Jorge rasgou um pedaço da folha mais
próxima e escreveu nela dois pares de coordenadas, as horas e as frotas a
enviar. Apressou-se a desligar o computador, já passava das onze e
vinte e as pálpebras pesavam-lhe toneladas. Um olhar para os
apontamentos relembrou-o que deveria ter passado o dia a estudar para os
exames do fim de semestre.
Arrastou-se até ao quarto e deixou-se
cair na cama. Pousou o papel na cómoda. Sem vontade para se levantar,
meteu as instruções da noite anterior dentro do livro mais próximo.
Programou o despertador do telemóvel para as duas menos um quarto, a
altura em que queria enviar a primeira frota. Puxou os volumosos
cobertores para cima de si e apagou a luz.
De olhos fechados e confortável, fez o
balanço do dia. Duas defesas e uma captura de frota valeram-lhe nove
lugares, colocando-o nos cinquenta melhores. Sorriu, feliz com o
progresso. A sua aliança iria vencer!
O som do despertador fê-lo emergir do
vazio. Estendeu o braço, atravessando o ar gelado, e puxou o telemóvel
para dentro dos cobertores. Iniciou o navegador e ligou-se à sua conta.
Outra incursão pelo frio siberiano do quarto trouxe-lhe o papel com as
coordenadas. Deu a ordem de lançamento. Estendeu o braço do outro lado e
ligou o aquecedor. Programou o despertador para dali a cinquenta
minutos. Antes de devolver o telemóvel à cómoda e fechar os olhos,
confirmou que ninguém o atacava.
Ouviu o despertador no seu sonho vago.
Pegou no telemóvel e lançou a segunda frota. Atirou o telemóvel para a
cómoda. Hesitou, com a mão ainda fora dos cobertores, agarrando-o de
seguida para meter o despertador a tocar a um quarto para as seis.
O barulho irritante do despertador fez-se
ouvir mais uma vez. Pegou no aparelho. Passava pouco das duas e meia da
manhã. Era capaz de jurar que já tinha lançado a segunda frota pouco
antes das três. Ao ligar-se ao jogo foi recebido por uma mensagem em
enormes letras vermelhas, informando-o que estava sob ataque de dois
milhões de naves. Pelos números deduziu que seriam caças e que não valia
a pena reagir, provavelmente seria um falso ataque. Fechou os olhos,
esperando não adormecer até ser hora de lançar a frota.
O despertador arrancou-o da escuridão.
Faltavam cinco minutos para as duas e vinte. O número de naves atacantes
subira para os quinze milhões. Ligou a luz e levantou-se, aborrecido
por ter que ligar o computador. Ao olhar pela janela, surpreendeu-se por
não ver luzes no exterior. Do outro lado havia apenas uma escuridão
sólida. Abriu a porta do quarto e deparou-se com um vazio escuro.
Percebeu que estava a sonhar, decidindo saltar para o infinito de
negrume.
O tom do despertador e a escuridão
rodeavam-no. Não caía, flutuava. Uma sensação de dormência e calor
invadiu-o. O som ecoava-lhe nos ouvidos. Quis acordar, mas cada vez que
abria os olhos o mesmo vazio o rodeava.
Silêncio.
Voltou ao quarto. O despertador tocou
mais uma vez. Agarrou no telemóvel e desactivou o toque. O seu corpo
repousava com uma calma espectral. A palidez aflorava-lhe as faces. Não
respirava. Percebeu então que a culpa era do aquecedor defeituoso. Um
traço de sorriso aflorava-lhe nos lábios.
Esperava sentir tristeza ou medo do que
viria a seguir. Para além de uma urgência em sair dali, não sentia nada.
Uma força irresistível atraía-o para a janela. Aproximou-se dela e
abriu-a, içando-se para o parapeito. Lá fora a imensa escuridão reinava.
Deitou um último olhar ao corpo que jazia naquela cama antes de se
lançar para o vazio. Era hora de partir em direcção às estrelas.
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