domingo, 11 de setembro de 2016

Chá de Domingo #91: Ainda Sobre o Cyberpunk - Parte 1/5

Aproveitando a onda Cyberpunk gerada pelo lançamento da primeira antologia do género portuguesa, gostaria de partilhar convosco algumas citações que ajudam a contextualizar e a compreender a origem do cyberpunk.


"Apesar de agora o cyberpunk ser visto como um género bem sucedido da ficção cientifica, era bastante controverso quando começou. Mas, era como nós queríamos que fosse. Todos nós tinham, e ainda temos, um desejo incansável e implacável de quebrar os limites da realidade consensual. Se ninguém estiver chateado, então é porque não nos estamos a esforçar o suficiente... Começamos a escrever cyberpunk porque tínhamos um descontentamento forte em relação ao status quo da ficção cientifica, e também com o estado da sociedade em geral."

"Não tinha um manifesto. Tinha só algum descontentamento. Parecia-me que a ficção científica americana de massas a meio do século era frequentemente triunfalista e militarista, uma espécie de propaganda popular do excepcionalidade americana. Estava cansado da América-que-é-o-futuro, o mundo como uma monocultura branca e do protagonista da classe média ou acima. Eu queria tornar-me um espaço de manobra. Eu queria espaço para anti-heróis."

"Eu também queria que a ficção científica disse mais naturalista. Houvera uma pobreza na descrição na maior parte dela. A tecnologia descrita era tão eficiente e limpa que era praticamente invisível. O que seria de qualquer livro de ficção científica se pudéssemos melhorar a resolução? Como era na altura, a maioria dos livros era como os jogos antes da invenção da sujidade fractal. Eu queria ver a sujidade nos cantos."

"A ficção cientifica estava encravada num locus amenus nos anos 80. Podia ir a uma livraria e encontra Arthur C. Clark ao lado da Odisseia ou os livros de Asimov acerca das três leis da robótica. Robert Heinlein ainda estava a produzir sexo e filosofia em série. Mas, apesar dos esforços de uma variedade de inovações literárias, a ficção científica estava basicamente igual há vinte ou trinta anos atrás. Era uma experiência preguiçosa do futuro. Os cientistas faziam coisas competentes, a tecnologia aeroespacial estava na moda, e a política circulava à volta de conflitos entre nações. E então veio o cyberpunk - Pat Cadigan, William Gibson e Bruce Sterling. Foi subversivo e gritty, uma viagem caleidoscópio-poética ao futuro capitalista. Corporações sem face erguem-se acima dos dramas insignificantes do comum mortal, movimentando biliões de dollars e yens à volta do mundo enquanto os humanos da história vivem miseráveis. Eram cyberespaço e cowboys do teclado, casacos de cabedal, implantes de lentes Zeiss, próteses russas modificadas, extinct horses e mirrorshades. O futuro era bizarro e ameaçador - e também estranhamente real."

"A tecnologia não é neutra. Nós estamos dentro daquilo que fazemos, e ela está dentro de nós. Nós vivemos num mundo de ligações - e faz diferença quais fazemos e cortamos."
- Donna Hardaway

Podem encontrar a segunda parte deste artigo aqui.

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