote da epopeia heróica escrita por Camões, foi também tábua de salvação da família real aquando das invasões francesas. É tema central numa das obras mais emblemáticas de um dos nossos maiores escritores: a Mensagem, e, finalmente, para lá nos voltamos quando o mundo embarcou na mais destrutiva das guerras.

Volvidos 26 anos desde que nos juntamos à União Europeia, o pensar português mutou-se para algo que não corresponde a si mesmo. À custa de tanto importar o pensamento europeu, nós esquecemos as nossas origens. Na actualidade, quando se fala em mar, não é mais para relembrar as regiões autónomas e a zona económica exclusiva. Lentamente viramos as costas aos países de língua portuguesa e deixamos que o mar que antes unia, separe.

Contudo, apesar deste esquecimento, esperemos que momentâneo, as influências linguísticas permanecem, assim como o reconhecer, ainda que débil, do potencial inerente dessa imensa massa de água salgada. Desde “ficar a ver navios” até “ir de vento em popa” passando por “trazer água no bico”, a língua está cheia de expressões que remetem para o nosso passado marítimo. Esses ecos despertam na alma uma saudade de um tempo em que estávamos mais perto do mar.

É neste momento turvo da nossa história, em que o português se vê refém de interesses financeiros, que voltamos ao mar. Enquanto sentem o país a afundar-se, muitos abandonam -no em busca de uma tábua de salvação. Já não precisamos de caravelas nem bravos marinheiros, pois basta apenas um avião para chegar ao Brasil, Angola ou até Timor. Muitos emigrantes enveredam por essa opção, ao invés de embarcarem numa Europa na qual não conhecem nem língua nem cultura, e com a qual não se identificam. Sem medo e insatisfeito por natureza, o português procura além fronteiras aquilo que não encontrou dentro delas, numa repetição do que aconteceu no passado.

Assim como as caravelas vaguearam rumo à descoberta, o português navega no imenso oceano da sua imaginação. Hoje refugia-se no sonho, como o fez quando D. Sebastião desapareceu ou durante o Estado Novo o sufocou. Com tanto onírico marear se perde e esquece da realidade.

O mar é para o português uma promessa de um mundo melhor. Nele depositamos a nossa esperança e fé, numa perigosa viagem ao desconhecido. E continuemos a fazê-lo enquanto nos deixarem, porque sem mar não somos portugueses.
 

Este ensaio foi originalmente publicado na revista Nova Águia número 11 - "Da minha língua vê-se o mar": o Mar e a Lusofonia.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Livros: Madame Bovary

Como é que surgiu a ideia para esta rubrica? Tenho uma pilha de livros para fazer uma critica e o dom de procrastinar. Isto é um esforço para tentar resolver o problema.


Autor: Gustave Flaubert
Texto da contra-capa: O escritor francês Gustave Flaubert publicou em 1857, depois de cinco anos de trabalho, a obra-prima intitulada Madame Bovary. Através da descrição das frustrações e aventuras de uma jovem mulher casada com um decadente médico de província, o autor aborda de forma distanciada e, por vezes, desdenhosa, temas como o amor, desavença conjugal, a negligência médica, a sexualidade e o suicídio. A escrita rigorosa, o realismo e a objectividade, mas também o sentido do ridículo, caracterizam esta narrativa que marcou a história da literatura até aos nossos dias.


Começo pela colecção que, se não me engano, foi distribuída com a revista Visão em 2000. Não sei o que aconteceu, mas os livros acabaram disponíveis nas feiras do livro a preços excelentes, por volta de um euro e meio. Como leitor ávido que sou, não deixei de aproveitar a oportunidade, adquirindo todos os que pude. Não completei a colecção e hoje em dia já são bastante difíceis de encontrar. Apesar de tudo, foi um bom investimento. Quase todos os 30 títulos pertencem a obras icónicas que se recomendam vivamente.

Ao contrário do que diz na contra-capa, o livro começa com a vida do médico e a Madame Bovary (que ainda não o é) só aparece umas 10 páginas depois. Grande parte dos primeiros capítulos focam-se mais no Charles do que na Emma, o que é uma pena e acho que irrelevante. A história avança penosamente devagar e é preciso muitas páginas para a narrativa ficar interessante.

Os temas referidos na contra-capa são abordados de um modo sério, que leva o leitor à reflexão. O modo como nos são apresentados torna-os intemporais. Poucos escritores são capazes de tal proeza.

Acho a descrição das acções e das situações bastante realista e de uma objectividade exaustiva, que às vezes até cansa de ser assim. Grande parte das coisas são previsíveis e somente a reviravolta final é que é digna de nota. Apesar de tudo, é uma leitura agradável, mas que requer um estado de espírito próprio para poder ser convenientemente apreciada.

Quanto a esta edição há o problema de Emma aparecer escrito algumas vezes como Ema, provavelmente um erro que escapou ao editor.

Classificação: 3 estrelas

domingo, 25 de agosto de 2013

Chá de Domingo #2: Antagonistas

O tema desta semana prende-se com os antagonistas, as personagens que se opõem ao herói de um livro, filme ou série.


O antagonista é por norma conhecido por mau da fita e é a personagem com objectivos concorrentes aos do herói. O coração da história é um conflito entre os dois.

Alguns exemplos mais memoráveis são: Sauron no Senhor dos Anéis, Lorde Voldemort no Harry Potter, os Porcos na Revolta dos Porcos, o Agente Smith no Matrix e o inspector Jevert nos Miseráveis. Por vezes, o antagonista é tão bem trabalhado e caracterizado que fica na memória mais tempo do que o próprio protagonista.

Há antagonistas que nos são tão bem apresentados que não conseguimos distingui-los do protagonista. São personagens com princípios e motivações que captam o interesse. Essas são as minhas história favoritas. Ken Follet é um mestre nessa arte e felizmente não é o único. Em grande parte dos seus livros, o antagonista é apresentado sem preconceitos e só através do desenvolvimento da história é que nos apercebemos quem ele realmente é.

Há outras histórias em que o antagonista não é uma personagem, mas antes um grupo de personagens. Pode até ser um objecto, mas é essencial para prender um leitor a um livro, porque sem ele a história não tem conflito. Quem é que se vai interessar por uma história sem conflito?


