segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O fruto proibido - parte 2/2


A primeira parte do conto está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.pt/2012/12/o-fruto-proibido-parte-12.html

O navio a vapor cruzava o imenso oceano que dividia os dois continentes. No convés, embalado pelo mar, a mente do cientista divagava no imenso espaço dos pensamentos. Tentou concentrar-se, pois queria de tomar uma decisão.
Não tinha dúvidas que a tecnologia descrita no livro mudaria o mundo. Com ela podia produzir quantidades imensas de energia e a dependência do carvão terminaria. Acreditava que, depois de quinhentos anos de inquisição tecnológica, o mundo merecia uma idade dourada. Contudo, ignorar as prescrições tecnológicas podia colocar a civilização num estado em que se destruiria a si mesma.
Com esse pensamento, debruçou-se sobre a amurada e retirou o livro da sacola. Sem hesitar, atirou-o para o oceano.
Ao voltar para os seus aposentos ficou cada vez mais agitado. Esperava por um alívio que não veio. Mesmo não tendo o livro, o conhecimento impelia-o a agir.
As nuvens negras de fuligem que todas as manhãs se abatiam sobre a cidade eram prova de que este não era o caminho certo. Cada duas toneladas desse ouro negro custava em média uma vida humana. Humberto tinha o poder de mudar isso, só precisava de reproduzir o gerador descrito pelo livro.

***

Ao ligar a centrifugadora, o barulho tornou o ambiente do laboratório insuportável.
A meia noite passara há um par de horas e ele estava sozinho na academia. Era a única maneira de conseguir prosseguir com o seu projecto. Humberto decidiu fazer uma pausa mas, mesmo no corredor, não conseguiu desligar-se mentalmente da sua experiência. Desejava ter uma centrifugadora mais poderosa.
Ouviu a porta do edifício abrir-se com um estrondo. Pareceu-lhe que alguém acabara de forçar a entrada no edifício. Passos ecoaram. Eram muitos pés em movimento.
O coração do cientista começou a bater mais depressa. Soube de imediato qual era a razão de estarem ali. Tentou relaxar nos segundos que restavam antes de eles chegarem. Não tirava apontamentos nem comentara as suas experiências com mais ninguém. Tentou convencer-se que que tudo ficaria bem.
Vários polícias de casaco azul e botões dourados cercaram. Os capacetes ovais faziam com que parecessem mais altos do que realmente eram. Humberto teve de usar toda a sua força de vontade para não mostrar o quão assustado estava.
– Doutor Carvalho, você está sob detenção por infringir as restrições tecnológicas – anunciou o que tinha o maior bigode.
Sem mais explicações, foi escoltado da academia até uma carrinha prisional de rodas gigantes. Assim que as portas duplas se fecharam, os pistons a vapor a colocaram a em movimento. Atravessaram metade da cidade construída em estilo Neovitoriano até chegarem a um imponente estrutura de talhe clássico. Fora levado ao Tribunal Imperial porque quisera dar à Confederação uma fonte quase inesgotável de energia.
Foi conduzido pelos corredores trabalhados. O edifício demorara mais de um século a ser erguido e a aura da construção deixava-o ainda mais desconfortável. Ao entrar na sala de julgamentos, encontrou o tribunal já reunido. Humberto começou a tremer.
– Doutor Carvalho, você é presente neste tribunal por violar as restrições tecnológicas. O que tem a dizer em sua defesa? – acusou o ancião vestido numa toga negra.
– Eu não violei nenhuma restrição! – protestou o cientista, tentado não gritar.
– Ainda não, mas os seus experimentos mostram clara intenção de o fazer. Ou nega que pretende fazer fissuração nuclear?
– Não nego. Eu apenas queria dar à humanidade uma fonte de energia alternativa. Como sabe, o mundo precisa urgentemente disso...
– Não duvido das suas boas intenções, mas a lei é inviolável. Ambos sabemos que não é este o caminho. Tenho muita pena, mas terei de aplicar a pena capital...
– Não chega abandonar o projecto?
– Quem me dera... – sorriu amargamente o Juiz. – O maior perigo não é o experimento, é o conhecimento que tem. Custa-me saber que iremos perder uma mente brilhante, contudo, a sobrevivência da humanidade o exige. Todo o material relativo à experiência deve ser destruído imediatamente e a pena aplicada dentro da próxima meia hora. A sessão está encerrada!
Até ao momento em que foi fuzilado, Humberto não conseguiu sentir rancor, somente tristeza por a humanidade continuar nas trevas.


Este conto foi publicado na Nanozine 7: http://nanoezine.wordpress.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário