terça-feira, 22 de maio de 2012

A queda de von Reichenau - parte 3/3

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-parte-1.html

A segunda parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-segunda-parte.html

Quando recuperou os sentidos, sentiu-se muito estranho. Não fazia a mais pequena ideia de quanto tempo estivera naquele estado, nem onde estava. Abriu os olhos e tomou consciência de que se encontrava dentro de um avião. O Dornier estava em pleno voo e estremecia vigorosamente. Tentou focar o pensamento e concentrar-se sem conseguir. O avião tinha um único compartimento. Além dele mesmo, parecia haver somente outras duas pessoas a bordo. Reconheceu imediatamente o médico e oficial Dr. Flade. O piloto praguejava com ele, parecia estar a ter dificuldades em manobrar o avião. De repente, Walter apercebeu-se que estava amarrado a uma cadeira de rodas. Tentou falar mas só conseguiu articular alguns sons sem nexo. Tentou levantar a mão mas esta parecia não responder, assim como os pés. Somente conseguia mexer ligeira e desordenadamente os dedos. Este estado assustava-o, sentia-se impotente. Decidiu então deixar-se ficar imóvel, na esperança que aquele estado passasse depressa. A dor intensa voltou e Walter finalmente lembrou-se do que se tinha passado. Todos os acontecimentos desse dia ficaram subitamente vivos na sua memória. Walter tentou lutar contra a dor, não podia ficar inconsciente novamente. Apesar da dor ser forte, ele ainda a conseguia suportar. A situação devia ser grave, para se darem ao trabalho de o meterem num avião ao invés de o tratarem no hospital militar. Perguntou-se a si mesmo sobre o que se teria passado, enquanto estivera inconsciente. Será que os russos tinham montado uma ofensiva surpresa e chegado perto da sua posição, e ele estava a ser evacuado? Será que tinha sido ferido durante a batalha? Será que alguém tinha convencido um soldado revoltado ou espião russo a matá-lo? Será que os ingleses tinham lançado pára-quedistas assassinos em Poltava? Mas como é que alguma dessas hipóteses podia ser possível se não se recordava de nada? Concluiu que nada disso era humanamente possível, só podia ser realidade se estivesse muito doente. E esse pensamento foi uma revelação: estava doente, e era grave.
Em negação, a sua mente tranquilizou-o imediatamente, criando uma alternativa à realidade: podia ser apenas um pesadelo, tudo parecia demasiado irreal. Porém, desde criança que não tinha um sonho que considerasse tão plausível como este. A verdade é que, na maior parte dos dias, nem sequer se lembrava do sonho que tivera durante a noite. Para além de tudo, sentia demasiado desconforto para ser somente um sonho.
E se não fosse um sonho?
No seu íntimo, perguntava-se sobre o que aconteceria se morresse. Tentou afastar essa ideia. Ainda só tinha cinquenta e sete anos, era novo demais para morrer. Esse pensamento reconfortou-o durante alguns segundos, enquanto a dor de cabeça se intensificava. Sem se dar conta, começou a entrar em pânico. O avião estremecia cada vez mais. Talvez estivesse no meio de uma tempestade ou sido atingido por um caça inimigo. Mas isso não era possível, a Rússia já não tinha aviões nem pilotos capazes desde o infanticídio aéreo do ano anterior. Só podia ser uma tempestade. Os dois soldados continuavam a falar alto e desordenadamente mas, para aumentar o desespero de Walter, ele não conseguia perceber o que diziam, porque nenhuma das palavras fazia sentido na sua cabeça. O pânico intensificou-se, como era possível que não conseguisse entender o que diziam? Estaria a ficar maluco e a perder capacidades?
De seguida, o pânico desapareceu e veio a calma. Provavelmente iria morrer mesmo que o avião não se despenhasse, e talvez fosse melhor assim. A dor era intensa e sentia-se desorientado. Se morresse agora não haveria grande problema, aliás, este estado não lhe permitia comandar absolutamente nada. Já dera tudo à nação, já podia morrer em paz. Conseguia aceitar isso com naturalidade. Fechou os olhos, sentia-se cansado de lutar para se manter acordado quando lhe apetecia dormir, dormir durante muito tempo. Tinha feito a sua parte, não se arrependia de nada do que fizera na sua vida. E também não tinha pena daquilo que ainda não tinha feito e que quase certamente já não iria fazer por ser quase impossível. Tinha servido a Alemanha nas duas guerras, dando sempre a sua total dedicação. O seu sucessor seria Paulus, o qual estava sem dúvida à altura da tarefa. Um dia também ele chegaria ao posto de Generalfeldmarschall ou até mesmo a comandante supremo, tinha todas as características necessárias. O sexto exército continuaria nas suas mãos. Era o exército mais bem treinado e melhor equipado do mundo, era invencível. A Rússia seria derrotada ainda esse ano. Os judeus seriam exterminados da face da terra pouco depois. Ele seria recordado como um herói que dera a vida pela Nação e uma grande estátua seria erguida em sua honra. A Alemanha obteria a vitória final contra todos os seus inimigos, todos os alemães ficariam juntos numa única Nação que decidiria o destino de todas as outras nações do mundo durante pelo menos três milénios. Tudo seria perfeito! Essa visão do futuro encheu-o de alegria, já não sentia dor. Sorriu. E depois, veio a escuridão eterna.


FIM


Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A queda de von Reichenau - parte 2/3

A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-parte-1.html

No entanto, e apesar do optimismo, nem tudo lhe estava a correr como gostaria. Recentemente, Hitler tinha pessoalmente proposto o seu nome para Comandante Geral das Forças Armadas. A proposta agradava-lhe, entendera-a como recompensa pelo seu magnífico trabalho, mas fora recusada pelos outros oficiais mais velhos, que não aceitavam servir sob as suas ordens. Alegaram que Walter estava demasiado envolvido na política, algo que a Wehrmacht não via com bons olhos. Walter não se considerava envolvido na política, apenas achava que fazia aquilo que o dever cívico como alemão o impelia a fazer. A verdade talvez fosse que não quisessem servir sob as ordens de um general muito mais novo e, por sinal, muito mais talentoso. Por outro lado, era possível que desconfiassem que havia sido ele a dar a ordem para matar aquelas noventa crianças judias, há cerca dum ano atrás , bem como os outros judeus em Kiev, há cerca de três meses. Se algum dia estes pequenos segredos se tornassem públicos, a sua imagem no exército estaria definitivamente manchada pois, infelizmente, o exército não se regia pelas mesmas regras que a Waffen-SS, as forças armadas da Schutzstaffel, o braço armado do partido. Porém, isso não o preocupava muito. A sua folha de serviço já contava com trinta e oito anos de serviço militar, sem falhas, ao serviço da Nação, o que o tornava praticamente intocável. Definitivamente, ele não era somente mais um entre os outros, aliás, sem ele a Wehrmacht nunca teria conseguido conquistar a Polónia nem a França tão rapidamente nem com tão poucas perdas. Bastava que olhassem para o que acontecera na outra guerra. Era uma pena que a maioria deles não conseguisse, ou não quisesse, reconhecer o seu génio militar.
Ele tinha noção que não era o único que sabia o que fazia. O antigo chefe de pessoal, e agora comandante do seu sexto exército, Friedrich Paulus, tinha também um potencial muito promissor. Era organizado, metódico e inteligente, o que eram qualidades fundamentais no seu ponto de vista. Se algum dia deixasse o comando deste teatro de operações, Paulus seria provavelmente o seu sucessor. Walter conseguia ver isso cada vez que discutia as possíveis estratégias a adoptar com Friedrich. Paulus era possivelmente uma das poucas pessoas que compreendia e conseguia aplicar correctamente todos os conceitos estratégicos de uma guerra moderna. Quando ele organizava qualquer coisa, normalmente decorria sem incidentes.
Outro dos problemas que o preocupava era o dos contra-ataques russos, que estavam a ser particularmente intensos e organizados desde as últimas semanas. O Inverno estava a ser especialmente rigoroso, provavelmente o mais rigoroso das últimas décadas, com um frio incrivelmente intenso e paralisante. Na verdade, Moscovo só escapara à sua queda devido ao Inverno, que viera mais cedo que o normal. Os motores dos tanques e dos aviões congelaram, enquanto os soldados se viam forçados a cavar trincheiras para se abrigar do frio. A Alemanha não conseguia usar totalmente o seu potencial militar nestas condições, que se assemelhavam em muito às condições de há trinta anos atrás, mas isso não seria um problema sem solução. A próxima Primavera traria, com o fim do frio, um reiniciar das operações ofensivas e, consequentemente, o termo da ditadura bolchevique de Estaline.
Terminou a sua caminhada e voltou para o seu escritório. Não gastou muito tempo a mudar da roupa de desporto para o seu uniforme oficial, colocando por último o monóculo no olho direito. De seguida, sentou-se na sua cadeira almofadada, começando a estudar o mapa que jazia estendido sobre a mesa. Tirava notas no seu bloco, estudando as diversas possibilidades de movimentação, ataque e defesa das diversas divisões presentes no terreno.
Nascera em Karlsruhe, filho duma família prussiana com uma longa linhagem nobre. Era geralmente conhecido como Generalfeldmarschall von Reichenau, o homem que subjugara a França em cinco semanas, um feito que ficaria eternamente na história da Alemanha e do mundo. Walter nunca conseguia disfarçar o orgulho que sentia ao imaginar as crianças dum futuro longínquo a aprenderem na escola a história dos seus grandes feitos, como hoje aprendiam os feitos do Imperador Barbarossa.
Às doze horas em ponto, dirigiu-se para a sala de jantar para tomar o almoço. Comia habitualmente sozinho pois era raro ter companhia que estivesse no seu patamar social. Em muitos países, a ascendência já não contava em nada mas, felizmente, a Alemanha era uma excepção. A Rússia não era e isso era uma de muitas razões para a odiar.
Assim que se sentou, o cozinheiro começou a servir-lhe o almoço. Era lombo de porco assado no forno, acompanhado por batatas. Para acompanhar, iria beber um bom vinho tinto francês.
Walter comeu e bebeu com gosto, até que uma dor fortíssima o atingiu na cabeça deixando-o inconsciente.

Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

domingo, 20 de maio de 2012

A queda de von Reichenau - parte 1/3

Walter acordou por volta das seis da madrugada. Como habitual, vestiu a sua roupa ligeira de caminhada, uns calções e uma camisola de cavas. Segundo alguns, que faziam piadas acerca da quantidade e qualidade da roupa que usava para fazer exercício no Inverno, a indumentária não era a mais apropriada para o frio. Quem pensava assim só podia ter medo do frio, mas não ele pois o exercício físico iria mantê-lo quente. Saiu de casa. Lá fora, um manto branco cobria tudo à sua volta. A neve de várias semanas já somava quase meio metros nas zonas onde ainda não havia sido retirada. Não nevava e o céu estava limpo. Ao inspirar pela primeira vez aquele ar frio de Janeiro, os seus pulmões arderam-lhe fortemente, como lhe acontecia todos os dias de Inverno. A temperatura devia rondar os vinte graus negativos. Caminhou em passo de marcha rápida à volta dos edifícios do seu posto de comando em Poltava durante quarenta minutos, sempre perdido nos seus pensamentos sobre as tarefas que deveria desempenhar e as decisões que teria que tomar durante o dia.
No dia seguinte, teria de acordar ainda mais cedo de modo a inspeccionar uma das suas divisões de infantaria estacionadas nas imediações da cidade. Suspeitava que os oficiais estavam a ser descuidados em relação a algumas das suas ordens que tinham como objectivo o bom ambiente político dos soldados. Antes do Natal, tinha encontrado várias frases de protesto escritas a carvão nas paredes do seu quartel-general. Por norma, Walter ficava calmo em quase todo o tipo de situação mas, quando leu as frases, não conseguiu evitar explodir de raiva porque as mensagens eram mais provocadoras do que ele conseguia tolerar. “Queremos voltar para a Alemanha” diziam algumas, outras aclamavam “Estamos fartos disto” ou “Estamos sujos, temos piolhos e queremos ir para casa”. Outros foram mais longe, escrevendo “Não queremos esta guerra”. Obviamente, como era normal nestes casos, responsabilizara os oficiais por este incidente. Eram eles quem tinham de responder pelas acções dos seus soldados e lidar com elas e com as respectivas consequências, tal como ele tinha que responder pelas acções dos seus oficiais perante o Alto Comando.
A União Soviética seria novamente atacada assim que a Primavera despontasse. Era isso que o Führer desejava e, por isso, Walter estava disposto a tudo para ser bem-sucedido. Era um membro convicto e dedicado do DAP, Deutsche Arbeitespartei, desde 1932, quando conhecera Hitler pessoalmente e as suas ideias ambiciosas o cativaram. E continuaria a ser, pois acreditava nos mesmos ideais e tinha os mesmos objectivos. Não se arrependia, nem iria fazê-lo tão cedo, de ter doado uma das maiores fábricas de móveis da Alemanha ao partido. Era provavelmente a maior das fatias pertencente aos valores da família, a qual o partido transformou prontamente numa fábrica de munições poucos meses antes da guerra começar. Na realidade, essa doação havia-lhe poupado muito trabalho administrativo, dando-lhe assim oportunidade de se dedicar inteiramente à sua carreira militar, que era a única coisa que no fundo realmente lhe interessava.
A campanha do ano anterior havia corrido muito bem. Na maior parte do tempo, os Panzer limitaram-se a avançar sem resistência pelo meio das planícies semi-desertas. A Rússia estava perto da ruptura e, se a campanha desse ano tivesse semelhante sucesso, aconteceria à Rússia pior do que havia acontecido na Primeira Guerra Mundial. A falta de comida causara uma forte desmoralização e revoltas, que terminaram num colapso completo, assim a Rússia fora forçada a desistir do conflito. Porém, desta vez isso implicaria uma rendição incondicional. As linhas gerais para esse ano já estavam a ser delineadas, e ele estava confiante de que iriam ser bem-sucedidos sem grandes dificuldades. A melhor parte, no seu ponto de vista, era o facto de ser uma das peças chave de todo o plano. Nunca a Alemanha estivera tão perto de se vingar da humilhação que sofrera há quase vinte e quatro anos atrás. E, depois da Rússia, cairia o Reino Unido, que não tinha meios para continuar sozinho a luta na Europa. Os Estados Unidos da América não representavam uma ameaça real, apesar de oficialmente estarem em guerra com a Alemanha, havia algumas semanas. Os japoneses foram esplendidamente eficientes no seu ataque surpresa à principal base naval Norte-Americana no Hawai, que ocorrera no mês passado. Dezenas de navios foram afundados, o que iria, sem dúvida, limitar as operações americanas no Pacífico. Mais uma vitória para os aliados da Alemanha. Em sintonia com o Imperador japonês, Hitler decidira declarar guerra aos Estados Unidos da América.

Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Nächste Haltestelle

Atenção: Texto em alemão. Em breve publico a versão portuguesa.

Ein Tag wie jeder andere, ein Morgen wie jeder andere. Eine Temperatur unter null Grad, an diesem kalten Tag im Februar schneit es. Tatsächlich, die Stadt Hamburg ist nicht bekannt für gutes Wetter, sie hat graue Tage mit viel Wolken und Regen, mehr als die Hälfte des Jahres, und in der restlichten Zeit hat sie Schnee. Die kleinen Flocken fliegen frei mit dem Wind. Man kann niemanden sehen in diesem weißen Mantel. Ich will nicht in diese Kalte gehen, aber letztendlich weiß ich, dass ich raus muss, oder ich komme wieder zu spät in meine Vorlesung.
Als ich die Tür öffne, kommt eine eisige Welle. Die kalte Luft strömt in meine Atemwege mit großem Schmerz. Ich kann nicht durch den Schnee gehen, weil ich nicht geradeaus gucken kann, wenn der Schnee mir in die Augen stösst. Dann muss ich den Kopf hängen lassen. Das erste Mal fand ich den Schnee lustig und ich ging langsam zur Universität, aber jetzt nicht mehr. Die Fahrräder sind alle auf ihren Plätzen, niemand benuzt sie bei diesem Wetter. Zum Glück hat jemand die Straße gefegt, und ich kann ohne Probleme gehen. Gestern bin ich auf diesem Bürgersteig voller Schnee fast hingefallen. Es gibt wenige Leute auf der Straße, und alle haben einen Schneeschirm. Schneeschirm ist eine alberne deutsche Übersetzung für den Regenschirm, den Deutsche bei Schnee benutzen. Weil ich keinen Schneeschirm habe, bin ich schnell mit Schnee bedeckt. Die fünf Minuten zu Fuß zur U-Bahn
Station scheinen fast wie eine halbe Stunde, weil ich immer sehen muss, wo meine Füße sind. Viel Schnee ist geschmolzen, gemischt mit Erde macht es Schlamm aus Pfützen. Es gibt viele Eisbrocken, wo ich zu jeder Zeit ausrutschen könnte.
Am Eingang der U-Bahn-Station Lutterothstraße, als ich den Schnee von mir schüttele sehe ich ein Werbung: Eine Erdbeere in einem Kondom, um von der Gefahr von Aids zu warnen.
Ich gehe die Treppe runter, ignoriere der Fahrkartenautomat. Die Studenten in Deutschland haben immer einige Vorteile, zum Beispiel freie Fahrt mit den öffentlichen Verkehrsmitteln.
Die U-Bahn in Richtung Gänsemarkt wird in drei Minuten kommen. In der Regel verlassen ich in Messehallen die Bahn, um zum Unterricht zu gehen.
Ein Großteil der Bahn ist gestoppt für Reparaturen, das ist sehr ärgerlich für die Reise in die Innenstadt. Es gibt zwei Lösungen: Den Bus, der diese Stationen abfährt oder zurück gehen, am Schlump umsteigen, um mit der gelben Linie auf die andere Seite der Stadt zu kommen: ich mag beides nicht. Aber zumindest arbeiten sie in Deutschland an der Infrastruktur...
Dann sehe ich sie. Blonde Haare, blasse Haut und grüne Augen, geschwollen von weinen. Sie trägt Jeans und einen langen beigen Mantel. Handschuhe trägt sie nicht an den Händen und sie sitzt auf den Sitzen. Das Haar ist nicht sehr lang, vielleicht bis zu den Schultern, aber sie hat die Haare zu einen Pferdschwanz gebunden. Jeden Tag ist sie in dieser U-Bahn Station. Sie wird nicht mehr als fünfundzwanzig Jahre alt sein. Heute habe ich beschlossen, die Routine zu durchbrechen und frage sie, was geschehen war:
- Entschuldigung, was ist los?
Sie sieht mich an, mit Angst in den Augen und verändert die Worte zu einem aggressiven:
- Was willst du? Fahr zur Hölle!
- Ich will dir helfen!
- Ich brauche deine Hilfe nicht!
- Was ist dein Problem?
Ihr Gesicht verändert sie wieder konform, und sie sagt:
- Wenn man tot ist, hat man keine Probleme mehr.
- Laß mich dir helfen!
Ein Ausdruck von Schmerz in ihrem Gesicht:
- Niemand kann mir helfen...
- Aber...
Schon wieder ein aggressiver Ausdruck:
- Geh weg!
Ich entscheide mich dafür, keinen Druck zu machen, in irgendeiner Weise hatte sich die Anzeige der U-Bahn zu "fährt sofort" verändert, das Signal, dass die U-Bahn einfährt.
Die U-Bahn kommt in diese Station rein. Ihre Türen öffnen sich und viele Menschen kommen raus während ich warte einsteigen zu können. Ein Glück, es gibt einen Sitz für mich, das ist nicht normal. Ich schaue durch das Fenster wieder zu ihr. Die automatische Stimme der U-Bahn sagt:
- Zurückbleiben, bitte!
Die Türen beginnen sich zu schließen, Sie hebt den Kopf und schaut mir in die Augen. Die U-Bahn setzt sich langsam in Bewegung, Beschleunigt, und ich verliere sie aus meinem Blickfeld.
Wie immer komme ich zu spät: es ist mir unmöglich mich an den deutschen Stil zu gewöhnen: keine akademische Viertelstunden...
Während der Vorlesung vergesse ich, was passiert ist. Am Mittag fahre ich mit der U-Bahn wieder nach Hause, aber ich erreiche nur die Station Osterstraße, weil die Linie eingestellt wurde.
Ich muss die Station verlassen und komme wieder mitten in den Schnee, heute ist nicht mein Glückstag. Ich könnte zu Fuß über einen Kilometer gehen oder für unbestimmte Zeit auf einen Bus warten. Ich habe mich schon einmal in diesem Stadteil verlaufen, an dem ersten Tag, den ich hier gelebt habe, aber jetzt kenne ich diese Straße gut. Außerdem habe ich jetzt immer einen Stadtplan in meiner Tasche. Es dauert eine Viertelstunde um diese große Straße zu überqueren, Geschäfte und Menschen auf der einen und auf der anderen Seite, das schlechte Wetter verhindert nicht, dass Menschen, Ihr sinnloses Leben aus Kauf und Konsum leben.
Schließlich komme ich an der U-Bahn Station Lutterothstraße an. Manche Menschen warten auf den Bus, um an Ihr Ziel zu kommen, ich frage einen von ihnen:
- Was ist passiert?
Er reagiert mit Gleichgültigkeit, ist verärgert, weil seine Routine gestört ist:
- Heute morgen hat sich eine Frau umgebracht.

