sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O Jardim do Éden - Parte 2

Podem ler a primeira parte do conto aqui.

E o Senhor Deus fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida,
bem como a árvore da vida no meio do jardim,
e a árvore do conhecimento do bem e do mal.
Génesis 2, 9



Olhou para o irmão.
― O que fizeste?
Ele olhou-a com um ar amedrontado.
― Nada, juro, nada! Estava aqui e a contagem começou.
― O que é que isto significa? ― insistiu, levantando a voz.
― Não faço ideia. Sei tanto como tu!
O olhar percorreu os monitores: todos tinham a mesma contagem decrescente excepto um. Tinha lá qualquer coisa escrita. Os dois irmãos aproximaram-se. A missiva estava assinada pelo pai e dizia-lhes que em breve a sua vida iria mudar. Tinha chegado o momento de lhes mostrar o passado e dava-lhes a palavra passe para desbloquear o computador central. Amir foi mais rápido que ela, apropriando-se da cadeira e introduzindo a palavra passe no terminal. As credenciais foram aceites, passando a ter privilégios de administrador. O barulho calou-se de imediato.
Bea deu uma volta à sala, tentando conciliar os factos na sua cabeça. Sobretudo não gostava do tom misterioso do pai. O nervosismo miúdo habitual ameaçava tomar conta dela.
― Olha o que eu encontrei! Há aqui milhares de ficheiros que estavam escondidos... ― anunciou Amir, bastante excitado.
Bea olhou para o monitor, onde uma parte da lista interminável preenchia todo o espaço. Os títulos eram um tanto crípticos. Havia um ficheiro para cada um dos que havia habitado ali. Eram perto de uma centena. Excepto eles os dois, todos tinham morrido e sido deitados no incinerador. Muitos também haviam nascido ali, mas os mais antigos não. Descobriram que Amir tinha dezasseis anos e Bea doze. Tudo aquilo era muito estranho.
A revelação apareceu-lhes como um choque. Há sessenta e cinco anos atrás, o mundo tinha sucumbido a uma guerra apocalíptica, que o tinha deixado devastado e incapaz de sustentar vida humana. Tinha havido uma noite total durante anos. Eles eram os bisnetos dos que se haviam refugiado no abrigo quando o cataclismo acontecera. As últimas linhas informavam que as portas estavam programadas para se abrirem quando os níveis de gases tóxicos e radioactividade fossem aceitáveis, ou seja, passado sessenta e cinco anos.
Os irmãos olharam-se, tentando captar as implicações. Quando aquela contagem decrescente chegasse ao fim, poderiam sair dali. Só tinham visto algumas imagens e filmes do mundo exterior. Sabiam que era imenso e pouco mais. Bea não conseguia decidir se estava excitada ou amedrontada com as possibilidades.
Ainda tinham algum tempo antes de as portas se abrirem. O resto dos ficheiros ensinava a caçar, fazer abrigos e outras coisas que não compreendiam para que serviam. Leram-nos a correr, saltando a maioria.
Os últimos cinco minutos passaram-nos em frente à porta blindada, como se pudessem fazer com que se abrisse mais depressa. Bea olhou para o irmão. Parecia determinado. Teve a certeza que ele não sentia os mesmos receios. Num impulso deu-lhe a mão, mexendo freneticamente os dedos dos pés.
As sirenes recomeçaram a apitar, estridentes, e as luzes vermelhas a piscar furiosas. Os segundos esgotavam-se. A contagem chegou a zero. As luzes e as sirenes desligaram-se. Não aconteceu mais nada. Olharam um para o outro. Amir tomou a iniciativa e puxou a alavanca da porta. À abertura da primeira frincha entrou uma porção de ar. As duas imensas lajes metálicas deslizaram com lentidão. Bea sentiu frio. Do fundo vinha uma luz azul e tudo o resto estava mergulhado na escuridão. Assim que a abertura era larga o suficiente, saíram os dois.
À direita e à esquerda algo se mexeu. Havia algumas plantas que trepavam pelas paredes. Bea demorou algum tempo a encontrar a palavra que definia o espaço: Hangar Subterrâneo. A luz exterior cegava-a. Não se comparava a nenhum dos filmes que tinha visto. As cores eram muito mais vivas. De mãos dadas, correram para o exterior.
Sob o céu azul, viram-se rodeados de vegetação. Mal podiam andar. Ouviu-se o canto de uma ave. Algo rastejou um pouco mais à frente. Havia tantas árvores e arbustos diferentes que não sabia os nomes de quase nenhuns. Havia também ervas e flores. Tudo entrelaçado e misturado. Um festim para o olhar. Os cheiros deixaram-na inebriada e os sons em êxtase. Tocou nas folhas, sentido-as vivas e frescas. Passou os dedos pelas suaves pétalas. Um insecto voador passou num voo rasante à sua cabeça. Cada planta tinha um cheiro único. Ao fundo via-se uma montanha. As nuvens do céu tinham padrões que lhe lembravam objectos. Avançaram, sem se importar com os arranhões. Ocorreu-lhe uma palavra capaz de descrever aquilo: paraíso.
Ao passar sobre uma planta espinhosa, reconheceram as bagas escuras.
― Sim Bea, são comestíveis, o pai ensinou-me ― confirmou Amir, retirando uma e levando-a à boca.
Ela fez o mesmo. O sabor era tão intenso e a textura era única. Era melhor que qualquer coisa que já comera. Mais à frente reconheceram outra árvore com frutos comestíveis. E assim foram andando, experimentado cada uma. Até os frutos amargos lhe eram agradáveis.
Quando chegaram à margem de um lago, Bea sentou-se numa pedra.
― Anda! ― pediu o irmão.
― Não posso, as pernas doem-me.
Nunca andara tanto em tão pouco tempo. Bea achegou-se à beira da água e bebeu. Ao erguer-se a mão de Amir tocou-lhe no ombro. Estremeceu. Os braços dele envolveram-na. O coração disparou. Sabia que era errado, mas não conseguia resistir-lhe. Havia algo dentro de si mais forte. Os pêlos do braço eriçaram-se. Os lábios de ambos tocaram-se, como muitas vezes tinham visto os pais fazerem. Por estranho que fosse, a boca dele sabia melhor que os frutos. Se calhar não é errado, pensou, enquanto as mãos do irmão desciam até à sua cintura. Um fervilhão de sensações assaltava-a a cada toque deles.
Despiram as roupas e exploraram-se mutuamente de um modo desajeitado. Inebriada com o odor, acariciou a barba que lhe crescia na face. Sentiu-se húmida. Hesitou e acabou por retrair a mão. Os dedos dele envolveram-lhe o seio direito. A sensação surpreendeu-a tanto que se deixou levar. A cada momento tensão crescia. Era viciante. Por fim, os corpos uniram-se num frenesim, num misto de dor e prazer que não conseguiam interromper. Sentiu contracções incontroláveis e uma sensação desconhecida atingiu-lhe a cabeça. Sentiu que algo era depositado dentro de si. Amir parou e deitou-se a seu lado.
As lágrimas começaram a correr-lhe pela face. Bea começou a chorar também. Abraçaram-se. Ambos haviam compreendido o que os pais não queriam que acontecesse. Ela lembrou-se da palavra que definia a situação: pecado.


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