A visão da suástica preta na enorme
bandeira vermelha fez Marta estremecer. O coração da jovem falhou uma
batida. Piscou os olhos.
Nada.
Não havia nenhuma bandeira. Do outro lado
do largo existia apenas um enorme edifício de tijolo vermelho. Confusa,
afastou-se da janela, virando-se para o quarto pintado de branco com
soalho de madeira. Aproximou-se da mala, aberta no meio da divisão.
– Só pode ser cansaço – murmurou, agarrando nuns jeans.
Aterrara naquela manhã de Setembro em
Hamburgo, ao abrigo do programa Erasmus. Licenciatura em História e
perspectivas de emprego nulas. Não era de admirar que os pais se
tivessem oposto à despesa de viver um ano na Alemanha.
Só pode ser do stress e do sono,
concluiu, relembrando o ambiente de cortar à faca durante a despedida.
Olhou para o portátil sobre a mesa. Estava excitada para contar aos
colegas a aventura em que se metera. A dor de cabeça voltou e fê-la
mudar de ideias. Atirou com os jeans para o armário e decidiu preparar o jantar.
– Achtung! – Gritou uma voz masculina, vinda do exterior.
Espreitou de novo pela janela. O largo estava deserto. A respiração e a pulsação aceleraram.
Agarrou nas chaves da casa e saiu do
quarto. Deteve-se a meio do corredor. Voltou para trás, agarrando num
casaco de malha. As noites eram mais frias do que estava habituada em
Portugal. Abandonou o apartamento, iniciando a penosa descida de quatro
andares. Aqueles prédios já ali estavam desde os anos vinte. Nenhum
deles tinha elevador.
Tomou nota mental para deixar de jogar Wolfenstein,
reduzir na Internet e dormir mais uma hora cada noite. Uma nova cidade,
uma nova vida. Uma boa altura para deixar os velhos vícios, constatou
com um sorriso, galgando os degraus dois a dois.
Apesar de passar um pouco das nove da noite, a rua estava quase deserta. Contornou o prédio dirigindo-se ao largo.
Ao virar a esquina, voltou a ver a
bandeira Nazi a dobrar. Duas enormes faixas vermelhas desciam do
edifício de cinco andares. Meia dúzia de veículos em forma de cabeça de
cachorro estavam estacionados no largo pavimentado. Calculou que
tivessem pelo menos uns setenta anos.
Fechou os olhos e cerrou os punhos,
tentando varrer a alucinação da cabeça. Quando os abriu, o vermelho
berrante feriu-lhe os olhos. Questionou-se como seria possível,
lembrando-se que tais símbolos eram proibidos.
A mão esquerda começou a tremer. Olhou em
volta. Parecia que tinha recuado no tempo. Até as lâmpadas eram
diferentes, só a noite nublada se mantinha.
Um jovem de uniforme preto, com uma metralhadora ao ombro e uma faixa vermelha no antebraço, patrulhava as imediações.
Quis afastar-se dali, mas os pés estava
pregados ao chão. Esperou, como um rato espera que a cobra o devore,
enquanto o soldado completava a ronda. Sem se conseguir mexer, susteve a
respiração. Ele virou e os olhares cruzaram-se. O soldado arregalou os
olhos e os dedos procuraram a coronha da arma. O coração de Marta quase
lhe saltava do peito.
– Fraulein, bitte…
Uma dose de adrenalina percorreu-lhe o
corpo. Virou-se e começou a correr na direcção de onde viera. Ouviu o
destrancar da patilha da arma.
A colisão deixou-a atordoada. Um
telemóvel topo de gama caíra ao chão. Acabara de chocar com um homem de
meia idade. Ainda no chão, levantou a cabeça e olhou para trás. Viu
apenas um jardim vazio e escuro.
Sem se incomodar com o barafustar do
homem, ficou a observar o largo, sem coragem para entrar nele. Esperou
até não aguentar mais o frio. Nada mudou.
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