Escrevi este pequeno conto para o curso de alemão e acabei por gostar bastante dele.

domingo, 13 de maio de 2012

Prologo alternativo para o primeiro livro da trilogia de Estalinegrado - Quarta e última Parte

O seu coração batia descompassadamente face à antecipação. Um nervoso miudinho tinha-se apoderado dela, nervoso esse que cresceu com cada passo que ele dava na sua direcção, ao ponto de estremecer involuntariamente quando ele lhe pegou na mão. Não conseguiu evitar corar ainda mais. O aperto de mão era firme, sem magoar, mas ao mesmo tempo caloroso. Ela sorriu desastradamente, e ele devolveu-lhe um sorriso caloroso, enquanto acenava afirmativamente com a cabeça. A outra mão juntou-se à dela, de modo a reforçar o que pareceu a Klara uma bênção de um ente superior. Era o acontecimento mais importante da sua vida. Nenhum deles disse absolutamente nada, mas os olhares cruzaram-se durante um breve instante. Então ela apercebeu-se que ele esperava que ela lhe dissesse o seu nome, à semelhança das outras. Klara sentia que todos os olhos estavam cravados nela, mas não se importou, aquele momento era só dela. Nunca imaginara ter um momento daqueles, por isso balbuciou o nome duma forma muito atabalhoada. Não era realmente importante a forma parva como tinha pronunciado o nome, acima de tudo aquele era um momento somente de ambos, pensou ela quando ele lhe largou a mão. Não voltou a olhá-la e seguiu em frente, o momento mágico de Klara tinha terminado.
― Iremos de seguida falar com os engenheiros para podermos discutir os detalhes da proposta principal. ― Anunciou Gustav, dirigindo-se para a porta traseira, abrindo-a e indicando o caminho com o braço estendido e a palma da mão aberta. ― Sigam por aqui, por favor.
Todos eles saíram, sendo Gustav o último e fechando a porta atrás de si.
Nenhum deles voltou ao escritório. Ao fim da tarde, Gustav regressou com um monte de papéis que pousou na mesa de Klara.
― Fräulein Klara, preciso que passe a limpo a acta da reunião para o arquivo. É muito importante, por isso peço-lhe que passe a ser a sua prioridade máxima até estar concluída. ― Pediu Gustav.
Klara olhou primeiro para o monte de folhas escritas à mão e depois para o seu chefe. Gustav parecia satisfeito. Ela não podia perguntar sobre a reunião, porque isso seria interpretado como vontade de saber mais do que era conveniente. De qualquer modo, pensou, devia estar tudo escrito na acta.
Assim que este saiu, todas se aglomeraram à volta da sua secretária. Tentaram deitar as mãos aos papéis para lê-los.
― Parem, ainda vão estragar alguma coisa! Eu vou passar a limpo e depois deixo-vos ler. ― Impôs Klara levantando a voz, de modo a mostrar zelo em relação ao trabalho.
― És muito egoísta! Com esse feitio nunca irás fazer muitos amigos! ― Provocou uma delas desapontada.
Klara ignorou a resposta da colega. Era verdade, ela queria ser a única a ler e, mal acabasse de passar a limpo, iria entregar tudo a Gustav imediatamente. Assim que elas voltaram aos seus lugares, Klara colocou uma folha na máquina de escrever e começou a dactilografar o conteúdo da acta.
Hitler, encorajado pelos generais das Forças Armadas Alemãs, havia pedido aos técnicos da Krupp para averiguar a possibilidade de construir uma super-arma de artilharia capaz de destruir os fortes franceses na fronteira com a Alemanha, que tinham sido recentemente construídos, tal como Klara suspeitara.
Esses fortes eram conhecidos como Linha Maginot, a qual cobria toda a fronteira entre a Alemanha e a França, começando a sul, no norte de Itália, e terminando no norte da Bélgica. Era composta por fortificações bastante modernizadas, consideradas imunes contra qualquer tipo de armamento existente. Os fortes possuíam luz eléctrica e encontravam-se ligados uns aos outros por linhas ferroviárias subterrâneas. Felizmente, a linha de fortificações era mais fraca a norte, pois os franceses não pretendiam deixar passar a mensagem que, caso houvesse problemas, a Bélgica, Holanda e Luxemburgo estariam entregues a si próprios.
Quanto à super-arma, Hitler desejava que as suas munições fossem capazes de atravessar sete metros de betão ou um metro de blindagem, atingindo um alcance muito superior a qualquer artilharia existente.
Gustav escrevera na margem da folha que, possivelmente, Hitler teria em mente uma versão actualizada da Paris-Geschütz, que fora usada durante a Primeira Guerra Mundial. Essa peça de artilharia única, conhecida por Arma de Paris, também fora construída pela Krupp e ficara famosa por conseguir atingir Paris a uma distância de cento e trinta quilómetros, algo que para a época era inigualável. Fora a artilharia com maior alcance alguma vez usada em combate até essa altura. Por infortúnio, só foi colocada em uso quando a guerra se lutava somente nas trincheiras, o que limitou a sua eficácia, sendo os alemães obrigados a usar um projéctil leve para conseguir o alcance desejado. Apesar da fraca precisão e do pouco poder destrutivo da arma, a vida em Paris estagnou temporariamente. A cidade paralisava entre cada disparo, devido ao terror da população. No entanto, ao contrário da Paris-Geschütz em que o maior dano que causara fora na moral francesa, Hitler não pretendia uma arma com uma precisão medíocre, um poder banal e um alcance extraordinário. Ele queria algo que destruísse qualquer fortaleza francesa que se atravessasse no seu caminho. Como as leis da física impediam que se melhorasse em poder destrutivo sem alterar completamente o projecto, uma nova arma teria de ser desenhada.
Apesar de todo o entusiasmo, Hitler não se comprometera definitivamente com a Krupp. Gustav acrescentou no fim da acta que esperava poder retomar os planos que o engenheiro Dr. Erich Müller havia elaborado dois anos antes, a pedido do Alto Comando do Exército Alemão. Seria, caso fosse concluída, a maior arma alguma vez feita, ultrapassando a Paris-Geschütz em todos os aspectos, excepto no alcance.
Enquanto dactilografava, Klara não conseguia deixar de pensar que talvez tivesse testemunhado um momento histórico. Lá fora, as nuvens estavam cada vez mais carregadas, sinal de que não tardaria uma tempestade.


Este prologo foi substituído por outro, já que não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

sábado, 12 de maio de 2012

Prologo alternativo para o primeiro livro da trilogia de Estalinegrado - Terceira Parte