Quais são os vossos antagonistas favoritos? Quais a características que um um bom antagonista deve ter?

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Outro ebook grátis: Agosto 2013

Para celebrar os 200 gostos da minha página do facebook, atingidos hoje mesmo, e as 25000 visitas ao meu blogue, irei criar um ebook para ser oferecido aos meus leitores (à semelhança do que fiz no fim do ano). Irei disponibilizá-lo via Smashwords para que possam obtê-lo no formato mais conveniente. O conteúdo são vocês que decidem e podem escolher entre esta lista:

Ensaios:
Contos (Universo Era Dourada):
Outros contos:

O número de textos escolhidos irá depender do tamanho dos mesmos, de modo que o livro fique com cerca de quarenta páginas. Para votar basta deixar um comentário nesta postagem. Lembro que podem também sugerir outros títulos da minha autoria que não estejam nesta lista.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A escuridão - Parte 5 de 5


A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-1-de-5.html

A quarta parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-4-de-5.html

Rui deu por si estatelado em cima dela. Num ápice, rebolou para o lado e pôs-se de pé. Os ouvidos ainda lhe doíam, percepcionando um zumbido irritante e permanente. Várias sirenes começaram a tocar num tom estridente. Nos monitores apareceu um mapa esquemático do abrigo, com a fonte do problema assinalada a vermelho. Ficou paralisado ao perceber que acontecera no refeitório.

Após uma breve troca de olhares, precipitaram-se os dois para fora da sala de controlo, correndo pelos corredores. Cedo o meteorologista conseguiu vantagem, deixando a engenheira para trás.

Ao virar a esquina antes da cantina, deparou-se com uma metralhadora apontada à cara.

– Pára! Mãos ao ar! – interpelou o tenente.

– O que é que se passa?

– Não te faças desentendido! De joelhos, já! Ou acabo com isso de uma vez.

Com as pernas a tremer, deixou-se cair de joelhos, mantendo os braços levantados. A arma estava apontada à sua face. Um disparo àquela distância não podia falhar.

– Como é que tu fizeste isto? Fala ou eu disparo!

– Não sei do que está a falar, que não tenho nada a ver com o que acabou de acontecer...

– Não te armes em esp...

Onde antes estivera o olho esquerdo do soldado, saiu um jacto de sangue. Um momento depois, o corpo do militar caia sem vida. Olhou na direcção da origem do tiro, descobrindo Rita empunhando uma pequena arma. De súbito, compreendeu tudo o que se passara nos últimos dias.

– Os meus resultados estavam certos! Foste tu! – exclamou, levantando-se.

– Sim, estavas certo desde o início – confirmou, abrindo-se num sorriso como ele nunca antes tinha visto. – Como dizia a tua amiga, é a sobrevivência do mais forte.

– Era preciso matá-los a todos?

– O que é que achas? – ironizou, passando por ele.

Ela prendeu a arma nas calças, pegou na metralhadora do militar e retirou o carregador, guardando-o na bolsa. Chegou-lhes o fumo do incêndio que se gerara. Rita atou a camisola à volta da cara e seguiu em frente, desaparecendo no interior do refeitório.

Rui deixou-se ficar parado, tentando assimilar o que acabara de descobrir. Avançou decidido a pensar mais tarde, atando também a t-shirt à volta do nariz e boca.

Nada o preparara para o que encontrou. As mesas e cadeiras estavam feitas em pedaços de encontro às paredes numa miscelânea de metal e contraplacado, moído e retorcido. As portas haviam deixado de existir e os fragmentos quase pulverizados estavam espalhados pelos corredores. Os corpos eram o pior de tudo, desmembrados e com parte das vísceras espalhadas pelo chão e misturadas com tudo o resto. O sangue ensopava o chão e pintalgava as paredes. Ouviu alguns gemidos.

Não conseguiu ficar parado, por isso olhou em volta. Viu Rita ao fundo. Dirigiu-se a ela, a tempo de a ver atingir a cabeça de alguém. Desviou o olhar, sem conseguir assistir ao massacre.

Olhou em volta, procurou pelo corpo de Débora, sem o encontrar. Mudou de ideias e aproximou-se da assassina.

– Já chega! Não precisas de matar toda a gente!

– Meu querido – interpelou-o, com uma tranquilidade tão grande na expressão, que lhe provocou arrepios. – São eles ou eu. Depois do que nós fizemos, não há volta a dar, ou os matamos ou eles matam-nos a nós. Lembra-te, desde que as bombas caíram que a lei da selecção natural se aplica também aos humanos. Podes estar descansado, eu não te quero matar, afinal preciso de passar os meus genes à geração seguinte. Se não tiveres estômago para isto, podes sempre ir embora.

Rui percebeu que era impossível conversar, ela tinha enlouquecido. Apesar de tudo, não quis arredar pé. Ela matou outras duas pessoas, querendo inspeccionar também as casas-de-banho. De Débora nem sinal, mas com a quantidade de corpos irreconhecíveis, era impossível ter a certeza do seu paradeiro.

Ouviu-se um grito a partir da casa de banho. Rita encaminhou-se para lá.

De repente, um soldado dobrou a esquina, com um joelho no chão, disparando sobre ela. A engenheira foi projectada para trás, caindo de costas. A arma fugiu-lhe das mãos, indo parar perto de Rui. O meteorologista lançou-se para apanhar a arma.

– Depressa, mata-o! – ordenou Rita, contorcendo-se com dores.

Olhou na direcção da casa-de-banho, o militar havia desaparecido. O sangue ensopava a camisa dela, escorrendo copiosamente do ombro esquerdo.

– Afinal devo-te um favor – murmurou ele.

Rui empunhou a arma e apontou-a à cabeça dela. O movimento deu-se fluído e sem hesitações. Ela olhou-o com um ar suplicante. Não sentiu pena, nem remorso quando puxou o gatilho. Rita imobilizou-se instantaneamente quando o buraco surgiu na sua têmpera, explodindo com a parte de trás do crânio.

– Larga a arma, já! Mãos levantadas e dá quatro passos em frente! – ouviu atrás de si.

