Bruno sabia que o inimigo ia chegar a qualquer momento.
Alinhou o avião com a pista e levou o motor ao máximo de rotação. O caça ganhou velocidade, percorrendo a faixa delimitada pela dupla fileira de luzes. Ia a meio da pista quando o aparelho de João levantou voo. Esperou uns segundos e puxou os controlos, consciente que outro avião o seguia. A aeronave deixou o solo, seguindo a de João.
Rangeu os dentes e apertou os comandos com força para não tremer. Era a sua primeira missão e a cidade estava sobre ataque. Faltavam uns minutos para o ano novo e metade dos pilotos estavam bêbados.
– Que altura mais conveniente para um bombardeamento – dissera-lhe Ricardo, momentos antes.
A noite e a poluição luminosa não o deixavam ver quase nada. Continuou a ganhar altitude até ultrapassar a cobertura de nuvens. Descreveu uma longa circunferência tentando localizar os restantes membros do grupo. A luz pálida do luar fê-lo encontrar as silhuetas dos três aviões sob o seu comando.
– Delta Quatro para Deltas. Sigam para Sul – ordenou pelo rádio.
– Delta Um para Delta Quatro. Recebido – confirmou um deles, sendo imitado pelos restantes.
Os colegas formaram num trapézio tridimensional, como tantas vezes haviam treinado.
– Base para Deltas. Alvo a Su-sudest, seis unidades, altitude 1100 metros, visível em dois minutos.
O grupo tomou a nova rota. Ricardo estava bêbado e João andava com a cabeça no ar por causa da enfermeira do F2. O maior trunfo de um piloto é a concentração. Quatro contra seis naquelas condições era arriscado.
Um movimento à esquerda chamou-lhe a atenção.
– Delta Quatro para Delta Três. Caça inimigo às 10 horas – comunicou ao seu par, fazendo o avião ganhar altitude.
Delta Três mudou de direcção, descrevendo um longo círculo, aproximando-se do oponente pela esquerda. Delta Quatro passou várias centenas de metros acima dos dois. Bruno viu o avião de Ricardo, Delta Três, envolver-se numa disputa por uma boa posição para disparar. Bruno deu meia volta, começando a descer e os dois pilotos entraram num movimento em forma de espiral.
Sentiu a aeronave ganhar velocidade, esperando que o par do outro caça estivesse ocupado com os outros Deltas. Os dois combatentes aproximavam-se com rapidez.
– Delta Quatro para Delta Três, cheguei.
Enquanto Bruno passava atrás dos dois aviões, continuando a descer, Ricardo quebrou a espiral, afastando-se. Perdendo o oponente de vista, o inimigo endireitou a aeronave, encontrando-o a umas centenas de metros. Esse foi o seu erro. Bruno usou a velocidade que trazia para subir, aproximando-se pelas costas, vindo de baixo e uns graus à direita, o ponto cego. Disparou duas curtas rajadas, apontando de forma a compensar o movimento do alvo. Deu uma guinada forte para a direita, afastando-se também.
Quando voltou a olhar, a aeronave inimiga deixava um rasto de fumo, o motor fora atingido. Não tardou que perdesse altitude, desaparecendo entre as nuvens.
– Caça inimigo fora de combate. Delta Quatro fez as honras da casa – ouviu Ricardo anunciar.
Os dois pilotos posicionaram-se de modo a poderem cobrir o ponto cego do companheiro, preparando-se para ajudar os outros.
– Caça inimigo fora de combate. Delta Um manda cumprimentos aos Lusos – celebrou João.
– Base para Deltas. Alvo a Nor-noroeste. Quatro unidades, altitude 700 metros. Distância 3000 metros.
O esquadrão deu a volta. O altímetro marcava 1200 metros, calculando que os inimigos estivessem abaixo da linha das nuvens.
– Delta Quatro para Deltas. Vamos acelerar ao máximo e fazer um Eder-Mayer – comandou Bruno, empurrando a alavanca ao máximo.
Os outros demoraram a confirmar, seguindo-o na descida. Ao atravessar a grossa camada branca, percebeu que eles tinham medo de executar a manobra. Todos tinham medo dessa. Conheciam até quem se tivesse mijado ao ensaiá-la em treinos. Quando a névoa se dissipou, viram-se rodeados de escuridão.
– Delta dois para Deltas. Inimigo à uma hora.
Bruno mal conseguia distinguir os contornos. Os quatro aviões continuaram com os motores no máximo. Calculou que se iriam cruzar com eles em dez segundos. Os caças passaram por cima dos bombardeiros. Houve uma breve troca de tiros. Os Deltas continuaram e os oponentes mantiveram a rota. Não havia danos severos. Bruno contou até vinte.
– Delta Quatro para Deltas. Quando eu disser um, virar, quando disser seis disparar, quando disser oito desviem-se. Apontar à cabine. Um – explicou Bruno, dando uma guinada para a esquerda.
– Dois.
O avião virava mais lento do que gostaria.
– Três.
Sabia que só tinham uma oportunidade.
– Quatro.
Nivelou o avião. Os inimigos estavam mil e quinhentos metros à sua frente.
– Cinco.
Apontou para a aeronave em frente. Eles aproximavam-se a uma velocidade vertiginosa.
– Seis.
Premiu o gatilho, esperando que as balas encontrassem o alvo a mil metros de distância.
– Sete.
Lembrou-se que João estava bêbado, só esperava que ele se conseguisse desviar a tempo.
– Oito.
Guinou para a direita, descendo. Os bombardeiros passaram a escassos metros. Ouviu um choque de metais, seguido de uma explosão. Deu meia volta, preparando-se para enfrentar as fortalezas aladas inimigas.
– Delta Um fora de combate.
A surpresa de ter sido Miguel a não se ter desviado só durou um momento. Um dos bombardeiros havia desaparecido, outros dois perdiam altitude rapidamente e o último descrevia uma curva tentando voltar para trás. O perfil estava exposto, tornando-o um alvo fácil. Bruno apontou e disparou contra o alvo indefeso.
A vitória pertencia-lhes. No solo, a cidade ardia com violência.
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