― Bom dia, mein Führer! ― Responderam em coro, dobrando ligeiramente os joelhos e inclinando suavemente a cabeça.
A cabeça de Klara estava num turbilhão. Era provavelmente o momento mais importante da sua vida, ia finalmente conhecer o homem que prometera colocar a Alemanha no lugar onde merecia. As mudanças já tinham começado, a economia crescia sem parar, e outras nações começavam novamente a respeitar a pátria enquanto algumas a temiam. Será que ele a iria cumprimentar, ou limitar-se-ia a passar à sua frente? De que modo deveria ela cumprimentá-lo? Deveria esperar que ele tomasse a iniciativa quando chegasse perto ou deveria ser ela a avançar? Será que ele a iria olhar nos olhos? Será que lhe era permitido olhar nos olhos? Será que a iria achar bonita e atraente? Ela não se achava especialmente bonita, mas sabia que a maioria dos homens não conseguiam parar de cortejá-la de uma maneira quase crónica. Corou ao se aperceber dos seus pensamentos.
― O general Ludwig Beck. ― Apresentou Gustav apontando para o militar que estava mais perto de Adolf.
Ludwig era uns bons centímetros mais alto que Hitler e usava um uniforme militar em tudo semelhante, à excepção das insígnias. Usava também um boné de general, decorado com uma águia no topo, dois cordões dourados por cima da pala e dois ramos de oliveira dourados no meio. Devia ter mais de cinquenta anos, e não tinha barba nem bigode. A face era afiada, o nariz sobressaía e tinha numerosas rugas à volta dos olhos. A sua expressão denotava aborrecimento, sem se esforçar por esconder que considerava uma perda de tempo aquela paragem para conhecer as secretárias.
― O general Werner von Fritsch. ― Aduziu Gustav, depois das secretárias o cumprimentarem como tinham feito a Hitler e ao outro general.
Werner trazia também vestido um uniforme militar e calçava umas botas semelhantes às de Ludwig mas, ao contrário deste, a cabeça estava completamente destapada. Tinha uma grande falta de cabelo no topo, falta essa que era pronunciada pelo facto de o ter penteado para trás. Já tinha numerosos cabelos brancos, especialmente nos lados. Parecia mais novo que Ludwig, devido à sua expressão mais leve e à sua face mais redonda. Usava um monóculo no olho esquerdo e tinha um pequeno bigode quase triangular. As secretárias sorriram-lhe e ele sorriu-lhes de volta.Como se tivessem previamente combinado, todas elas se alinharam no espaço que servia de corredor entre as secretárias. Ao ver isso, Adolf dirigiu-se à mais próxima e deu-lhe um aperto de mão caloroso. Gustav seguiu ao seu lado, parecendo extremamente satisfeito com esse desenvolvimento. Ambos os generais passaram sem se preocuparem em cumprimentar as secretárias, e os guardas tentaram passar despercebidos. Hitler cumprimentou-as sucessivamente uma a seguir à outra, sem pressas, até chegar a Klara, que era a última da fila.


Este prologo foi substituído por outro, já que não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Prologo alternativo para o primeiro livro da trilogia de Estalinegrado - Segunda Parte

Nada digno de nota aconteceu. Passados alguns minutos, as secretárias voltaram para os seus postos desapontadas. Todas tentaram retomar o trabalho, umas de maneira mais séria que outras, mas nenhuma conseguiu ser produtiva devido à tensão do momento.
Klara tinha entrado na empresa há apenas alguns meses. Por ser a mais nova, e ao contrário das suas duas irmãs, ela pudera frequentar a escola e aprender a ler e a escrever. Ajudara a mãe nas tarefas domésticas até aos catorze anos e, mais tarde, trabalhara como ama em casas de famílias mais ricas, cuidando de crianças e efectuando limpezas. Conseguira aquele trabalho devido a um feliz acaso. Gustav passara pela secção onde o irmão dela trabalhava, de modo a ver como as coisas corriam. Ao cumprimentar o encarregado dessa secção da fábrica, perguntara-lhe por impulso se conhecia alguém que fosse de confiança e que pudesse exercer a função de secretária. O negócio estava a crescer e cada vez eram necessárias mais pessoas para manter a correspondência e os ficheiros internos actualizados e organizados. Nem o encarregado se conseguiu lembrar de alguém. Durante o momento seguinte em que tanto Gustav como o encarregado não sabiam o que dizer, o irmão de Klara aproveitou para interromper o silêncio, informando que tinha uma irmã de dezassete anos que sabia ler e escrever e que faria sem dúvida um bom trabalho. Gustav ficou positivamente impressionado com a capacidade de iniciativa do irmão dela e aceitou, sem hesitação, convidá-la para uma entrevista. Klara era uma pessoa organizada e metódica, por isso não teve qualquer problema em conseguir o trabalho, nem desempenhá-lo devidamente.
Quando finalmente conseguiram acalmar-se o suficiente para voltarem realmente ao trabalho, ouviram vozes no exterior. Olharam umas para as outras, novamente surpreendidas, sem saberem o que dizer ou fazer.
Não houve tempo para reagirem pois, no momento seguinte, a porta dianteira abriu-se e Adolf Hitler entrou na sala, seguido por mais dois homens vestidos com uma farda militar e numerosas insígnias nos casacos. De seguida, apareceu Gustav, com os seus papéis na mão e, por fim, dois agentes das SS vestidos de preto, com as suas braçadeiras vermelhas com a suástica preta sobre um fundo redondo branco. Todas permaneceram como estátuas nos seus lugares, umas sentadas em frente das suas máquinas de escrever, outras com papel e lápis na mão, que tinham agarrado há poucos momentos.
O silêncio não durou muito.
Mein Führer, estas são as minhas meninas. Tratam da correspondência, telefonemas, e tudo o que envolva papéis. ― Explicou Gustav, de modo a quebrar o silêncio.
Klara nunca tinha visto Hitler ao vivo. Conhecia a sua face através de fotografias que saíam nos jornais, e a sua voz forte e firme que por vezes ouvia no rádio. A sua baixa estatura saltou-lhe à vista, desapontando-a. Esperava que ele fosse um homem tão forte e tão imponente como as ideias que defendia. O cabelo preto estava penteado para o lado e usava um bigode semelhante ao de Gustav. Klara observou os seus olhos negros enquanto estes perscrutavam a sala. A face oval envergava uma expressão formal e séria, mas não demasiado severa. Era impossível saber o que pensava, nem se estava alegre ou triste, interessado ou aborrecido. Vestia o casaco dum uniforme militar verde-escuro do exército, com uma gravata e uma camisa branca por dentro e um cinto de cabedal preto por fora. As botas altas militares completavam a sua indumentária.
― Meninas, este é o nosso Führer. ― Apresentou-o Gustav.


Este prologo foi substituído por outro, já que não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Prologo alternativo para o primeiro livro da trilogia de Estalinegrado - Primeira Parte

Prólogo – Março de 1936


Os murmúrios das secretárias extinguiram-se subitamente quando um silêncio pesado e tenso instalou-se.
A mudança sobressaltou Klara. Ela pousou as cartas na secretária e deixou de olhar através da janela. Ouviam-se passos no corredor, alguém devia estar prestes a entrar na sala. Tentou voltar ao trabalho pegando novamente na carta que estava no topo. Nesse momento, o patrão entrou no escritório pela porta traseira.
― Bom dia, senhor Krupp! ― Saudara-o a meia dúzia de secretárias quase em coro, esboçando um sorriso.
― Bom dia meninas! ― Respondeu-lhes Gustav num tom amigável, visivelmente satisfeito por ver as faces sorridentes das empregadas, em especial por não estarem a desperdiçar o tempo em conversas como habitualmente faziam.
Vestia o seu fato preto. Dentro do casaco vestia uma camisa branca e uma gravata da mesma cor do fato. Os sapatos eram também pretos e estavam impecavelmente engraxados. A cara era ligeiramente redonda, notando-se a falta de cabelo no topo da cabeça, o qual usava curto. Não apresentava muitas rugas, apesar dos seus sessenta e cinco anos. No entanto, as olheiras acusavam cansaço. Estava impecavelmente barbeado, à excepção dum pequeno bigode rectangular. Trazia um molho de folhas na mão direita, na qual usava também um anel de casamento. Parecia quase tão excitado com o visitante que esperava como o resto das secretárias.
Todas olharam para ele, como se esperassem algumas palavras de inspiração. Ele limitou-se a devolver um sorriso tímido, enquanto se dirigia para a saída, sempre sem parar. Não era necessário mais, todos os seus empregados sabiam que ele era quase um herói nacional.
Klara era muito nova para saber os detalhes, sendo que o que sabia fora-lhe contado pelos outros empregados, quando entrara para a empresa. Pelo que percebera, em 1923 alguns dos empregados da companhia foram mortos durante a ocupação de Ruhr, um distrito no Noroeste da Alemanha, aquando a tentativa de expulsar os soldados franceses duma das suas garagens. A morte desses trabalhadores causou uma onda de revolta popular e de actos de sabotagem. Essa onda piorou quando Gustav organizou um funeral público para as vítimas. Os franceses multaram-no e prenderam-no, o que fez dele um herói da resistência alemã contra os invasores estrangeiros, aura que ainda se mantinha intocável.
Tirou o seu sobretudo castanho do cabide e vestiu-o. Depois colocou as luvas, agarrou no chapéu em forma de coco e nas folhas, saindo de seguida. Sem sequer olhar para trás nem dizer mais nada, fechou a porta suavemente.
Apesar do estado do tempo não ajudar, esperava-se que o dia fosse muito importante para a companhia e para os seus funcionários. O acontecimento que esperavam tinha sido o tema principal de conversa entre todos, durante as últimas semanas.
No instante seguinte, todas as secretárias dirigiram-se para as janelas que davam para a entrada principal, atropelando o espaço onde Klara costumava trabalhar. Todas queriam ver o grande momento da chegada do Führer.
Lá fora só puderam ver uma chuva miudinha e as ruas molhadas de Essen. Algumas pessoas passavam em passo apressado, enquanto outras o faziam mais lentamente com os seus guarda-chuvas.
Não era a primeira vez que Adolf Hitler visitava as instalações da Krupp e, tendo em conta o clima político internacional, provavelmente não seria a última. Nesse dia, Gustav esperava conseguir alguns contractos importantes para a companhia, aproveitando-se da remilitarização da Alemanha.
Oficialmente, a companhia produzia aço e outros equipamentos derivados, especialmente após 1919 devido ao tratado de Versailles, que a proibira de fabricar artilharia. No entanto, desde meados dos anos vinte que começara o desenvolvimento de tanques de guerra, disfarçados como tractor agrícola. Nos últimos anos a sua principal actividade voltara a ser a produção de armas e munições para o exército alemão, que crescia sem parar e na qual a Krupp detinha o monopólio do fabrico de artilharia pesada, do qual não queria abdicar.
Klara não sabia mais do que o óbvio sobre os motivos da visita do Führer, com alguns rumores adicionados. Os rumores que circulavam entre as secretárias tinham começado depois destas terem lido uma carta da Wehrmacht endereçada ao director da Krupp. A carta inquiria sobre o custo da produção de peças de artilharia com certas especificações. Quando Gustav fora informado da carta, decidira imediatamente telefonar de volta de modo a clarificar alguns dos requisitos. Aparentemente, as respostas que obteve não foram totalmente esclarecedoras. Quando o assunto já não podia ser satisfatoriamente discutido por carta nem telefone, Hitler e alguns generais foram convidados por Gustav para visitar pessoalmente as instalações e ouvir o que a Krupp lhes podia oferecer.
Esse foi o ponto de partida para um enorme espaço de especulação entre os empregados. Entre as várias teorias, só havia um dado em comum: os fortes franceses que faziam fronteira com a Alemanha.
Dois carros pretos entraram juntos no caminho de acesso e pararam em frente da entrada principal. Como estavam no primeiro andar, e porque os ocupantes do carro saíram directamente para o interior do edifício, não conseguiram ver quem eram. Fez-se silêncio, na expectativa de que acontecesse algo de extraordinário.