Deixou a pistola cair, com uma tranquilidade completa. Levantou as mãos e avançou, parando em frente ao cadáver da amante. Ouviu passos atrás de si. A arma foi pontapeada. Uma bota atirou-o ao chão, fazendo-o cair com a cara sobre os restos de massa encefálica da engenheira. Sentiu-se pressionado contra o chão. Quase que conseguia imaginar a arma apontada ao seu crânio. Fechou os olhos e esperou. Surpreendeu-o não sentir medo.

– Já chega! – ouviu Débora gritar. – Ele não é o culpado!

A pressão sobre as costas desapareceu. Um momento depois a geneticista ajudou-o a levantar-se. Havia outros seis sobreviventes. Eles encararam-no desconfiados. O soldado mantinha ainda a mão no gatilho.

– Sabes porque é que ela fez isto? – inquiriu Débora.

– Sim, ela tinha medo que não houvesse comida para todos durante o tempo em que vamos estar aqui fechados.

– Porque vamos ficar aqui fechados? – encorajou-o a bióloga, agarrando-lhe o braço.

– Há muita radioactividade no exterior. Para além disso, corri uma simulação e percebi que as poeiras e fumo resultantes das explosões estão a bloquear a luz do sol, criando uma noite permanente. A temperatura ao invés de subir, irá descer cerca de vinte graus. Os humanos não serão capazes de sobreviver no exterior.

– Estamos a falar de quanto tempo?

Rui olhou-os com pena, antecipando o choque que iria causar.

– Cerca de trinta anos de noite total e quase um século de noite parcial.

A escuridão chegara, nenhum deles veria de novo a luz do sol. 

FIM


Este conto foi originalmente publicado no blogue Fantasy & Co.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A escuridão - Parte 4 de 5


A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-1-de-5.html

A terceira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-3-de-5.html

O grupo ficou mudo e pálido. A garganta do condutor fora aberta num golpe oblíquo. Pegado ao corpo, ao lençol e à maca, o tom vermelho escuro do sangue coagulado agredia-lhe os olhos.

– Alguém tem algo a dizer? – inquiriu o tenente.

Ao contrário da dona Margarida, a catedrática decrépita da qual ninguém realmente gostava, o condutor era o fiel companheiro das visitas à cidade. Nunca falhara a tarefa de encontrar um bar aberto onde pudessem beber uns copos. A pedido arranjava mulheres e homens para fazer companhia àquelas almas solitárias.

– Revistem os quartos todos até encontrarem as armas do crime! – sugeriu uma mulher de meia idade.

– Isso está a ser feito neste preciso momento – assegurou o militar.

– O que é que nos garante que não foram vocês a orquestrar isto? – acusou um dos mais velhos.

– Nós sempre tivemos as armas, se quiséssemos dar cabo de vocês, já o teríamos feito. Nós estamos aqui para vos proteger!

O olhar de dúvida percorreu as faces de todos, mas sem que ninguém se atrevesse a contestar.

– E se não encontrarem a arma do crime? Como é que pensam apanhar o assassino? – perguntou Débora.

– Se não o encontramos, teremos de tomar medidas extremas.

– E que medidas são essas?

– Ainda não lhe posso dizer – afirmou, voltando-se de seguida para os restantes – Se estivesse no vosso lugar, iria comer alguma coisa, a busca ainda vai demorar um pouco.

Passaram três horas até os dois cabos entrarem no refeitório. Uma troca de olhares foi suficiente para o tenente perceber a mensagem.

– Portanto, nenhuma das armas do crime foi encontrada. O que é que estão dispostos a fazer para apanhar o culpado?

– Como assim? – exaltou-se Nuno. – Não é óbvio que estamos dispostos a tudo? Isto é uma questão de sobrevivência!

– Alguém se opõe a que fiquemos aqui fechados?

– Em que é que isso nos vai ajudar?

– Muito simples, nesta sala ninguém tem possibilidade de cometer um crime e escapar impune.

– E se o assassino não for um de nós?

– Lembrem-se que acabamos de revistar o abrigo e não encontrámos ninguém. De qualquer modo, estaremos mais seguros todos juntos.

– E onde é que vamos dormir?

– Cada um será autorizado a ir buscar o que considerar necessário, mas apenas sairá uma pessoa de cada vez. Alguém se opõe?

Os olhares deram-lhe a resposta.

***

Nos dois dias que se seguiram, a cantina foi transformada num acampamento. A pedido das senhoras, uma cortina de lençóis foi erguida para separar as duas metades. Parte das mesas foram encostadas a um canto e vários colchões cobriam o chão.

O tenente acabou por autorizar que saíssem duas pessoas de cada vez, de forma a poderem carregar objectos mais pesados. Houve quem reclamasse que a solução encontrada tinha sido demasiado severa. As discussões entre os membros do grupo tornaram-se mais frequentes, levando algumas pessoas a serem expulsas para mudarem de ares.

Na manhã do terceiro dia, quando Débora o abordou durante o pequeno-almoço, Rui sabia ter umas olheiras enormes. Ela vinha vestida com umas calças justas, um top e trocara os óculos pelas lentes. Deduziu que ela o queria reconquistar, mas decidiu fazer-se desentendido.

– Pareces cansado!

– Não consigo dormir com esta gente toda à minha volta. É pior do que quando partilhava o quarto com o Guilherme.

– Tens de ter calma, isto vai-se resolver...

– Queres saber o que eu acho? Quem quer que seja o assassino, vai ficar quietinho e vamos passar uns bons meses aqui trancados.

– Saíste-me cá um pessimista!

– Estou a ser realista, já agora, porque é que vieste falar comigo?

– Preciso de saber os resultados da tua simulação – pediu, com um tom que despertou a Rui instintos primários.

– Qual simulação? – perguntou, distraído com os movimentos dela.

– Ouvi dizer que meteste um programa a correr para prever os efeitos deste holocausto nuclear.

– Quem te disse isso? – inquiriu, franzido o sobrolho.

– Ouvi dizer! Quais foram os resultados?

– Para que queres saber?

– Pela mesma razão que tu – explicou, de súbito com um ar profissional. – Quero saber que espécies vão sobreviver a isto. Vais partilhar os resultados comigo ou estás com medo que os publique primeiro?

