segunda-feira, 23 de julho de 2012

O monstro e a musa - parte 2/12

A primeira parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/07/o-monstro-e-musa-primeira-parte.html

Walter foi separado dos restantes prisioneiros e forçado a caminhar até ao pôr-do-sol. Dormiu ao relento e, na manhã seguinte, prosseguiram viagem depois de lhe terem dado uma magra refeição. A marcha forçada por caminhos agrestes e inclinados estava a consumir-lhe as forças. Os bois e cavalos tinham ainda mais dificuldades, pois viam-se obrigados a carregar as pesadas peças de artilharia que haviam sido capturadas.
Pelos seus cálculos, estavam a penetrar cada vez mais nos territórios selvagens. Aquela faixa montanhosa ibérica separava a Pan-Germânia da Confederação, outrora chamada de Trás-os-Montes. Nunca conseguira compreender o porquê da Confederação insistir em manter aquele enclave na península ibérica quando tinha uma boa porção da América do Sul e ricos territórios em África. Os historiadores falavam de um passado comum que acontecera há quase um milénio atrás. Para além disso, até aqueles rebeldes falavam uma língua derivada do antigo português.
O dia teria ocorrido sem incidentes, se não fosse dois dos prisioneiros terem tentado a fuga. Foram prontamente apanhados e executados sumariamente, como exemplo para os restantes. Ainda o sangue dos dois homens não tinha coagulado, já a marcha continuava.
Andaram o resto do dia e metade do seguinte, terminando a sua jornada numa cidadela, a qual se situava no topo de um planalto. Os portões abriram-se à sua chegada e os guerreiros foram recebidos com aclamações da pequena multidão.
Walter ficou maravilhado enquanto o conduziam através da cidade, a qual não era em nada primitiva. As ruas eram paralelas, estavam impecavelmente pavimentadas e encontravam-se a abarrotar com máquinas a vapor. Os edifícios eram construídos em rocha trabalhada e estavam em bom estado de conservação. Inúmeros teleféricos transportavam tanto pessoas como carga. Era admirável como uma cidade tão sofisticada poderia existir àquela altitude e aparentemente isolada de tudo o resto.
Foi levado para uma construção imponente, que deduziu ser o palácio do governador. Obrigaram-no a subir por uma estreita escada de serviço. Sem qualquer explicação, fecharam-no à chave num quarto dos andares superiores. A divisão era espaçosa e bastante melhor do que esperava. Continha uma cama, uma escrivaninha, uma cadeira, uma estante vazia e um guarda-fatos.
Sentou-se na cama e, sem dar conta, deixou-se estender nela. Adormeceu por via do cansaço, pouco depois.
Acordaram-no inesperadamente, várias horas depois, quando lhe trouxeram comida. O prato continha um pedaço de pão, um bife e alguns vegetais cozidos a vapor. Estava esfomeado, de modo que não levantou objecções quanto à qualidade do prato. Para sua surpresa, fora muito bem confeccionado. Enquanto comia, pôde admirar o pôr-do-sol, já que a varanda estava virada para Oeste. Quando terminou a refeição, levantou-se a custo, pois os músculos estavam extremamente doridos.
Estava no terceiro andar do suposto palácio e o balcão proporcionava-lhe uma vista privilegiada da cidadela. A cidade possuía uma torre de relógio no centro, em frente do que Walter supôs ser a praça principal. As colunas de fumo vindas das extremidades dos teleféricos a vapor mostravam-lhe qual era a fonte de energia de toda a cidade. Avaliou o movimento e deduziu que viveriam ali entre duas a três dezenas de milhares de almas. As muralhas eram espessas e as torres de vigia estavam guarnecidas com diversas peças de artilharia, tanto contra balões como contra outra artilharia.
Voltou para dentro, sentando-se na cama, desanimado. Era pouco provável que a Confederação luso-brasileira arriscasse atacar aquela cidade para o resgatar. O que acontecera nos últimos dias abalara profundamente as suas convicções. Não era só o cativeiro, chocava-o mais saber que os povos bárbaros eram tão civilizados como o resto da Confederação. Foi quase em completo desespero que adormeceu.
Na manhã seguinte foi acordado, pois iria ter uma audição com o governador. Fizeram-no trocar as suas roupas esfarrapadas por um uniforme novo. Deram-lhe um pedaço de pão e um copo de água. Foi então conduzido pelos corredores até ao piso térreo. Pela primeira vez, reparou que o interior do edifício também fora construído em pedra e trabalhado com inúmeros ornamentos. Os tectos continham numerosos frescos. O que mais o desconcertava era que aquelas construções pertenciam à era pós-nuclear.
O salão principal era extremamente espaçoso e a sua abóbada tinha várias centenas de metros quadrados, fazendo lembrar uma antiga catedral. Esperava ver um trono e um líder sentado nele, coroado como os antigos reis, contudo não foi isso que encontrou. O comandante estava no centro da sala, acompanhado por um punhado de homens que supôs serem ministros. Em ambos os lados, mais afastados, estavam alguns soldados.
– Meu caro, espero que tenha gostado da estadia que lhe proporcionei – cumprimentou o comandante, sem quaisquer traços de ironia.
– Quem é o senhor? – devolveu-lhe Walter, pensando que estavam a brincar com ele.
– Peço imensa desculpa, não me tinha apresentado. Deve pensar que não passo de um selvagem, não é isso que chamam às gentes deste território? Eu sou Artur Olivais e sou o líder deste castro – e virando-se para os restantes – e este é o famoso doutor Walter Ramos, o inventor que veio do além-mar.
Walter continuava confuso, questionava-se como é que um líder poderia comandar pessoalmente ataques à Confederação. Era preciso uma grande dose de imprudência para o tentar e sangue-frio para o conseguir.
Artur levantou a mão e fez um gesto. Imediatamente várias cadeiras foram dispostas, formando uma meia-lua em frente de Walter. Sentiu um movimento por trás de si e, ao olhar, descobriu que um dos criados acabara de colocar uma cadeira perto de si.
– Sentemos-nos. Acredito que temos muito que conversar – pediu Artur.

A terceira parte deste conto pode se acedida em:  http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/07/o-monstro-e-musa-terceira-parte.html

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