Este prologo foi substituído por outro, já que não estava relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 7/7

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do.html

A sexta parte deste ensaio pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_08.html

Educação


Em Portugal, a educação tornou-se mais acessível durante os últimos cem anos ao ponto de se ter tornado obrigatória para todos. Todavia, a qualidade da mesma fica aquém das reais necessidades. A educação é servida como qualquer outro bem ou serviço, de uma forma impessoal e distante. Sendo que a educação interfere em períodos críticos da formação de valores e personalidade, a sua influência não deve ser desprezada.
Várias imperfeições afectam severamente a qualidade e utilidade da educação, hoje em dia. Pretende-se passar o maior volume de conhecimento possível, aumentando o número de horas que os alunos são retidos nas escolas, contudo, o ensino e estímulo ao pensamento crítico ainda é praticamente inexistente. O pensamento holístico é desencorajado e há uma especialização quase ao ponto do ridículo pois o mundo do trabalho assim o exige, deturpando a imagem global da realidade e descartando todos aqueles que não estão habilitados ou não sou capazes de uma tal focalização. A oferta e procura estão desajustadas criando desemprego em todas as áreas de formação, pois criam-se cursos sem empregabilidade originando armadilhas e becos sem saída para os menos informados. A formação não está completamente acessível a todos, pois propinas e outros custos impedem que realmente haja liberdade de escolha nos caminhos académicos. O racionalismo excessivo em algumas áreas impede a abertura de horizontes para outras dimensões do ser. Por fim, o conhecimento excessivamente teórico e desajustado da realidade faz com que haja um grande hiato entre o que se aprende e o que se pratica.
Convém referir que os factores económicos e políticos condicionam a educação pública que temos, pois há interesses adjacentes à forma como é organizada e, claramente, não são os interesses da população e nem sequer minimamente compatíveis. O panorama nos outros países não é melhor pois, em geral, os mesmos erros são cometidos um pouco em todo o lado, nalguns casos por negligência e noutros de forma intencional.
Em Portugal há a agravante do sistema de ensino ter sido importado de outros países. Usamos a receita, ou melhor, uma mistura de receitas, esperando que resolva os problemas, quando, na verdade, é a a fonte da maioria deles. À semelhança de outros países, paira sobre os portugueses a ameaça da privatização da educação por via das pressões geradas pela dívida externa, pois pretende-se que este sector fundamental passe para o controlo de empresas sem escrúpulos e cujo único interesse é o lucro.
As consequências de uma educação sem qualidade não são visíveis de imediato, sendo que apenas a geração seguinte as irá reflectir. Infelizmente, os primeiros sinais já surgem, fazendo adivinhar um futuro nada promissor. Os receptores da educação de hoje serão os professores de amanhã, de modo que se poderá cair num ciclo vicioso sem fim à vista.
Existem alternativas a este cenário negro, sendo um exemplo os planos sugeridos por Agostinho da Silva para uma educação ajustada ao meio e à realidade, que junte tanto a teoria como a prática. A sociedade assumiria a educação como uma das suas obrigações, fazendo com que cada um se responsabilizasse por ela. Deixaríamos de ter um tempo, um local e uma idade para a escola, passando a haver uma formação contínua, totalmente gratuita, dada e recebida por todos, estando adaptada às necessidades e que abrisse os horizontes a todos.
É pertinente questionamos-nos se dará Portugal um exemplo de uma educação de qualidade ou continuará a copiar os paradigmas estrangeiros.

Conclusão


No próximo século, vários desafios se apresentarão a Portugal e ao seu povo. Este artigo abordou alguns desses desafios com destaque para algumas tendências. Contudo, reconheço que está incompleto e, por vezes, tendencioso devido às minhas convicções. Seria de uma arrogância imperdoável assumir o contrário.
No geral, dois caminhos foram apresentados, um primeiro em que as tendências actuais são seguidas com os seus defeitos até ao extremo; e um segundo em que há uma ruptura em relação a essas tendências e se evolui por outro caminho, guiando o país para uma realidade deferente. Não me considero pessimista ao ponto de afirmar que se seguirá pelo primeiro caminho, nem idealista afirmando que se se seguirá o segundo. As minhas expectativas, que espero ser mais realistas, apontam-me para um caminho intermédio.
Daqui a 100 anos o mundo terá mudado e, com ele, Portugal. Diversos autores escreveram sobre o futuro, muitos expressando as suas preocupações, as quais hoje nos parecem excessivas mas que, pelo contrário, ajudaram a despertar a consciência para problemas escondidos. Outros criaram visões de mundos, que a maioria considerou utópicas, talvez numa tentativa de inspirar as gerações vindouras para a construção de um mundo melhor, que ainda não se realizou. Nem uns nem outros acertaram, ficando geralmente a realidade contida entre essas duas fronteiras imaginárias.
Espero que o povo português possa tomar consciência destes desafios e se empenhe numa mudança que não seja arrastada pelas linhas invisíveis de uma elite. Só assim pode Portugal realmente cumprir-se. Um Portugal de Quinto Império: ideal, exemplo e ponte entre a diversidade do mundo.




Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 6/7

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do.html

A quinta parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_07.html

Sociedade

A sociedade transformou-se enormemente no último século. Questionaram-se práticas seculares, a própria organização da sociedade e prometeram-se direitos a todos. Infelizmente, a maioria dessas alterações não tiveram uma repercussão global, sendo que apenas alguns beneficiaram das mesmas. A maioria da população nem sequer sabe da sua existência e outros apenas as olham como algo impossível de acontecer.
Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou um documento intitulado Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento notável que define os direitos fundamentais do Homem. Nunca antes tinha surgido um documento deste género, tão completo e dizendo ser suportado por tantas nações. Porém, convém agora olhar para o outro lado da moeda e tentar ver quantos desses direitos são realmente garantidos. Ao fazer isso, descobre-se que em cada um desses direitos há uma excepção, mesmo dentro das nações que os assinaram. Os que estabeleceram os direitos são, na maioria das situações, os primeiros a negar a sua aplicação na realidade por questões de conveniência e interesse. Sessenta anos depois desta declaração, a maioria dos direitos ainda são apenas uma miragem.
O fim da monarquia prometia o fim da sociedade hierárquica, onde a ascendência definia os papéis a representar. Na verdade, com a república, com a ditadura que se seguiu e com a nova república, o poder limitou-se a mudar de mãos, sem que a sociedade deixasse de estar hierarquizada. A nova organização, imposta e aceite actualmente, prende-se com a capacidade económica. Até as crianças de tenra idade já tomam parte neste jogo insano, criando grupos baseados nas marcas de roupa que vestem ou na riqueza aparente dos país.
A sociedade actual é modelada pelo medo: medo da fome, medo do desemprego, medo da pobreza, medo do terrorismo, medo da guerra, medo das alterações climáticas, medo de epidemias e medo de estranhos. Medos de inimigos visíveis e invisíveis, alguns reais e outros criados e impingidos à nossa sociedade. Sob o medo da fome, milhares são obrigados a emigrar, deixando para trás o seu país e, por vezes, a sua cultura, em nome de uma abundância e prosperidade que nem sempre correspondem à realidade. Sob o medo do desemprego, as pessoas são levadas a aceitar empregos degradantes, tanto para a mente como para o corpo, tornando-se quase escravos dessa parca fonte de rendimento, que poderá cessar quando já não servir os interesses dos patrões. Sob o medo da pobreza, coloca-se o materialismo como prioridade e cresce uma febre de acumular mais e mais, sem se ter consciência que essa atitude é a principal causa da pobreza. Sob o medo do terrorismo, os cidadãos de inúmeras nações são forçados a abdicar da privacidade, liberdade e outros direitos em nome da segurança, que nunca será realidade enquanto servir os interesses dos governantes políticos e económicos. Sob o medo da guerra, milhares são forçados a fugir do seu próprio país e a viver em autênticos campos de concentração, ou então forçados a lutar contra um inimigo pintado como inumano e demoníaco, respondendo à guerra com mais guerra, quando no fundo a guerra só serve os interesses de uma elite, sendo o povo quem mais sofre com ela. Sob o medo das alterações climáticas, é proibido o desenvolvimento económico de vários países, ao invés de se apostar numa mudança racional dos nossos estilos de vida, enquanto isso, os que mais contribuem para essas alterações continuam a manter o seu estilo de vida insustentável, fazendo recair a factura e um complexo de culpa em quem pouca ou nenhuma culpa tem. Sob o medo de epidemias, milhares foram coagidos a tomar vacinas que eram mais perigosas que as próprias doenças, numa atitude criminosa por parte da industria farmacêutica. Sob o medo de estranhos, o ser humano fecha-se cada vez mais em si mesmo, alimentando sentimentos xenófobos num ciclo que se sustenta a si mesmo gerando mais medo e desconfiança, impedindo-o de conhecer o outro e a sua cultura. Esses medos são alimentados porque servem interesses, citando Mia Couto nas conferências do Estoril em 2011: “há quem tenha medo que o medo acabe”, pois é ele que sustenta esta sociedade doente.
Se estas tendências se mantiverem, o mundo irá cair num autêntico pesadelo Orwelliano, em que a população será forçada a aceitar todas as perversões da realidade sem as questionar, por via do medo e da repressão. Uma sociedade em que se abdicará de direitos em nome de uma falsa segurança.
Vimos nos últimos meses, no mundo e em Portugal, o surgimento de movimentos populares que lutam por uma mudança na sociedade. Apesar de muitos dos movimentos estarem ainda em estado embrionário, é bom ver que ainda há pessoas capazes de ter consciência das falhas e, sem medo,  lutar contra elas. Falta ainda coesão, adesão, coragem e renúncia ao comodismo para que esses movimentos produzam alterações na sociedade e, consequentemente, para que esta passe a reflectir as vontades reais da população. Estes movimentos procuram lutar por uma solução alternativa aos problemas inerentes a esta sociedade de repressão e medo que actualmente nos molda e restringe, apesar de muitos não saberem que o fazem ou porque o fazem, acabando por lutar contra os efeitos ao invés de atacar as causas. Contudo, esta abertura de horizontes é necessária, aumento de responsabilidade e participação por parte das pessoas para que estes movimentos não enveredem pelos mesmos caminhos dos do século passado, que acabaram degenerados e distorcidos ao ponto de apenas servirem os interesses de uma minoria, nunca corrigindo os defeitos crónicos da sociedade.
O povo português terá de enfrentar e desconstruir os seus medos com vista à construção de uma sociedade mais humana e justa. Se não o fizer, ficará fechado num ciclo vicioso em que o medo gera mais medo, aceitando as soluções impostas que foram, à partida desenhadas para não resolverem os problemas fundamentais.