Rui sorriu com a piada, ao aperceber-se que algumas das suas preocupações quotidianas haviam deixado de fazer sentido.

– Eu corri o programa, mas os resultados foram um autêntico lixo numérico. Meti o programa a correr de novo, mas ainda não fui ver.

– Ok, quando fores, avisas?

Rui acenou com a cabeça, com um sorriso de orelha a orelha. Fora preciso um apocalipse para se cobiçado por duas mulheres.

A oportunidade para ver os resultados, chegou durante a tarde, quando a Rita quis sair. Rui deu um salto e juntou-se a ela.

– Olha, aproveito vou contigo e vejo os resultados da simulação.

– Anda, eu também meti uma simulação a correr com os níveis de radioactividade – aceitou com um piscar de olho.

O soldado não apresentou qualquer entrave e quando o par anterior voltou foram autorizados a sair.

Quase correram até à sala de controlo. Ao chegar, Rui atirou-se para a cadeira e desbloqueou o terminal. A simulação havia terminado, percorreu as colunas de números com os olhos, sem acreditar no resultado.

– Rita, anda ver isto! – pediu, sem despregar os olhos do monitor.

Ouviu passos atrás de si.

– O que foi?

– Estás a ver?

– Sim, o que é que tem de estranho?

– Não estás a ver? – exaltou-se ligeiramente, apontando para a última coluna.

– Se calhar enganaste-te...

– Não! Já verifiquei o input umas vinte vezes...

Ela pegou-lhe na mão e fê-lo levantar.

– Eu acho que precisas de uma pausa, esta situação está a dar-te cabo dos nervos... – sugeriu, aproximando-se dele.

Rui deixou-se levar, beijando-a. As mãos de ambos acariciaram as costas. Ele quis fazê-lo mesmo ali. Afinal estavam sozinhos. Sentiu as mãos dela na barriga, descendo lentamente.

Nesse momento, ouviram um barulho ensurdecedor. Foram atingidos por uma onda de pressão tão intensa que perderam os dois o equilíbrio, estatelando-se no chão.

A quinta e última parte do conto pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-5-de-5.html

Este conto foi publicado originalmente no blogue Fantasy & Co.

domingo, 18 de agosto de 2013

Chá de Domingo #1: Deitar livros para o lixo

No seguimento da rubrica para pensar (que nunca chegou a ser aquilo que eu esperava dela), eu quis começar algo um pouco mais elaborado. Decidi chamá-la de Chá de Domingo, para enfatizar o tom descontraído das reflexões e opiniões que aqui irei trazer.



O tema de hoje são os livros deitados ao lixo.
Desde que me mudei para este bairro, que é maioritariamente habitado por emigrantes, já encontrei livros deitados ao lixo por várias vezes. O episódio mais dramático aconteceu há cerca de um ano atrás quando descobri um contentor cheio de livros. Era impossível contá-los! Estimo que fossem perto de 500 livros deitados fora, a maioria deles em alemão. A noite já tinha caído, contudo eu separei-os em duas pilhas e levei entre 100 a 150 para casa. Só por morar no quarto andar, ter apenas uma caixa e não ter espaço para os guardar me impediram de trazer mais. Numa observação mais cuidada percebi que os livros, apesar de velhos, estavam em muito bom estado. Acabei por dar a maioria desses livros a um amigo que tem o alemão como segunda língua, coisa que eu ainda estou muito longe de atingir.
O episódio mais recente aconteceu no último domingo, em que encontrei estes livros à chuva.


Devo confessar que nunca iria comprar a maioria destes livros, até porque não sou fã de histórias de vampiros, mas daí até os deitar fora vai uma grande distância. Depois de secar os livros, decidi ficar com alguns e encontrar donos que os estimem para os restantes.

A grande questão que coloco é porquê? Qual será a razão para as pessoas deitarem livros fora desta maneira? Não seria uma alternativa viável doá-los a uma bilioteca, instituição ou oferecer a um amigo? À falta disso, não poderiam metê-los à venda na Amazon ou Ebay por um preço simbólico? Não consigo compreender e o assunto andou-me a semana toda às voltas na cabeça!

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Contos da Era Dourada

Alguns dos meus leitores notaram que existem relações entre os meus diversos contos. Em certas histórias há de facto um denominador comum: passam-se no mesmo universo ficcional.

Um desses universos tem o nome de Era Dourada e conta a história de um mundo pós-apocalíptico. Vou falar um pouco de cada um dos contos que o compõe até ao momento.


A Alvorada




A Terceira Guerra Mundial está no seu clímax e o balanço entre as duas facções foi desfeito numa gigantesca batalha aérea. David faz parte da divisão blindada com ordens para capturar São Petersburgo e terminar o sangrento conflito. Aproxima-se uma nova alvorada para a humanidade.

Está disponível online tanto neste blogue como no blogue Fantasy & Co. Podem também lê-lo em formato ebook juntamente com a antologia dos universos literários. Para quem quiser opinar, fica também o link para o Goodreads.


A escuridão




Os mísseis foram lançados. A humanidade está em contagem decrescente para o Apocalipse. Um grupo de cientistas refugiam-se num abrigo subterrâneo para escapar ao horrores de um holocausto nuclear contudo, entre eles, há um assassino que os vai matando um a um.

Podem encontrar o conto tanto neste blogue como no blogue Fantasy & Co.


O Monstro e a Musa




Walter é um cientista além mar que foi capturado enquanto participava numa expedição às terras bárbaras. Cedo o líder do povo das montanhas lhe prova que está enganado, revelando que Walter faz parte dos seus planos. Num futuro distante, vários séculos depois de holocausto nuclear, a humanidade enfrenta o mesmo desafio que a levou à Terceira Guerra Mundial. Haverá uma solução para o problema energético?

Podem encontrar este conto no Goodreads. Está também disponível neste blogue e no blogue Fantasy & Co.


A Alergia




Num mundo dominado pela poluição, um grupo de extremistas procura sabotar o coração industrial da civilização através da violência e terrorismo. Qual o papel de Roberto nesta conspiração?


