Introdução
É impossível dissertar sobre o futuro de uma nação sem primeiro perceber a actualidade da mesma e das outras que com ela interagem. No caso de Portugal existe o espaço europeu, para o qual esta actualmente virado, e o espaço lusófono, o qual se tem vindo a afastas apesar dos últimos cinco séculos de história.
Os vários sectores da sociedade não podem também eles ser analisados individualmente. Visto que estão fortemente relacionados, ao negligenciar as correlações entre eles, subtraímos o realismo e a abrangência à projecção.
São diversas as tendências e contra-tendências já existentes, cuja importância irá certamente variar. Vimos surgir no século XX várias inovações intelectuais e tecnológicas, as quais mudaram a maneira de percepcionar o mundo. Vimos também surgir inúmeras guerras devastadoras e horrendos crimes contra a humanidade. Sem compreender as causas e consequências dos mesmos, não é possível conjecturar sobre o quanto um país pode mudar durante um século. Os desafios que se apresentam à humanidade neste início de século não são os mesmos que se apresentavam no século passado e, contudo, as aspirações por um mundo melhor continuam bem actuais.
Na maioria dos casos a projecção depende da minha opinião e como tal poderá ser tendenciosa e parcial. Em suma, este artigo pretende definir algumas tendências, preocupações e aspirações, sem, contudo, pretender ser um guia, nem tão pouco um profeta, dos futuros acontecimentos deste século que ainda está no seu início.
Política
Bruxelas, aclamada por muitos como a capital da Europa, nunca esteve tão perto de efectivamente o ser. Durante o século passado, a Europa foi berço dos dois conflitos armados mais mortíferos e destruidores de sempre, que cresceram até uma escala mundial, afectando milhões de pessoas. A criação de uma Comunidade Europeia do Aço e do Carvão foi o primeiro passo para a unificação dos diversos países, numa tentativa de impedir conflitos armados na Europa. A Guerra Fria em tudo contribuiu para fortalecer esses laços. O recente conflito no Kosovo mostrou que essa promessa ainda não foi cumprida.
Devido ao regime ditatorial fascista e fechado que vigorou em Portugal durante metade do século passado e a sua posição periférica na Europa, este escapou à margem das consequências mais nefastas destes conflitos. Viu, no entanto, a partir da década de sessenta, o início do desmembrar do seu império colonialista com a perda de Goa. Poderá até argumentar-se que com a independência do Brasil ou a conjuntura politico-social do mundo ocidental de pois da segunda Guerra Mundial em relação às colónias anunciava que o desmoronamento do império era inevitável, contudo foi com a perda de Goa que essa realidade nos bateu à porta. Esse fim, do que erradamente se julgava eterno, obrigou Portugal a uma revisão da estratégia política e obrigando-o a voltar-se para a Europa que tinha ignorado desde os anos trinta. Ao entrar nesta Comunidade, em 1986, subscreveu implicitamente a participação activa nos assuntos europeus.
A introdução do Euro como moeda única e a abertura das fronteiras, foram vistos pela maioria como passos positivos. Todavia, poucos são aqueles que conseguem ver que esses laços são compromissos que, caso quebrados, irão criar inúmeros problemas.
Com o tratado de Lisboa, as diversas organizações europeias tornaram-se numa só: cada um dos estados membros perdeu parte da sua soberania, delegando-a para União Europeia. Com este passo, os países são vistos meramente como estados, pois perderam a capacidade de intervir e regular diversas áreas-chave. Sessenta anos depois do primeiro tratado e como mais acordos no horizonte, caminhamos lentamente para sermos os Estados Unidos da Europa, um cenário que há cem anos atrás era inconcebível.
O grande problema que se avizinha é o da capacidade e possibilidade de haver uma governação justa nestas condições. Todos sabemos a dificuldade que é tentar criar medidas sentado em Lisboa, quando, por exemplo, não se tem consciência da situação em Évora ou Braga. Actualmente, o poder senta-se cada vez mais em Bruxelas, contudo a mesma questão se levanta: como é que um poder tão fortemente centralizado terá consciência da situação de Portugal ou de qualquer outro país da União Europeia? Para cúmulo, algumas das instituições europeias não são eleitas, apenas nomeadas, furtando ao cidadão a capacidade de ter influência nas decisões.
Este cenário só se poderá desenvolver num de dois sentidos: por um lado, esta união poderá estabilizar e tornar-se permanente, tornando os países em estados; por outro, isso poderá levar à ruptura da mesma, voltado à situação do início do século.
Deixando a realidade europeia de lado e concentrando-nos na realidade portuguesa vejo dois cominhos possíveis no plano político. No primeiro, os mesmos dois grandes partidos, PS e PSD, continuarão a governar indefinidamente, alternando entre si, contentando-se os outros três, CDU, BE e PP, em fazer uma oposição passiva e, esporadicamente, criando uma ou outra coligação com um dos grandes partidos. Os restantes partidos continuarão a existir quase à margem, sem sequer furar a barreira imposta pela comunicação social, chegando ao cúmulo de que a maioria das pessoas só fica a saber da sua existência no boletim de voto no momento em que vai votar. No segundo, haverá maior participação de outros partidos e forças cívicas independentes, um parlamento com outras cores que não o rosa e o laranja que actualmente o dominam, capazes de conduzir Portugal por outros caminhos que mais se identifiquem com a vontade do povo. Criadas essas condições Portugal poderá renovar as suas estruturas de governação, tornando-se um exemplo de governação justa, credível e séria, como defendi na número 6 desta revista.
Os planos para a organização política de Portugal propostos por Agostinho da Silva, mas não só, são exactamente o oposto dessas tendências. Escalar e descentralizar as instituições políticas à medida das necessidades das pessoas, abandonando a representatividade e prevendo uma participação activa de cada um. Prevê também a abertura dos horizontes para a construção de uma comunidade activa no espaço lusófono, tendência cada vez mais esquecida, distante e recalcada por quem comanda os destinos do nosso país. Diversas correntes do bio-regionalismo e seus derivados, apesar de não serem alternativas conhecidas por muitos, mostram ser uma solução possível para os problemas que se avizinham.
O grande desafio político que se coloca para o próximo século é o da existência de Portugal como país autónomo e dos cidadãos como seres humanos livres e independentes
A segunda parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/05/ensaio-sobre-o-futuro-de-portugal-do_04.html
Este pequeno ensaio foi escrito e publicado no nono volume da revista Nova Águia.
http://novaaguia.blogspot.de/
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