A sétima e última parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio.html


Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/
Um excerto desta parte foi comentado em:  http://movv.org/2012/07/19/pedro-cipriano-a-sociedade-atual-e-modelada-pelo-medo/

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 5/7

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do.html

A quarta parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_06.html

Pensamento


A capacidade de pensamento crítico sofreu um declínio durante o último século. Como já referi, a disponibilidade de informação não parece contribuir para uma abertura de horizontes. É claro que a educação contribui de maneira decisiva para a castração do pensamento, contudo, o tema da educação será abordado mais à frente.
A religião, com os seus dogmas; a cultura, com a sua massificação; a sociedade com a sua alergia à mudança e a educação, com sua componente fortemente cartesiana, contribuem para o adormecimento das mentes, anestesiando-as para a realidade. Em vários momentos do século passado a intelectualidade foi fortemente reprimida por via de regimes totalitários, não só em Portugal como no resto do mundo. Nos dias de hoje, essa repressão continua de um modo implícito e não se não se notam grandes diferenças a nível qualitativo em relação ao passado. Todos podem falar, contudo, ninguém diz nada de útil, pois o comodismo e a falta de perspectiva muitas vezes impedem a maioria de contribuir para o fim deste marasmo intelectual. Tudo vale, excepto pensar por si mesmo e questionar.
Esta liberdade intelectual é muitas vezes apenas teórica. Tomando como exemplo a ciência, nem todos os tópicos são bem recebidos, pois os interesses económicos e por vezes, apenas mesquinhos, influenciam os caminhos seguidos pela mesma. Formas de pensar cartesianas, normalizadas e estandardizadas invadiram o panorama intelectual. Passa-se a mensagem de que a capacidade para se ser criativo está apenas ao alcance de alguns. A elite que nos governa não quer que criemos respostas para os problemas, pois prefere que nos voltemos para eles sempre que precisamos de soluções. Até mesmo o comum indivíduo exerce uma pressão para que não se pense diferente da norma. Desta forma a sociedade reprime toda a capacidade de renascimento intelectual. Hoje em dia, ainda é perigoso pensar diferente, pois vários rótulos podem ser atribuídos a quem o faz, desde extremista a lunático, passando por sonhador e utopista. Quando tudo isso falha, as ideias são retiradas do seu contexto para serem ridicularizadas, levando ao descrédito. Nesta sociedade, a maioria não tem uma mente livre, e os que a tem estão fechados em si mesmos, com medo da punição que a sociedade lhes reserva. Esperavam-se grandes mudanças com a queda das monarquias e dos estados totalitários, quando se assumiram estatutos em que a liberdade de pensamento e expressão era um direito fundamental, que não chegaram a acontecer.
A comunicação parece ser mais fácil nos dias de hoje do que era há cem anos atrás, por via do melhoramento dos serviços postais, da disseminação do uso do telefone e do aparecimento da Internet. Independentemente da relevância, muitos procuram passar uma mensagem, seja ela original ou não.
Contudo, falta analisar um ponto relevante. Para haver comunicação: não podemos apenas considerar o emissor, o meio e o receptor, pois a mensagem, relevância e compreensão da mesma são fundamentais. De que serve transmitir para o mundo se nenhuma das pessoas que recebe a mensagem é capaz de a entender? No fim acabamos bombardeados com informação inútil, quando as grandes ideias, problemas e questões são relegados para segundo plano, não conseguindo furar a barreira implacável da não-comunicação.
Se esta tendência se mantiver, o pensamento crítico poderá estar ameaçado. Sem aprender com os erros do passado, cada vez mais, a sociedade procura respostas naqueles que causam os problemas e cada vez mais fica satisfeita com respostas incompletas e tendenciosas daqueles que estão autorizados a pensar. Reflectir sobre a realidade é considerado fútil e, por vezes, até perigoso. Faz falta à população saber que o sonho neoliberal só funciona se a maioria estiver adormecida.
Num cenário alternativo, a maioria reaprende a pensar e não terá medo de o fazer, causando um despertar massivo primeiro de si mesmo e, consequentemente, dos restantes indivíduos. Deixariam de procurar respostas somente nos líderes e, acima de tudo, saberiam produzi-las eles mesmos, para si mesmos. Deixaria de haver medo de questionar. As consciências expandir-se-iam e interagiriam com o mundo, numa simbiose com vista ao aperfeiçoamento mútuo.
Serão os portugueses capazes de se mostrarem acordados e exprimirem o seu pensamento dualistas num mundo em que a maioria está adormecida ou, pelo contrário, irão deixar-se levar pela maré do marasmo intelectual, sendo apenas mais alguns, cada vez mais semelhantes aos restantes?


A sexta parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_08.html

Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/

Foi comentado em: http://movv.org/2012/09/16/pedro-cipriano-a-capacidade-de-pensamento-critico-sofreu-um-declinio-durante-o-ultimo-seculo-a-disponibilidade-de-informacao-nao-parece-contribuir-para-uma-abertura-de-horizontes-e-claro-qu/

domingo, 6 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 4/7

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do.html

A terceira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_05.html

Espiritualidade


A vivência da religião alterou-se grandemente no último século. À primeira vista é fácil concordar com esta afirmação, dando como exemplo que ainda não se contam muitos anos desde que, nas zonas rurais, os homens assistiam à missa separados das mulheres. Contudo, não é desse tipo de alterações que se pretende discutir aqui, já que a ligação entre espiritualidade e religião é cada vez mais ténue e não se pretende redigir um tratado sobre a adaptação das religiões à passagem do tempo.
Aparte da vivência social, a experiência pessoal da espiritualidade tem-se alterado gradualmente. As pressões consumistas e as distracções providenciadas pela auto-estrada da informação furtam tempo que anteriormente era dedicado à vida espiritual. O crescimento do ateísmo pode também em parte ser explicado pelo enfraquecimento da influência da igreja na sociedade, pessoas que anteriormente eram forçadas pela sociedade à participação na vida espiritual são hoje elas a influenciar para que não se tome parte. O crescimento do ateísmo não é só devido à mudança da importância da religião na sociedade, mas também à educação fortemente racional, que não admite inexplicáveis e muito menos crenças. Estas mudanças não são totalmente negativas, já que a espiritualidade deve ser sobretudo uma vivência pessoal.
Os teístas, ou os que se julgam como tal, também mudaram a sua maneira de viver a religião. Muitos são aqueles que praticam alguma religião só porque sim, sem se esforçarem por compreender os fundamentos da mesma. Vivem de ritos, que vêm como receitas que devem ser seguidas à risca e que já ninguém sabe porquê nem para quê.
O crescimento do número seitas lideradas por charlatães, burlistas e extremistas deve-se ao descontentamento com a forma com que as grandes religiões reagem à sociedade. Infelizmente, todo o clero de alto nível é semelhante à politica de alto nível, pois ambas estão imersas em corrupção, em que os factores-chave na tomada de decisões são interesses de individualidades ou elites.
A maioria subestima a importância da espiritualidade na sociedade, considerando-a como um subproduto inútil. Contudo, essa espiritualidade é um dos principais canais para a transmissão de valores entre indivíduos e até mesmo gerações. Felizmente, não é o único canal, pois inúmeros exemplos mostram-nos que é possível a transmissão desses valores por outras vias. Por outro lado, a vivência da espiritualidade aumenta a coesão da sociedade. A desagregação que sentimos hoje em dia é devida à falta dessa vivência, pois cada um está apenas focado em si e nas suas coisas.
Infelizmente a religião tem sido usada, ao longo da história, como meio de justificar incontáveis crimes. Já para não falar no oportunismo da extrema-direita em relação à coesão social gerada pela religião para cumprir as suas agendas. Um exemplo actual disso são as tensões entre cristãos e muçulmanos, que surgiram após o 11 de Setembro de 2001. A culpa dos atentados terroristas foi atribuída a um grupo fanático muçulmano e, a partir daí, a comunicação social e a demagogia política trataram de extrapolar essa convicção para todos os árabes. É fácil perceber que tudo não passa de jogos políticos e de interesses económicos, em que só uma reduzida elite lucra. Após um século de grandes mudanças a nível social, a religião oficial continua no seu lugar de sempre, feita de rituais vazios, cuja única função é o controlo da população.
Se a actual tendência for seguida, cada vez mais a religião estará vazia de significado, mais misturada com concepções políticas e usada como argumento para se realizarem actos abomináveis, tal como aconteceu no último século. A religião estará assim cada vez mais centralizada e tratará os seus fiéis como ovelhas cegas que seguirão sem questionar para onde os seus líderes lhes ordenarem.
Por outro lado, poderá haver uma ruptura. A religião poderá tornar-se mais pessoal, mais espiritual, em que cada pessoa a vive por e para si mesma. Esta vivência privada não implicará o fim das religiões oficiais nem à cessação da partilha da experiência espiritual, mas antes um soltar de amarras em relação à cabeça das mesmas que, em várias ocasiões, mostrou estar doente. Portugal já anteriormente mostrou que isso era possível.
A cada um é colocado o desafio de dar o exemplo para a vivência espiritual genuína, separando-a definitivamente dos interesses políticos e económicos.