Podem encontrar o conto tanto neste blogue como na Nanozine 6, que foi dedicada ao Steampunk. A revista está também disponível no Goodreads.


O Fruto Proibido




Numa expedição às terras bárbaras, os cientistas da confederação encontram uma biblioteca do tempo pré-guerra, com mais de cinco séculos de existência. Entre os livros, Humberto, uma das mais brilhantes mentes da sua academia, descobre um que ensina a realizar a fusão nuclear, uma tecnologia proibida. Ressuscitar uma força tão devastadora terá vantagens maiores que os perigos?

Podem encontrar este conto tanto neste blogue como na Nanozine 7, assim como no Goodreads.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A escuridão - Parte 3 de 5


A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-1-de-5.html

A segunda parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-2-de-5.html

Os habitantes do abrigo reuniram-se à volta da vítima. Um único buraco na têmpora da sexagenária denunciava a causa da morte. Sussurravam entre eles como tal poderia ter acontecido. Sabiam que o eco se iria multiplicar num espaço fechado, não dando qualquer hipótese que um disparo ocorresse incógnito.

– Eu sugeria que se revistasse os quartos, para encontrar a arma do crime – sugeriu uma mulher.

– E se foram os soldados?

– Porque haveriam de fazer isso?

O tenente ergueu-se, enfrentando-os.

– Eu não tenho interesse nenhum em matar-vos e estou-me pouco lixando com quem toma as decisões. Se vocês são tão inteligentes como parecem, iriam perceber que as armas que temos têm um calibre superior à do homicídio. Quem matou esta senhora vai ser apanhado e castigado... – fez uma pausa, olhando-os nos olhos. – … com a pena capital.

***

Deixou-se cair na cama, estafado mas satisfeito. Passara o dia em frente a um ecrã, instalando o programa de simulação atmosférica. Confirmou os valores de Rita e aproveitou para passar tempo com ela. Introduziu dados nos servidores que integravam a base. Apesar do grupo de computadores servir para jogos de guerra, nada como uma limpeza ao disco e uma instalação fresca para os tornar numa ferramenta perfeita.

Mesmo depois das bombas terem parado de cair, o cenário era devastador. O fumo e as poeiras espalhavam-se nas imagens de satélite, sinal que as cidades continuavam a arder. Parecia impossível que alguém no exterior pudesse sobreviver.

Bateram de leve à porta.

– Entre – autorizou, esfregando os olhos.

A maçaneta rodou devagarinho, como se não quisesse chamar à atenção. Lembrou-se que estava no último quarto do corredor. Teve medo.

Rita esgueirou-se para o interior com um sorriso, fechando a porta com a mesma delicadeza com que a abrira.

– Então, já estás a dormir?

– Estou bastante cansado, foi um dia muito longo.

– Sim, sim, estás à espera que a Débora te venha aquecer a cama... – escarneceu, aproximando-se com passinhos pequenos.

– Não acho que ela esteja assim tão desesperada... – comentou, encolhendo os ombros e levantando-se.

– Como a vi sair do teu quarto hoje de manhã...

– Não fizemos nada disso.

– Não, desculpa estar a meter-me na tua vida...

– Não faz mal...

Ela lançou-se num abraço apertado, começando a soluçar no seu ombro. Agarrou-a com força, com na esperança que a ajudasse.

– Tenho medo... Estamos aqui presos com um assassino...

– Tem calma, aqui dentro não irá longe...

Ela interrompeu-o com um beijo nos lábios. Rui deixou que as mãos descessem e obedecendo ao impulso, há muito reprimido, derrubou-a sobre a cama. Viu nos olhos dela que queriam o mesmo.

***

Regou os cereais com sabor a papel com o leite em pó aguado. Agarrou na taça e procurou um lugar no refeitório. Encontrou Débora sozinha a um canto e quis juntar-se a ela.

– Bom dia – cumprimentou-a com um sorriso.

Ela levantou a cabeça e encarou-o com uma expressão triste. Percebeu que estivera a chorar.

– Posso sentar-me aqui contigo?

– Tanto me faz – respondeu-lhe, voltando os olhos para o prato.

Sentou-se em silêncio. Depois de engolir duas colheradas daquela mistura horrível, decidiu animar a amiga.

– O que se passa?

– Ainda tens a lata de me perguntar o que se passa?

– Não estou a perceber!

– Julgava que eras mais inteligente!

– Porque é que não me explicas?

– Como se tu não soubesses! Se calhar achas que eu sou parva, só pode! Gostava é que tivesses sido sincero comigo desde o início.

– Calma!

– Calma o tanas! Andas a pensar mais com a cabeça de baixo do que com a de cima, por isso é que não percebes nada!

– Estás a falar do quê?

– E continuas, pensas que eu não sei que passaste a noite com a Rita? Agora já sei porque é que te fizeste desentendido aos meus avanços, estavas de olhar fisgado na loira. É o decote dela, não é, por ser mais pequeno que o meu?

– Mas...

– Já percebi, é a sobrevivência do mais forte. Espero que os teus genes passem à geração seguinte!

Débora levantou-se e saiu da sala, sem lhe dar tempo de responder.

***

Rui fixou os resultados no monitor. Não acreditou nos valores das colunas de números brancos sobre o fundo preto. Verificou mais uma vez os parâmetros e submeteu de novo a tarefa, pedindo uma previsão para a próxima centena de anos.

Ao sair da sala de controlo, passou por ele um grupo bastante agitado.

– Anda, vai haver uma reunião no refeitório, é obrigatória a presença de todos – explicou um deles.

Seguiu-os, tentando captar os rumores e percebendo que não sabiam mais do que ele. A maioria dos residentes já estava sentada nas cadeiras. O tenente permanecia de pé e em silêncio. Assim que a última pessoa entrou, um soldado trancou a porta e ficou a guardá-la.

– O que vem a ser isto? – reclamou um dos mais velhos.

– É para vosso próprio bem – explicou fazendo sinal ao soldado que guardava a outra porta.

Pouco depois uma maca coberta com um lençol branco entrava na sala. Com um gesto vagamente teatral, puxou a cobertura, revelando o corpo do motorista.




