sábado, 5 de maio de 2012

Ensaio sobre o futuro de Portugal, do seu povo e da sua cultura - parte 3/7



Cultura


A cultura é considerada por alguns um sector secundário da nossa sociedade. Ouve-se muitas vezes dizer que não é importante, pois não enche o estômago nem a carteira. Esse é o sinal mais evidente de que atravessamos uma crise de valores. Pessoas que desprezam a cultura como fundamento e fim em si mesma, nunca serão capazes de contribuir efectivamente para o desenvolvimento intelectual do país, para além de que actuam como uma massa inerte, resistente às mudanças na direcção de uma abertura de consciência para os desafios da humanidade.
Durante o último século, avanços tecnológicos levaram à multiplicação do número de editoras e, com à redução do preço, tornando acessíveis bons livros e numerosas revistas e jornais à maioria da população. Porém, a quantidade de lixo e sensacionalismo aumentou também a um ritmo exponencial. A disseminação da rádio, que passou a estar presente em muitos lares, fez com que a informação e as ideias fluíssem mais rapidamente. Depois, com o aparecimento e estabelecimento da televisão a comunicação assumiu uma nova dimensão. Recentemente, a Internet já entrou na casa da maioria dos portugueses, tornando a auto-estrada da informação acessível a quase todos.
Olhando para esta mudança dramática ocorrida nos últimos anos, seriamos tentados, numa aproximação ingénua, a afirmar que isso contribuiu somente de uma maneira positiva para a divulgação e vivência da cultura. Creio que não há nada mais falso que essa suposição, sendo que a maioria do que é divulgado resume-se ao estilo de vida doentio e insustentável promovido pelos interesses económicos. Bombardeiam-nos e confundem-nos a cada momento com a publicidade da cultura do vazio, uma cultura de relações nada humanas em que uma máquina, um produto ou uma máscara é o interface. Surge então como uma cultura de superficialidade, banalidade e sensacionalismo, que lentamente desvanecendo e destruindo todas as culturas genuínas em nome do lucro de uma elite.
A cultura dos nossos antepassados foi substituída por uma versão mais ligeira, diluída e imediata, em que toda e qualquer referência a espiritualidade ou valores morais é ridicularizada. Alguns lutam pela manutenção de certos rituais, contudo o espírito lusófono raramente existe neles. A maioria apenas quer saber do último escândalo que envolva alguma celebridade ou do resultado do último jogo de futebol, deixando de lado, por exemplo, a leitura de um bom livro que a nossa vasta literatura tem para nos oferecer. É fácil culpar os políticos e os interesses económicos. No entanto, neste caso a culpa não é exclusivamente deles, já que cada um de nós mata o nosso espírito lusófono através da negligência. Depois de um início de século em que a cultura portuguesa renasceu devido à contribuição de muitas personalidades notáveis, a sua existência como cultura viva encontra-se seriamente ameaçada.
Devido à tolerância intrínseca do povo português, o choque de culturas nos séculos anteriores sempre teve efeitos mais ligeiros neste país plantado à beira-mar do que, por exemplo, nos nosso vizinhos europeus. Apesar de terem havido períodos em que se cometeram atrocidades, no geral coabitámos com uma harmonia possível e desejável com os judeus, árabes e africanos. Um dos exemplos dessa convivência foi a miscigenação e abolição pioneira da escravatura, dando exemplo a outros países.
Contudo, a crise de valores que atravessamos está a fazer desaparecer essa tolerância. Pode-se considerar erradamente que não há intolerância hoje em dia pois, apesar de não ser explícita, esta cresce sem parar, não só no mundo como dentro do nosso país. Já ninguém considera possível realizar as atrocidades racistas que aconteceram no século XX, contudo a descriminação continua bem presente, desta vez duma forma silenciosa. A desigualdade de oportunidades é o maior sintoma deste problema. Desde dos anos setenta que ficou patente que o cultural nunca será bem sucedido e todos o que apostarem nele em detrimento do multiculturalismo estarão destinados ao fracasso.
O crescente movimento de pessoas irá aumentar a tensão entre culturas. Os primeiros efeitos começam a ser visíveis na Europa, quando imigrantes não têm um tratamento igual aos restantes cidadãos, chegando por vezes ao extremo, como é o caso de França. Por vezes, a própria comunicação social culpa etnias inteiras por problemas provocados apenas por alguns elementos, ou até mesmo pela sociedade como um todo, levando essa generalização ao preconceito e aumentando o hiato entre as diversas culturas. Deste modo, caminha-se para uma xenofobia extrema, em que é impossível uma aproximação de pessoas e ainda menos das suas culturas.
Outro caminho possível é o da tolerância e compreensão, onde cada um tem interesse na cultura e etnicidade do seu país, esforçando-se por as entender, viver e representar. Por outro lado deve-se manter uma mente aberta, pronto a receber influências de outras visões do mundo, para assim poder ter uma percepção mais completa da realidade. Em resumo, solução para estes problemas passa por compreensão da sua nossa cultura e o estabelecer uma ponte entre as restantes.
O grande desafio para o próximo século prende-se com a sobrevivência do espírito lusófono face à pressão de uma cultura das massas, vazia e consumista.


A quarta parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_06.html


Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/
Um excerto desta parte foi comentado em: http://movv.org/2012/08/25/a-geracao-copy-paste/
E outro foi comentado em:  http://movv.org/2012/07/25/pedro-cipriano-httpwww-marcosdellantonio-net-durante-o-ultimo-seculo-avancos-tecnologicos-levaram-a-multiplicacao-do-numero-de-editoras-e-com-a-reducao-do-preco-tornando-acessiveis-bons/

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