A quinta parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_07.html


Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/

sábado, 5 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 3/7



Cultura


A cultura é considerada por alguns um sector secundário da nossa sociedade. Ouve-se muitas vezes dizer que não é importante, pois não enche o estômago nem a carteira. Esse é o sinal mais evidente de que atravessamos uma crise de valores. Pessoas que desprezam a cultura como fundamento e fim em si mesma, nunca serão capazes de contribuir efectivamente para o desenvolvimento intelectual do país, para além de que actuam como uma massa inerte, resistente às mudanças na direcção de uma abertura de consciência para os desafios da humanidade.
Durante o último século, avanços tecnológicos levaram à multiplicação do número de editoras e, com à redução do preço, tornando acessíveis bons livros e numerosas revistas e jornais à maioria da população. Porém, a quantidade de lixo e sensacionalismo aumentou também a um ritmo exponencial. A disseminação da rádio, que passou a estar presente em muitos lares, fez com que a informação e as ideias fluíssem mais rapidamente. Depois, com o aparecimento e estabelecimento da televisão a comunicação assumiu uma nova dimensão. Recentemente, a Internet já entrou na casa da maioria dos portugueses, tornando a auto-estrada da informação acessível a quase todos.
Olhando para esta mudança dramática ocorrida nos últimos anos, seriamos tentados, numa aproximação ingénua, a afirmar que isso contribuiu somente de uma maneira positiva para a divulgação e vivência da cultura. Creio que não há nada mais falso que essa suposição, sendo que a maioria do que é divulgado resume-se ao estilo de vida doentio e insustentável promovido pelos interesses económicos. Bombardeiam-nos e confundem-nos a cada momento com a publicidade da cultura do vazio, uma cultura de relações nada humanas em que uma máquina, um produto ou uma máscara é o interface. Surge então como uma cultura de superficialidade, banalidade e sensacionalismo, que lentamente desvanecendo e destruindo todas as culturas genuínas em nome do lucro de uma elite.
A cultura dos nossos antepassados foi substituída por uma versão mais ligeira, diluída e imediata, em que toda e qualquer referência a espiritualidade ou valores morais é ridicularizada. Alguns lutam pela manutenção de certos rituais, contudo o espírito lusófono raramente existe neles. A maioria apenas quer saber do último escândalo que envolva alguma celebridade ou do resultado do último jogo de futebol, deixando de lado, por exemplo, a leitura de um bom livro que a nossa vasta literatura tem para nos oferecer. É fácil culpar os políticos e os interesses económicos. No entanto, neste caso a culpa não é exclusivamente deles, já que cada um de nós mata o nosso espírito lusófono através da negligência. Depois de um início de século em que a cultura portuguesa renasceu devido à contribuição de muitas personalidades notáveis, a sua existência como cultura viva encontra-se seriamente ameaçada.
Devido à tolerância intrínseca do povo português, o choque de culturas nos séculos anteriores sempre teve efeitos mais ligeiros neste país plantado à beira-mar do que, por exemplo, nos nosso vizinhos europeus. Apesar de terem havido períodos em que se cometeram atrocidades, no geral coabitámos com uma harmonia possível e desejável com os judeus, árabes e africanos. Um dos exemplos dessa convivência foi a miscigenação e abolição pioneira da escravatura, dando exemplo a outros países.
Contudo, a crise de valores que atravessamos está a fazer desaparecer essa tolerância. Pode-se considerar erradamente que não há intolerância hoje em dia pois, apesar de não ser explícita, esta cresce sem parar, não só no mundo como dentro do nosso país. Já ninguém considera possível realizar as atrocidades racistas que aconteceram no século XX, contudo a descriminação continua bem presente, desta vez duma forma silenciosa. A desigualdade de oportunidades é o maior sintoma deste problema. Desde dos anos setenta que ficou patente que o cultural nunca será bem sucedido e todos o que apostarem nele em detrimento do multiculturalismo estarão destinados ao fracasso.
O crescente movimento de pessoas irá aumentar a tensão entre culturas. Os primeiros efeitos começam a ser visíveis na Europa, quando imigrantes não têm um tratamento igual aos restantes cidadãos, chegando por vezes ao extremo, como é o caso de França. Por vezes, a própria comunicação social culpa etnias inteiras por problemas provocados apenas por alguns elementos, ou até mesmo pela sociedade como um todo, levando essa generalização ao preconceito e aumentando o hiato entre as diversas culturas. Deste modo, caminha-se para uma xenofobia extrema, em que é impossível uma aproximação de pessoas e ainda menos das suas culturas.
Outro caminho possível é o da tolerância e compreensão, onde cada um tem interesse na cultura e etnicidade do seu país, esforçando-se por as entender, viver e representar. Por outro lado deve-se manter uma mente aberta, pronto a receber influências de outras visões do mundo, para assim poder ter uma percepção mais completa da realidade. Em resumo, solução para estes problemas passa por compreensão da sua nossa cultura e o estabelecer uma ponte entre as restantes.
O grande desafio para o próximo século prende-se com a sobrevivência do espírito lusófono face à pressão de uma cultura das massas, vazia e consumista.


A quarta parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_06.html


Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/
Um excerto desta parte foi comentado em: http://movv.org/2012/08/25/a-geracao-copy-paste/
E outro foi comentado em:  http://movv.org/2012/07/25/pedro-cipriano-httpwww-marcosdellantonio-net-durante-o-ultimo-seculo-avancos-tecnologicos-levaram-a-multiplicacao-do-numero-de-editoras-e-com-a-reducao-do-preco-tornando-acessiveis-bons/

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 2/7

A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do.html

Economia


Muito se fala e se escreve sobre a crise, sendo que a comunicação social não nos deixa esquecê-la nem por um momento. Embora muitos expressem a opinião de que a crise que atravessamos seja mais de valores morais do que económicos, eu irei por agora apenas focar-me nos segundos.
A 24 de Outubro de 1929, a Quinta-Feira Negra foi um ponto de viragem. A queda brusca do valor das acções da bolsa de Nova Iorque desencadeou a maior crise económica do século XX. Os mercados entraram num ciclo vicioso colapsando por completo nos dias seguintes. Muitas empresas foram forçadas a fechar portas por via de o seu capital ter literalmente desaparecido numa questão de horas. Seguiu-se uma grande inflação, quebrando ainda mais o consumo e levando milhares ao desemprego. A principal causa deste colapso foi o completo desajuste entre a produção e o consumo, que já se fazia sentir há alguns meses através de uma recessão moderada.
Essa crise propagou-se pelo mundo inteiro, afectando a maioria de todos os países. A recessão daí derivada durou vários anos. Afectando os país consoante o seu grau de dependência dos países capitalistas. Nalguns, colocou no poder e fortaleceu a posição de partidos extremistas que, com discursos populistas, conseguiram o apoio da população. Alguns desses regimes duraram décadas, causando uma estagnação intelectual, uma corrupção dos valores morais, uma degradação da qualidade de vida, culminando no desrespeito pelos direitos humanos. É inegável a responsabilidade desses mesmos regimes comunistas, fascistas e nazistas no escalar do segundo conflito mundial.
Ironicamente, com o começo da guerra, os efeitos da crise foram-se desvanecendo até desaparecerem por completo. A razão para tal era simples, pois o efeito infinitamente destrutivo da guerra balanceara o desequilíbrio entre a produção e o consumo. Durante o crescimento económico espectacular dos anos vinte tal crise era inconcebível, contudo os erros dos passado ajudam-nos a perceber as tendências do futuro. O actual sistema económico gere-se por períodos cíclicos de crescimento e recessão.
O sistema económico actual prevê e necessita de um crescimento continuo e acelerado devido às regras impostas pelas mecânicas modernas de criação e movimento de dinheiro, um ritmo exponencial segundo a matemática. Os empréstimos são o melhor espelho desse mesmo crescimento. Num planeta de recursos finitos isso simplesmente não é possível, traduzindo-se na prática em recessões cíclicas seguidas de recuperação. Uma das maneiras de impedir que isso aconteça é equilibrando a balança do consumo com a da produção. Uma primeira aproximação seria limitar a produção de certos bens de modo a que só o fossem à medida que o mercado os conseguisse escoar. Contudo, essa alternativa não é compatível com o desejo de crescimento exponencial. Quando chega a altura de aprovar as leis, é notório o peso que lobbys com grande volume de capital têm nesse processo. No plano prático, só resta aumentar o consumo, sendo o método mais comum o da publicidade. Todavia, é fácil de adivinhar que nem mesmo a publicidade mais perfeita pode aumentar indefinidamente o consumo, pois a certa altura deixa de haver potenciais clientes com meios para compra-los. A segunda alternativa é a expansão do mercado através da globalização económica que, mais uma vez face ao tamanho finito do nosso planeta, sabemos que não é uma solução viável a longo prazo. As crescentes pressões para a privatização de certos sectores chave da economia são um reflexo disso mesmo. A terceira alternativa é a destruição intencional do produto, método usado durante os primeiros meses da grande depressão dos anos trinta, quando os produtores tentavam em vão aumentar os preços dos seus produtos. Outro método é o da obsolescência programada, uma tendência seguida pelos produtores tecnológicos, em que um equipamento é desenhado de tal modo que, ao fim de alguns anos, se torna obsoleto e tem de ser substituído. Todavia, a maneira mais fácil de realizar este equilíbrio é através de uma destruição massiva, ou seja uma guerra, pois nenhuma outra actividade humana consegue sorver tão grande quantidade de material e mão-de-obra de uma forma tão eficiente.
Pela análise dos ciclos de Kondratiev, que tentam modelar os ritmos de recessão e recuperação global a longo termo, anteriormente descritos, sabemos que estamos numa recessão, caminhando a passos largos para outra crise. No topo disso, há a ameaça do fim do petróleo barato, pelo qual já se iniciaram algumas agressões armadas da parte do Ocidente contra o Médio Oriente. A crise energética está deste modo intimamente ligada à crise económica.
O problema da regulação da economia não é novo nem puramente académico. Numerosas soluções foram já propostas, contudo, a ganância de uma elite previne que estas possam efectivamente ser aplicadas. O poder instituído faz-nos crer que uma economia e moeda globais são a solução para a crise. No entanto, É notório que isso apenas servirá para aumentar o fluxo de riqueza para aqueles que já são ricos, sem que isso melhore em nada a vida dos restantes. Tendemos perigosamente para os ricos ficarem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Um exemplo actual é o caso da União Europeia, em que os estados membros são obrigados a importar produtos que podiam produzir por si mesmos, fazendo com que a sua dívida externa cresça sem parar. As pessoas são obrigadas a aceitar empregos que não querem para pagar os empréstimos que contraíram. Certos países estão lentamente a tornar-se fonte de mão-de-obra barata para outros mais ricos, inclusive dentro da Europa. Os pobres são mantidos pobres para, através do medo, impedirem a classe média de se libertar desta prisão laboral. Em suma, esse ultra-neoliberalismo económico é a escravatura do século XXI.
Na outra ponta da mesa há a economia e moeda locais, prevendo que a riqueza de uma dada comunidade se mantenha relativamente constante, limitando o fluxo de produtos entre comunidades ao mínimo essencial, sendo exactamente o oposto da economia global, na qual se promove um fluxo contínuo de todo o tipo de bens. Projectos promissores foram iniciados em várias cidades europeias e, felizmente, Portugal não se deixou ficar atrás. Apesar de ainda ser quase que uma miragem, se houve dedicação, esforço e essencialmente vontade, poderá ser uma solução viável para os problemas económicos do próximo século. A mudança acontecera quando as pessoas tomarem consciência de que a economia é um jogo que não são obrigadas a jogar.
A questão-chave que se coloca é se continuará Portugal, durante o próximo século, a contribuir para o hiato entre ricos e pobres ou se, por outro lado, será um exemplo na construção de uma economia mais justa e humana