Este conto foi originalmente publicado no blogue Fantasy & Co.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A escuridão - Parte 2 de 5

A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-1-de-5.html


As mentes mais pragmáticas desviaram os olhos dos ecrãs, fingindo-se ocupadas. Alguns quiseram vaguear. Rui descobriu com eles os vários níveis e corredores, onde se podia comer, dormir, fazer desporto e até ler ou ver um filme.

Escolheu um quarto simples quase na extremidade do dormitório. Depois de anos a dormir ao lado do engenheiro naval, o Guilherme, estar sozinho era o melhor que lhe poderia acontecer. Odiava aquele gordo ressonava que nem um motor.

Largou a carteira, o porta-chaves, um bloco de notas e telemóvel sobre a cama. Observou os documentos com desdém. Sabia que se haviam tornado inúteis, tal como a posição de certas linhas imaginárias. Por fim, atirou tudo para uma gaveta, conservando só o bloco, onde mantinha registos ligados ao seu trabalho. Tinha consciência que até isso se tornara obsoleto, contudo, sem ele sentia-se nu.

O cansaço levou a melhor e adormeceu sem dar conta.

Foi acordado por um bater insistente na porta. Abriu os olhos, atordoado por uma súbita dor de cabeça. Pela fresta de luz surgiu a cabeça de Nuno, o analista de dados.

– Ei, tens de vir até à sala de controlo!

– O que é que se passa? – devolveu, esfregando os olhos.

– Temos um problema grave e precisamos de tomar uma decisão em conjunto – explicou, desaparecendo de seguida.

Suspirou, puxando os lençóis com violência. Chegou à sala pouco depois, encontrando já meia dúzia de pessoas. O olhar prendeu-se em Rita, que se encontrava de frente para um ecrã com uma imagem de satélite.

– O que é que se passa?

– Rui, estás a ver isto? – disse-lhe, apontando com o dedo para várias manchas cinzentas espalhadas pelo mundo, sem desviar os olhos da imagem. – Isto é fumo libertado pelas cidades em chamas. Milhões de toneladas de dióxido de carbono estão a ser lançadas para a atmosfera.

– Tens uma ideia da quantidade?

Ela olhou-o nos olhos com uma expressão triste.

– Podes confirmar as contas se quiseres mas, na minha estimativa, quando isto terminar a temperatura média vai aquecer cerca de doze graus.

– Isso é... – ensaiou, numa tentativa fútil de quantificar a dimensão da tragédia.

Ficaram os dois em silêncio.

Meteorologia era a sua especialidade. Tinha consciência que não era só a temperatura que iria mudar. O degelo será brutal e o nível do mar iria subir uns bons metros. Ventos fortes, tornados, furacões, inundações. As correntes marítimas e os ventos dominantes iriam inverter-se. As áreas secas iriam tornar-se um deserto. Até as próprias estações iriam mudar.

– Bolas! Finalmente funciona!

Todos se viraram para Tiago, o engenheiro de telecomunicações, que estava à frente de um pequeno terminal, onde corriam várias colunas de números.

– Estive a tentar captar as ondas rádio – explicou, ao ver as atenções sobre si. – As principais emissoras não dão sinal. Quando digo que não há sinal, quero dizer nem sequer sinal fraco derivado da falta da rede de retransmissão. É que nem sequer encontro o contínuo da emissão interrompida. Varri toda a largura de banda e nada! Contudo, se falarmos de sinais rádio, as coisas são muito diferentes, há inúmeras mensagens a circular em tempo real. Há mais sobreviventes como nós!

– É muito difícil comunicar com eles?

– Amigo, isso é canja – revelou com um sorriso. – Mesmo que não estivéssemos equipados com transmissores, até um adolescente podia montar um.

Rui ignorou os restantes comentários, desejando um terminal onde pudesse correr algumas simulações com a nova concentração de dióxido de carbono.

Alguns minutos depois, encontravam-se todos reunidos, incluindo os soldados, armados com as metralhadores de assalto.

– Não precisam de vir para aqui com essas coisas – queixou-se um cientista franzino, notoriamente intimidado.

– Peço desculpa por ter trazido os homens armados, mas a situação exige-o. Temos de tomar uma decisão e é necessário que seja vinculativa – afirmou o tenente.

– Já agora, qual é o problema tão grave que exige a nossa presença?

O tenente fez sinal ao engenheiro informático, que ligou um dos ecrãs. Uma câmara exterior captara uma pequena multidão que esperava em frente ao portão do abrigo.

– O que é que fazemos? O protocolo diz que uma vez selados, os portões não devem ser abertos até que se prove que o perigo passou. Eu posso decidir isto sozinho, mas gostava de ter a vossa opinião.

– Eu acho que devemos abrir – opinou o especialista em electrónica. – Este abrigo é sustentado por um gerador nuclear, desculpem a ironia, e há mantimentos e espaço para 200 pessoas durante cinco anos. Somos de momento 51, não vejo por que não haveremos de acolher os trinta que estão lá fora.

– Eu concordo – aventurou-se Rui. – As condições climatéricas lá fora vão ser extremas nos próximos meses e são uma ameaça à população.

Levantaram-se diversas vozes de apoio.

– Alguém está contra? – interrompeu o comandante do destacamento.

Rita levantou-se e olhou-os. De imediato fez-se silêncio na sala.

– Para que isto fique claro, eu escrevi parte desse protocolo. Há uma razão para as portas não poderem ser abertas. A radiação exterior é de 4 sievert por dia e irá demorar pelo menos dois anos a descer para metade. O abrigo filtra o ar para essa poeira não entrar, mas se abrirmos as portas e deixarmos entrar aquela gente ficaremos contaminados. Eles estão condenados, temos de entender isso! Em seis horas já todos receberam doses que os vão impedir de ter filhos saudáveis. Para além disso, a maioria morrerá nos próximos meses.

– Podíamos só abrir o portão exterior e deixá-los entrar no compartimento exterior...

– Quem é que se voluntaria para o fazer? Quem o fizer terá de ficar lá com eles. E já agora, sem comida, de que lhes serve o compartimento exterior. Não os podemos ajudar e tentar é suicídio.

