A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2013/11/a-passagem-uivante-parte-12.html
Fernando questionava-se como é que o pequeno estado podia ter aspirações tão megalómanas. Mantinham quase um décimo da população em serviço militar efectivo. Cerca de meio milhão de homens combatiam em duas frentes contra os dois estados vizinhos. Para quê, era a questão que poucos se atreviam a fazer em voz alta. E quando alguém ignorava essa regra informal, a policia do exército encarregava-se de resolver celeremente o caso.
Fernando questionava-se como é que o pequeno estado podia ter aspirações tão megalómanas. Mantinham quase um décimo da população em serviço militar efectivo. Cerca de meio milhão de homens combatiam em duas frentes contra os dois estados vizinhos. Para quê, era a questão que poucos se atreviam a fazer em voz alta. E quando alguém ignorava essa regra informal, a policia do exército encarregava-se de resolver celeremente o caso.
–
Imobilizar veículo! – ordenou o
comandante. – Artilharia fixa, 2300 metros às 11 horas.
Fernando
travou a fundo, parando o tanque em poucos metros. A sua posição de
condutor não lhe permitia ver o alvo.
–
Gui, dá-me uma munição explosiva! –
pediu o atirador.
Ouviu-se
o clique da abertura da culatra da arma e da munição a deslizar
para o interior. A artilharia foi trancada logo de seguida.
Houve
um impasse de alguns momentos enquanto o atirador tentava encontrar o
seu alvo. A torre rodou lentamente.
Fez-se
luz por via de um foguete de iluminação. Fernando sentiu-se
pequeno, blindados pintados de verde sob um fundo de xisto e granito
eram tão visíveis como ervilhas no meio do arroz. Ouviram-se vários
disparos, incluindo o do seu próprio tanque, que o deixou meio
surdo. A escuridão regressou um par de segundos depois.
–
Avançar! – comandou o tenente, cuja
ordem se sobrepôs ao zumbido nos ouvidos.
A
resposta do inimigo não se fez esperar sob a forma de alguns
disparos que aterraram nas proximidades. Pareciam estar a apontar ao
acaso, já que não caiam sequer perto do estreito caminho percorrido
pelo batalhão.
– O
primeiro batalhão entrou em contacto com o inimigo – informou o
rádio uns minutos depois.
– A
ponte está guardada por blindados! – reportou um dos tenentes num
tom nervoso.
Não
pode evitar estremecer ao perceber que o seu batalhão acabara de
entrar na batalha. O chão estremeceu com ele, aquando de uma
explosão nas imediações. Os canhões responderam.
– A
segunda companhia está a ser flanqueada. Inimigo às 2 horas –
berraram através do rádio, tentando sobrepor-se ao barulho
infernal.
–
Dá-me uma perfurante! – pediu logo
o atirador.
A
terra tremeu e o chão faltou-lhes por baixo do tanque. A inclinação
do tanque e a queda foi a última coisa de que se apercebeu antes de
perder os sentidos.
***
Sentiu
o sol aquecer-lhe a face. Deixou-se estar imóvel, saboreando aquele
momento. Ao abrir os olhos, o sorriso desvaneceu-se quase
instantaneamente. O que restava do seu batalhão estava cercado por
soldados desconhecidos. A cabeça doía-lhe e o sangue empastava-lhe
o cabelo. O olhar dos seus companheiros transparecia o que se havia
passado.
Precisava
de encontrar Roberto. Havia algo que precisava de lhe dizer.
Escrutinou o pequeno grupo sem encontrar a face dele.
Outro
grupo de prisioneiros era escoltado pelos austurianos. Os soldados
caminhavam cabisbaixos e com um aspecto miserável em direcção aos
restantes. O coração batia-lhe descompassado, pensando que Roberto
poderia estar naquele grupo. Os estrangeiros começaram a espancar um
dos soldados que se atrasara.
Qual
o futuro de um soldado raso capturado? A solução mais benevolente e
honrada era o fuzilamento. Tudo o resto era
demasiado desumano e apenas um adiar do inevitável.
Sentiu
os olhos a humedecer. Talvez o seu tanque tivesse escapado à
emboscada. Ou poderia ter fugido a coberto da noite.
Voltou
a observar cada um dos rostos, incluído os que estavam
feridos. Não o encontrou entre eles. Alguns cadáveres estavam ao
lado e, num impulso masoquista, tentou distinguir quem teriam sido os
seus antigos donos.
Alguém
lhe tocou no ombro. Virou-se. De gatas atrás de si estava um homem
de cabelo encaracolado e olhos verdes. Ao reconhecê-lo, o que
restava da sua esperança morreu. Era o condutor do blindado de
Roberto.
–
Ele quis que ficasses com isso –
disse, estendendo-lhe um envelope.
–
Obrigado – balbuciou sem saber o que
dizer.
Não
estava sequer selado. No interior encontrava-se um único pedaço de
papel com um poema.
“Ó
mar salgado, quanto do teu sal
São
lágrimas de Portugal! ”
Tinha
sido uma boa escolha, pois nesse momento já as lágrimas lhe corriam
pela cara. Porque é que haveria ele de lhe deixar como legado um
envelope com um poema proibido? Os antigos Portugal e Galiza tinham
dado origem a três estados independentes. Qualquer referência ao
passado e à união era proibida.
“Valeu
a pena? Tudo vale a pena
Se
a alma não é pequena. ”
Tudo
tinha valido a pena, mesmo que no fim nunca lhe tivesse dito. Nem
precisava, Roberto sempre soubera.
“Deus
ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas
nele é que espelhou o céu. ”
Levantou-se e fitou os soldados
inimigos. Eles observaram-no um pouco nervosos. O vendaval uivou
através do vale que era suposto a sua divisão conquistar. Largou o
envelope e ele foi levado pelo vento. Os soldados colocaram os dedos
nos gatilhos. O mundo havia-lhe retirado tudo.
Tudo, excepto a escolha do momento da
sua morte.
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