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Para Pensar II

Escrito no dia 30 de Abril de 2012

Depois dos comentários de ontem em relação ao futebol, apercebi-me que a sociedade portuguesa não é mais do que uma sociedade do espectáculo. Não interessa se há desemprego, não interessa se as pessoas são exploradas, não interessa sequer se perdemos a nossa soberania. Desde que haja espectáculo, o português assiste, bate palmas e esquece-se dos problemas realmente importantes.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 1/7

Introdução


É impossível dissertar sobre o futuro de uma nação sem primeiro perceber a actualidade da mesma e das outras que com ela interagem. No caso de Portugal existe o espaço europeu, para o qual esta actualmente virado, e o espaço lusófono, o qual se tem vindo a afastas apesar dos últimos cinco séculos de história.
Os vários sectores da sociedade não podem também eles ser analisados individualmente. Visto que estão fortemente relacionados, ao negligenciar as correlações entre eles, subtraímos o realismo e a abrangência à projecção.
São diversas as tendências e contra-tendências já existentes, cuja importância irá certamente variar. Vimos surgir no século XX várias inovações intelectuais e tecnológicas, as quais mudaram a maneira de percepcionar o mundo. Vimos também surgir inúmeras guerras devastadoras e horrendos crimes contra a humanidade. Sem compreender as causas e consequências dos mesmos, não é possível conjecturar sobre o quanto um país pode mudar durante um século. Os desafios que se apresentam à humanidade neste início de século não são os mesmos que se apresentavam no século passado e, contudo, as aspirações por um mundo melhor continuam bem actuais.
Na maioria dos casos a projecção depende da minha opinião e como tal poderá ser tendenciosa e parcial. Em suma, este artigo pretende definir algumas tendências, preocupações e aspirações, sem, contudo, pretender ser um guia, nem tão pouco um profeta, dos futuros acontecimentos deste século que ainda está no seu início.

Política


Bruxelas, aclamada por muitos como a capital da Europa, nunca esteve tão perto de efectivamente o ser. Durante o século passado, a Europa foi berço dos dois conflitos armados mais mortíferos e destruidores de sempre, que cresceram até uma escala mundial, afectando milhões de pessoas. A criação de uma Comunidade Europeia do Aço e do Carvão foi o primeiro passo para a unificação dos diversos países, numa tentativa de impedir conflitos armados na Europa. A Guerra Fria em tudo contribuiu para fortalecer esses laços. O recente conflito no Kosovo mostrou que essa promessa ainda não foi cumprida.
Devido ao regime ditatorial fascista e fechado que vigorou em Portugal durante metade do século passado e a sua posição periférica na Europa, este escapou à margem das consequências mais nefastas destes conflitos. Viu, no entanto, a partir da década de sessenta, o início do desmembrar do seu império colonialista com a perda de Goa. Poderá até argumentar-se que com a independência do Brasil ou a conjuntura politico-social do mundo ocidental de pois da segunda Guerra Mundial em relação às colónias anunciava que o desmoronamento do império era inevitável, contudo foi com a perda de Goa que essa realidade nos bateu à porta. Esse fim, do que erradamente se julgava eterno, obrigou Portugal a uma revisão da estratégia política e obrigando-o a voltar-se para a Europa que tinha ignorado desde os anos trinta. Ao entrar nesta Comunidade, em 1986, subscreveu implicitamente a participação activa nos assuntos europeus.
A introdução do Euro como moeda única e a abertura das fronteiras, foram vistos pela maioria como passos positivos. Todavia, poucos são aqueles que conseguem ver que esses laços são compromissos que, caso quebrados, irão criar inúmeros problemas.
Com o tratado de Lisboa, as diversas organizações europeias tornaram-se numa só: cada um dos estados membros perdeu parte da sua soberania, delegando-a para União Europeia. Com este passo, os países são vistos meramente como estados, pois perderam a capacidade de intervir e regular diversas áreas-chave. Sessenta anos depois do primeiro tratado e como mais acordos no horizonte, caminhamos lentamente para sermos os Estados Unidos da Europa, um cenário que há cem anos atrás era inconcebível.
O grande problema que se avizinha é o da capacidade e possibilidade de haver uma governação justa nestas condições. Todos sabemos a dificuldade que é tentar criar medidas sentado em Lisboa, quando, por exemplo, não se tem consciência da situação em Évora ou Braga. Actualmente, o poder senta-se cada vez mais em Bruxelas, contudo a mesma questão se levanta: como é que um poder tão fortemente centralizado terá consciência da situação de Portugal ou de qualquer outro país da União Europeia? Para cúmulo, algumas das instituições europeias não são eleitas, apenas nomeadas, furtando ao cidadão a capacidade de ter influência nas decisões.
Este cenário só se poderá desenvolver num de dois sentidos: por um lado, esta união poderá estabilizar e tornar-se permanente, tornando os países em estados; por outro, isso poderá levar à ruptura da mesma, voltado à situação do início do século.
Deixando a realidade europeia de lado e concentrando-nos na realidade portuguesa vejo dois cominhos possíveis no plano político. No primeiro, os mesmos dois grandes partidos, PS e PSD, continuarão a governar indefinidamente, alternando entre si, contentando-se os outros três, CDU, BE e PP, em fazer uma oposição passiva e, esporadicamente, criando uma ou outra coligação com um dos grandes partidos. Os restantes partidos continuarão a existir quase à margem, sem sequer furar a barreira imposta pela comunicação social, chegando ao cúmulo de que a maioria das pessoas só fica a saber da sua existência no boletim de voto no momento em que vai votar. No segundo, haverá maior participação de outros partidos e forças cívicas independentes, um parlamento com outras cores que não o rosa e o laranja que actualmente o dominam, capazes de conduzir Portugal por outros caminhos que mais se identifiquem com a vontade do povo. Criadas essas condições Portugal poderá renovar as suas estruturas de governação, tornando-se um exemplo de governação justa, credível e séria, como defendi na número 6 desta revista.
Os planos para a organização política de Portugal propostos por Agostinho da Silva, mas não só, são exactamente o oposto dessas tendências. Escalar e descentralizar as instituições políticas à medida das necessidades das pessoas, abandonando a representatividade e prevendo uma participação activa de cada um. Prevê também a abertura dos horizontes para a construção de uma comunidade activa no espaço lusófono, tendência cada vez mais esquecida, distante e recalcada por quem comanda os destinos do nosso país. Diversas correntes do bio-regionalismo e seus derivados, apesar de não serem alternativas conhecidas por muitos, mostram ser uma solução possível para os problemas que se avizinham.
O grande desafio político que se coloca para o próximo século é o da existência de Portugal como país autónomo e dos cidadãos como seres humanos livres e independentes


A segunda parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_04.html

Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/

terça-feira, 1 de maio de 2012

Para pensar I

Escrito no dia 25 de Abril de 2012

O dia em que nós livramos da ditadura foi há 38 anos atrás. Quando chegará o dia em que nós livraremos da desigualdade? Dos políticos corruptos? Da hipocrisia? Da Demagogia?