– O argumento parece-me bom – decidiu o militar. – As portas irão permanecer fechadas e guardas armados ficaram nesta sala e à entrada.

Rui deitou um último olhar às famílias de olhar suplicante. O sol ia alto. Eles
iriam esperar dias, até se aperceberem que as portas não se iriam abrir. Aquele era o preço da sobrevivência. A maioria decidiu dedicar-se ao que sabia fazer melhor para evitar pensar demais.








Abriram a porta de rompante, interrompendo o seu sono. Era Débora e vinha coberta em lágrimas. Rui tomou nota mental para começar a trancar a porta.

– Aconteceu uma coisa horrível – anunciou, abraçando-o sem lhe dar tempo de se levantar.

– O que foi? – perguntou, devolvendo o abraço e passando-lhe a mão pelo cabelo, mesmo sabendo que isso lhe poderia dar falsas esperanças.

Ela preferiu chorar e soluçar durante uns momentos. Finalmente levantou a cabeça, fixando-o com um olhar sério por entre os cabelos desgrenhados.

– Mataram a dona Margarida!



A terceira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/08/a-escuridao-parte-3-de-5.html

Este conto foi originalmente publicado no blogue Fantasy & Co.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

As mais recentes entradas no Goodreads - Agosto 2013

Deixo-vos com alguns trabalhos que alguns de vocês já conhecem do blogue Fantasy & Co e que podem encontrar em formato ebook totalmente grátis. Em troca, só peço uma pequena review no Goodreads!

O Monstro e a Musa

Género: Pós-Apocalíptico
Walter é um cientista além mar que foi capturado enquanto participava numa expedição às terras bárbaras. Cedo o líder do povo das montanhas lhe prova que está enganado, revelando que Walter faz parte dos seus planos. Num futuro distante, vários séculos depois de holocausto nuclear, a humanidade enfrenta o mesmo desafio que a levou à Terceira Guerra Mundial. Haverá uma solução para o problema energético?

Formatos disponíveis: mobi | epub | pdf
Ler no Blogue: Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 | Parte 6 | Parte 7 | Parte 8 | Parte 9 | Parte 10
Link do Goodreads


Eternas Palavras

Género: Distopia
Todos os livros que lembram a história de um Portugal unido são proibidos e Rui é um funcionário encarregado de os queimar em praça pública. Ao levar um desses livros para casa, está prestes a mudar a sua vida...

Formatos disponíveis: epub | pdf
Ler no Blogue: Parte 1 | Parte 2
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Antologia: Géneros Literários - A vingança é um prato que se serve frio

Género: Ficção Histórica
O duque Franz Ferdinand sobrevive a um atentado aquando de uma visita à Sérvia. A sua esposa Sophie não tem a mesma sorte. Contudo, ele tem um plano para obter a vingança, nem que para isso tenha de enfrentar o imperador.

Esta antologia inclui também textos de Ana Ferreira, Carina Portugal, Liliana Novais, Pedro Pereira e Sara Farinha.

Formatos disponíveis: pdf
Ler no Blogue: Texto
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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A escuridão - Parte 1 de 5


A notícia apanhou-os desprevenidos.

Um momento antes, Rui olhara pela janela, um pouco mal disposto com os solavancos do autocarro. O ar condicionado estava ligado no máximo. A maioria dos passageiros dormia, embalada em sonhos alcoólicos, ignorando os campos envoltos na escuridão que ladeavam a estrada. O rádio em meia voz mantinha o condutor acordado. No regaço de Rui, dormia Débora, uma geneticista de cabelo castanho ligeiramente ondulado, cortado pelos ombros. Os grandes óculos, a saia por baixo do joelho e a blusa de mangas longas e sem decote faziam com que passasse despercebida.

No banco do lado oposto, dormia Rita, a especialista em engenharia nuclear. Tinha olhos azuis, vestia calções de ganga e um top branco, ostentando o cabelo liso num rabo-de-cavalo loiro. Ali viajavam os maiores especialistas do país, forçados a viver num local remoto por causa da guerra. Estavam autorizados a visitar a cidade uma vez em cada dois meses, com intuito ver familiares que já lá não viviam, uma desculpa para se poderem divertir e apanhar uma bebedeira.

De súbito, a música foi interrompida.

– Notícia de última hora! Há poucos minutos as forças ocidentais tomaram a praça central de São Petersburgo – o jornalista gaguejou. – Há evidências que várias ogivas nucleares foram lançadas pela aliança sino-russa. Voltaremos a este assunto assim que possível... Espero que isto não seja verdade, senão estamos todos f...

Quando a emissão foi cortada, já o seu batimento cardíaco acelerara e meia dúzia de cientistas saltara do banco. O condutor travou bruscamente, fazendo dois engenheiros cair no corredor e acordando os restantes. A tremer, o motorista quarentão retirou o livro amarelo do invólucro plástico. Ao abri-lo, várias cabeças debruçaram-se sobre as páginas.

Débora olhava-o confusa. O silêncio reinava. O autocarro arrancou, não demorando a atingir uma velocidade vertiginosa.

– Desculpa, adormeci em cima de ti – constatou constrangida, endireitando-se num ápice e observando a agitação – O que se passa?

– Parece que lançaram umas bombas nucleares na Rússia – comentou Rui, procurando esconder o pânico.

– Isso é horrível! – fixou-o nos olhos e engoliu em seco. – Pode ser a última oportunidade de te dizer...

Com uma guinada súbita à esquerda, o autocarro saiu da estrada. Houve gritos. O veículo não se despistara, havia apenas enveredara por um estreito carreiro. Seguiram em grande velocidade e aos solavancos durante uns metros. Sentiu-se sacudido com violência para a direita, seguido de um impacto. Percebeu que haviam destruído uma cancela. Seguiu-se uma derrapagem, imobilizando-se num espaço aberto. O motorista saltou para fora do veículo, correndo em direcção ao portão blindado do abrigo. Os dois soldados à entrada apontaram-lhe as metralhadores de assalto, obrigando-o a parar.

– Pare ou disparamos!

– Protocolo Camões! Protocolo Camões! – anunciou, acenando-lhes com o livro amarelo.

– Não fomos informados de nada – declarou um terceiro, saindo do posto de controlo.

