Vamos dar uma voltinha pela física?
Interstellar foi um dos grandes lançamentos do final do ano passado. Um filme de ficção cientifica que encheu as medidas de muitos, sem desagradar ao publico em geral nem se tornar massudo ou pesado. Houve alguns detalhes que não agradaram aos mais exigentes, mas vou deixar isso de parte por agora.
Sendo eu um físico de profissão, não pude deixar de estar atento aos detalhes da física que na maioria dos filmes são negligenciados, apesar de serem do conhecimento público, como por exemplo a propagação dos sons no espaço.
Recentemente, saíram dois artigos científicos no
arXiv (uma plataforma que disponibiliza de forma gratuita o que melhor se faz nalgumas áreas da física). Ambos os artigos se referiam ao Interstellar. Podem dar uma olhada
aqui e
aqui. Os dois artigos foram escritos pelos físicos que colaboraram nos efeitos especiais do filme, nomeadamente no
wormhole e no buraco negro.
O wormhole é um fenómeno puramente teórico, não tendo ainda sido descoberto nenhum no nosso universo observável. Os buracos negros, pelo contrário, já foram detectados, por exemplo, no centro da nossa galáxia. Se o estudo de um wormhole é puramente teórico, o de um buraco negro não é melhor, visto que não é possível saber o que acontece para além do horizonte de eventos (o ponto crítico para além do qual nem a luz consegue escapar).
No caso do wormhole (que é uma espécie de atalho entre dois pontos do universo tridimensional, o mesmo a que estamos habituados, usando extra-dimensões) está em causa o efeito de lente criado por ele. Uma preocupação que nunca foi equacionada em nenhum filme antes deste. Os cientistas deram-se ao trabalho de calcular o efeito, que se traduziu neste sublime detalhe:
Detalhe do
wormhole do filme Interstellar (Imagem proveniente do filme e publicada
aqui)
Para além disso, o artigo contem as equações necessárias para transformar qualquer imagem com a presença de um wormhole e até mesmo visualizar as distorções da viagem através de um. Os cálculos são possíveis de serem feitos com a maioria do software disponível nas universidades: Matlab, Maple ou Mathematica. Para os mais curiosos ou com um bichinho pela matemática, as equações e o método de cálculo estão no artigo, apêndice final. O nível de distorção depende dos parâmetros do wormhole, tendo sido considerados várias topologias e ficando a escolha final ao cabo do realizador. Tudo isto foi feito tendo em consideração a teoria da relatividade. Um verdadeiro tesouro para um amante da ciência e da ficção cientifica, que nos faz desejar que todos os filmes fossem assim.
Na próxima semana falaremos da Gargantua (o buraco negro do Interstellar). Podem ler o artigo
aqui.