segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O Jogador

Jorge rasgou um pedaço da folha mais próxima e escreveu nela dois pares de coordenadas, as horas e as frotas a enviar. Apressou-se a desligar o computador, já passava das onze e vinte e as pálpebras pesavam-lhe toneladas. Um olhar para os apontamentos relembrou-o que deveria ter passado o dia a estudar para os exames do fim de semestre.


Arrastou-se até ao quarto e deixou-se cair na cama. Pousou o papel na cómoda. Sem vontade para se levantar, meteu as instruções da noite anterior dentro do livro mais próximo. Programou o despertador do telemóvel para as duas menos um quarto, a altura em que queria enviar a primeira frota. Puxou os volumosos cobertores para cima de si e apagou a luz.
De olhos fechados e confortável, fez o balanço do dia. Duas defesas e uma captura de frota valeram-lhe nove lugares, colocando-o nos cinquenta melhores. Sorriu, feliz com o progresso. A sua aliança iria vencer!
O som do despertador fê-lo emergir do vazio. Estendeu o braço, atravessando o ar gelado, e puxou o telemóvel para dentro dos cobertores. Iniciou o navegador e ligou-se à sua conta. Outra incursão pelo frio siberiano do quarto trouxe-lhe o papel com as coordenadas. Deu a ordem de lançamento. Estendeu o braço do outro lado e ligou o aquecedor. Programou o despertador para dali a cinquenta minutos. Antes de devolver o telemóvel à cómoda e fechar os olhos, confirmou que ninguém o atacava.
Ouviu o despertador no seu sonho vago. Pegou no telemóvel e lançou a segunda frota. Atirou o telemóvel para a cómoda. Hesitou, com a mão ainda fora dos cobertores, agarrando-o de seguida para meter o despertador a tocar a um quarto para as seis.
O barulho irritante do despertador fez-se ouvir mais uma vez. Pegou no aparelho. Passava pouco das duas e meia da manhã. Era capaz de jurar que já tinha lançado a segunda frota pouco antes das três. Ao ligar-se ao jogo foi recebido por uma mensagem em enormes letras vermelhas, informando-o que estava sob ataque de dois milhões de naves. Pelos números deduziu que seriam caças e que não valia a pena reagir, provavelmente seria um falso ataque. Fechou os olhos, esperando não adormecer até ser hora de lançar a frota.
O despertador arrancou-o da escuridão. Faltavam cinco minutos para as duas e vinte. O número de naves atacantes subira para os quinze milhões. Ligou a luz e levantou-se, aborrecido por ter que ligar o computador. Ao olhar pela janela, surpreendeu-se por não ver luzes no exterior. Do outro lado havia apenas uma escuridão sólida. Abriu a porta do quarto e deparou-se com um vazio escuro. Percebeu que estava a sonhar, decidindo saltar para o infinito de negrume.
O tom do despertador e a escuridão rodeavam-no. Não caía, flutuava. Uma sensação de dormência e calor invadiu-o. O som ecoava-lhe nos ouvidos. Quis acordar, mas cada vez que abria os olhos o mesmo vazio o rodeava.
Silêncio.
Voltou ao quarto. O despertador tocou mais uma vez. Agarrou no telemóvel e desactivou o toque. O seu corpo repousava com uma calma espectral. A palidez aflorava-lhe as faces. Não respirava. Percebeu então que a culpa era do aquecedor defeituoso. Um traço de sorriso aflorava-lhe nos lábios.
Esperava sentir tristeza ou medo do que viria a seguir. Para além de uma urgência em sair dali, não sentia nada. Uma força irresistível atraía-o para a janela. Aproximou-se dela e abriu-a, içando-se para o parapeito. Lá fora a imensa escuridão reinava. Deitou um último olhar ao corpo que jazia naquela cama antes de se lançar para o vazio. Era hora de partir em direcção às estrelas.

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