Nessa noite de fim de Junho, Franz foi recebido em Viena com assombro. O sangue ainda cobria o uniforme e a expressão que trazia fez com que ninguém ousasse enfrentá-lo.
– Chama o Ernst e informem o imperador que quero falar com ele assim que possível – ordenou o arquiduque ao abandonar o carro.
O guarda saiu-lhe da frente num ápice. Um momento depois, atravessava a entrada, encontrando um homem baixo e magro, com um bigode demasiado extensivo, à sua espera. Reconheceu Ernst e fez-lhe sinal.
– Segue-me – pediu Franz, cortando-lhe a palavra.
Não tardou a encontrar uma sala vazia. Ordenou ao primeiro soldado que viu que guardasse a entrada, informando-o que não queria ser interrompido. Apercebeu-se que o homem tremia que nem varas verdes, achando provável que os acontecimentos daquela manhã fossem já conhecidos.
– Quão grave é a situação? Os rumores são verdade? – disparou Ernst, mal a porta se fechou nas suas costas.
– A Sophie morreu – respondeu-lhe, sem ânimo, de olhar preso no vazio.
– O que vamos fazer?
– O que é que achas que devemos fazer? – devolveu, levantando a voz. – Em que é que temos vindo a trabalhar nos últimos dez anos? É a hora de por os nossos planos em prática!
– Mas isso pode começar uma guerra civil...
– As consequências de deixar este velho governar-nos são ainda piores. Ele está parado no tempo e não percebe que este século exige novas medidas. Encontrar-me-ei com ele em poucos minutos. Tenho quase a certeza que ele usará este acontecimento para declarar guerra à Sérvia. Não podemos deixar isso acontecer! Ouve bem, se à saída te der sinal, metes o nosso plano em prática, entendeste?
– Não acha ser uma decisão precipitada?
– Não temos muito tempo. Mas sei que se uma guerra começar, será tarde demais para fazermos algo – declarou, deixando a sala, de seguida.
Observou as expressões de quem se cruzava no seu caminho. Não conseguia perceber se o admiravam ou o temiam, concluindo que ambos os sentimentos lhe serviam. Ao entrar no salão, o imperador já o esperava. Estava sozinho e envergava um uniforme branco, cheio de condecorações, com toda a pompa e circunstância. A fraca luz adicionava um ar soturno à cena.
– Já devias ter mudado de roupa, não fica bem a um arquiduque e candidato ao trono apresentar-se assim – declarou o velho, num tom austero.
– Eu faço o que quero, já falamos sobre isso várias vezes – impôs-se, não se deixando intimidar.
– Ao contrário do teu casamento, não é uma questão que se resolva de ânimo leve...
– O seu uso de ironia está cada vez mais refinado, estou a ver que é um atributo que vem com a idade. O que é que vamos fazer quanto à Sérvia?
– Estamos a preparar um ultimato de tal modo inaceitável, que teremos uma desculpa para lhe declarar guerra. Durante muito tempo achei que não fosse uma boa ideia, mas os acontecimentos de hoje provaram-me que não podemos ficar de braços cruzados. Creio esta vingança te dará um gosto especial...
– Lá porque você perdeu a sua mulher de um modo semelhante, acha que sabe o que estou a sentir. A guerra não é o caminho. Precisamos de nos modernizar antes de nos arriscar-mos a uma guerra. De certo que a França, Inglaterra e Rússia não irão ficar de braços cruzados.
– E deixamos que escapem impunes? Eles mataram a tua Sophie e quase te mataram a ti...
– A vingança é um prato que se serve frio!
– Esta é a oportunidade que esperávamos...
– A nossa marinha tem de ficar tão avançada como a do Império Alemão. É preciso investir nos submarinos e na artilharia pesada. Nem sei se podemos dizer que temos uma força aérea, quando nenhum dos nossos pilotos é militar e os nossos aviões são produzidos a conta-gotas em fábricas não especializadas. O exército também não está preparado para uma guerra desta dimensão, falta-lhe mobilidade motorizada e uniformes mais adequados ao tipo de terreno.
– Aprecio a opinião, mas a minha vontade prevalece. Eu sou o imperador! Já dei ordens para criarem o ultimato e iniciar a mobilização.
– Velho idiota, queres destruir-nos?
– Cuidado como falas comigo...
Franz desabotoou o casaco do uniforme. O imperador olhou-o, receando pela vida.
– Não vale a pena discutirmos, estou a ver que não conseguimos entender-nos. Enquanto não for o imperador, terei de lhe obedecer. Mas, não se esqueça que está velho... – declarou, abandonando a sala.
Franz ignorou Ernst, que o esperava à saída, tendo a certeza que ele vira o casaco desabotoado. Era o sinal combinado.
O imperador morreu na manhã de 29 de Junho de 1914, os médicos apontaram ataque cardíaco derivada da tensão como causa de morte. Foi sucedido por Franz Ferdinand, que tomou as rédeas do poder ainda nessa manhã. Receando a prosperidade do seu vizinho, a Rússia invade a Áustria-Hungria a 4 de Maio de 1919, arrastando França e Inglaterra para a guerra. As pesadas baixas russas causaram a queda dos czares e mergulharam o país numa guerra civil. A parte oriental de França, o Norte de Itália e a Sérvia foram ocupados em pouco mais de oito semanas. A guerra terminou quando a Inglaterra e França aceitaram as condições de rendição, colocando as colónias sobre o controlo dos poderes centrais.
Este conto foi originalmente publicado no blogue Fantasy & Co