– Acabou de passar no rádio, para além disso, tenho comigo especialistas indispensáveis. Código J2. Não vão querer ser responsabilizados se algo correr mal, pois não?

– Acalme-se, mesmo que quiséssemos deixá-lo entrar, não podemos, não temos os códigos de acesso...

– Eu tenho-os aqui – insistiu, acenando com o livro amarelo. – Não há tempo a perder!

Os soldados afastaram-se e o motorista aproximou-se do painel. Os cientistas abandonaram o veículo, ajuntando-se em frente à porta blindada. O tenente inseriu a chave na ranhura e rodou. O motorista introduziu o código que um dos soldados lhe ditou em voz alta a partir do livro. Esperaram em silêncio mas a porta nem se mexeu.

– O protocolo Camões foi activado! – anunciou um dos soldados, abandonando a sala de comunicações.

Vinha esbaforido e era seguido por outros dois. O portão blindado da construção imponente de betão massivo começou a mexer-se. Rui notou que Rita se posicionara do seu lado direito, observando o procedimento com um ar sério. Apesar da gravidade da situação, não conseguiu deixar de admirar os seus belos olhos azuis. Sentiu-se empurrado com força. Vários cientistas lançaram-se à brecha, rastejando e agredindo-te como animais em desespero.

Um disparo fê-los imobilizar.

– Um de cada vez! – ordenou o tenente, um homem alto e atlético, apontando ainda a metralhadora para o ar. – E vocês vão buscar o conteúdo do paiol e da dispensa.

Quando as munições e comida estavam no interior, o tenente voltou a rodar a chave, retirando-a de seguida. O portão fechou-se com a mesma lentidão com que se tinha aberto.

Quando as luzes se acenderam, o interior era um armazém espaçoso.

– Vamos ter de ficar aqui? – duvidou Rita, observando o interior vazio e cinzento.

– Segundo o livro amarelo, há uma parte habitável, quatro metros abaixo da superfície – informou o condutor.

Avançaram até encontrarem outra porta blindada, numa das paredes laterais. Introduzidos chave e código, esta abriu-se quase de imediato, dando acesso a uma escadaria. Desceram os dois lanços de escadas, atravessando outra porta, a qual não precisou de nenhuma autenticação.

Deparam-se com um espaço circular vazio, continuaram em frente até chegarem a uma sala cheia de painéis. O especialista informático lançou-se sobre o teclado, começando a digitar comandos num ritmo frenético.

– Porreiro, parece que temos ligação de satélite com o exterior!

O resultado não tardou a aparecer nos ecrãs. Milhares de linhas que definiam as trajectórias dos mísseis intercontinentais. Sobre cerca de um quarto das cidades do planeta havia o ícone nuclear. A cada segundo o número crescia, marcando as cidades atingidas.

Uma gargalhada irrompeu o silêncio. Débora começou a chorar baixinho, abraçando-se a Rui. Houve outros que deixaram as lágrimas correr, mas a maioria ficou silenciosa, de olhar fixo nos monitores, sem saber que não voltariam a ver a luz do sol.


Este conto foi originalmente publicado no blogue Fantasy & Co.

sábado, 3 de agosto de 2013

Leitores beta encontrados: A menina dos doces

Queria agradecer a avalanche de emails que recebi!

Na postagem de ontem, que podem encontrar aqui, pedia-se leitores beta para o meu livro "A menina dos doces". O feedback obtido foi extraordinário e prometo responder a todos os emails recebidos (o que poderá demorar um ou dois dias a acontecer).

Queria agradecer também à Ivonne Zuzarte, Ana C. Nunes, Carla Pais, Silvana Martins e Olinda Gil pela ajuda na divulgação do meu pedido (espero não me ter esquecido de ninguém). Um agradecimento especial ao Blogue Morrighan.

Com a vossa ajuda, tenho a certeza que o projecto será levado a bom porto.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Procuram-se leitores beta: A menina dos doces



Procuro leitores beta para o livro A menina dos Doces.
Leitor Beta é aquele que tem por hábito ler, pelo menos, 1 a 2 livros por mês. Espera-se que tenha uma língua afiada para a crítica, ajudando assim o autor a melhorar a sua obra.

Quem procuro?
- Leitores (m/f) que apreciem romances de aprendizagem.
- Idade mínima 16 anos.
- Leitores que assumam o compromisso de ler a obra na íntegra e sobre ela emitir uma crítica/sugestões (construtiva (s) de preferência) no seu todo (personagens, enredo, cenários, etc…), haverá um pequeno formulário para ajudar nessa tarefa.
- Pretendo no mínimo 5 leitores Beta.

O que procuro?
- Opiniões sinceras e honestas! Nada de leitores passivos que apenas absorvem o que gostaram. Preciso de gente com fibra que opine genuinamente sobre o que leu, que saiba fundamentar a crítica, no sentido da qualidade da obra. O que está bem, está e o que está mal, tem que se mudar – importante frisar isto!
- Os personagens são credíveis? Consensuais? Profundos? Enfadonhos?
- A história tem ritmo? Prende-te a cada página? Provoca sensações?
- Os cenários estão adequados? Como é o enquadramento das cenas?
- No final das primeiras páginas o que prevês que aconteça ao enredo?
- O final do livro é previsível? Envolves-te ao ponto de sentir todas aquelas emoções?
Todas as gralhas, erros frásicos e de construção podem também ser apontados, embora esse não seja o objectivo desta leitura.

Se achas estar preparado para ler e opinar, manda-me um email para pedromrcipriano@gmail.com e fala-me um pouco de ti. Conto contigo!


A menina dos Doces

A vida académica reserva muitas surpresas a Mariana. Entre as novas amigas e um possível namorado, a maior reviravolta é a existência de uma falecida prima, cuja memória foi ostracizada pela família. À medida que os pais se escondem em mentiras e abusos de autoridade, Mariana vai conhecendo Liliana através do diário que ela deixou. Valerá a pena perseguir um segredo que coloca em causa a estabilidade familiar?

Esta postagem não é totalmente original, "roubei" muitas frases à Carla Pais: http://decarlapais.wordpress.com/2013/05/31/procuram-se-leitores-beta/