A primeira parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-parte-1.html
A segunda parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-segunda-parte.html
Quando recuperou os sentidos, sentiu-se muito estranho. Não fazia a mais pequena ideia de quanto tempo estivera naquele estado, nem onde estava. Abriu os olhos e tomou consciência de que se encontrava dentro de um avião. O Dornier estava em pleno voo e estremecia vigorosamente. Tentou focar o pensamento e concentrar-se sem conseguir. O avião tinha um único compartimento. Além dele mesmo, parecia haver somente outras duas pessoas a bordo. Reconheceu imediatamente o médico e oficial Dr. Flade. O piloto praguejava com ele, parecia estar a ter dificuldades em manobrar o avião. De repente, Walter apercebeu-se que estava amarrado a uma cadeira de rodas. Tentou falar mas só conseguiu articular alguns sons sem nexo. Tentou levantar a mão mas esta parecia não responder, assim como os pés. Somente conseguia mexer ligeira e desordenadamente os dedos. Este estado assustava-o, sentia-se impotente. Decidiu então deixar-se ficar imóvel, na esperança que aquele estado passasse depressa. A dor intensa voltou e Walter finalmente lembrou-se do que se tinha passado. Todos os acontecimentos desse dia ficaram subitamente vivos na sua memória. Walter tentou lutar contra a dor, não podia ficar inconsciente novamente. Apesar da dor ser forte, ele ainda a conseguia suportar. A situação devia ser grave, para se darem ao trabalho de o meterem num avião ao invés de o tratarem no hospital militar. Perguntou-se a si mesmo sobre o que se teria passado, enquanto estivera inconsciente. Será que os russos tinham montado uma ofensiva surpresa e chegado perto da sua posição, e ele estava a ser evacuado? Será que tinha sido ferido durante a batalha? Será que alguém tinha convencido um soldado revoltado ou espião russo a matá-lo? Será que os ingleses tinham lançado pára-quedistas assassinos em Poltava? Mas como é que alguma dessas hipóteses podia ser possível se não se recordava de nada? Concluiu que nada disso era humanamente possível, só podia ser realidade se estivesse muito doente. E esse pensamento foi uma revelação: estava doente, e era grave.
Em negação, a sua mente tranquilizou-o imediatamente, criando uma alternativa à realidade: podia ser apenas um pesadelo, tudo parecia demasiado irreal. Porém, desde criança que não tinha um sonho que considerasse tão plausível como este. A verdade é que, na maior parte dos dias, nem sequer se lembrava do sonho que tivera durante a noite. Para além de tudo, sentia demasiado desconforto para ser somente um sonho.
E se não fosse um sonho?
No seu íntimo, perguntava-se sobre o que aconteceria se morresse. Tentou afastar essa ideia. Ainda só tinha cinquenta e sete anos, era novo demais para morrer. Esse pensamento reconfortou-o durante alguns segundos, enquanto a dor de cabeça se intensificava. Sem se dar conta, começou a entrar em pânico. O avião estremecia cada vez mais. Talvez estivesse no meio de uma tempestade ou sido atingido por um caça inimigo. Mas isso não era possível, a Rússia já não tinha aviões nem pilotos capazes desde o infanticídio aéreo do ano anterior. Só podia ser uma tempestade. Os dois soldados continuavam a falar alto e desordenadamente mas, para aumentar o desespero de Walter, ele não conseguia perceber o que diziam, porque nenhuma das palavras fazia sentido na sua cabeça. O pânico intensificou-se, como era possível que não conseguisse entender o que diziam? Estaria a ficar maluco e a perder capacidades?
De seguida, o pânico desapareceu e veio a calma. Provavelmente iria morrer mesmo que o avião não se despenhasse, e talvez fosse melhor assim. A dor era intensa e sentia-se desorientado. Se morresse agora não haveria grande problema, aliás, este estado não lhe permitia comandar absolutamente nada. Já dera tudo à nação, já podia morrer em paz. Conseguia aceitar isso com naturalidade. Fechou os olhos, sentia-se cansado de lutar para se manter acordado quando lhe apetecia dormir, dormir durante muito tempo. Tinha feito a sua parte, não se arrependia de nada do que fizera na sua vida. E também não tinha pena daquilo que ainda não tinha feito e que quase certamente já não iria fazer por ser quase impossível. Tinha servido a Alemanha nas duas guerras, dando sempre a sua total dedicação. O seu sucessor seria Paulus, o qual estava sem dúvida à altura da tarefa. Um dia também ele chegaria ao posto de Generalfeldmarschall ou até mesmo a comandante supremo, tinha todas as características necessárias. O sexto exército continuaria nas suas mãos. Era o exército mais bem treinado e melhor equipado do mundo, era invencível. A Rússia seria derrotada ainda esse ano. Os judeus seriam exterminados da face da terra pouco depois. Ele seria recordado como um herói que dera a vida pela Nação e uma grande estátua seria erguida em sua honra. A Alemanha obteria a vitória final contra todos os seus inimigos, todos os alemães ficariam juntos numa única Nação que decidiria o destino de todas as outras nações do mundo durante pelo menos três milénios. Tudo seria perfeito! Essa visão do futuro encheu-o de alegria, já não sentia dor. Sorriu. E depois, veio a escuridão eterna.
A segunda parte pode ser encontrada em: http://pedro-cipriano.blogspot.co.uk/2012/05/queda-de-von-reichenau-segunda-parte.html
Quando recuperou os sentidos, sentiu-se muito estranho. Não fazia a mais pequena ideia de quanto tempo estivera naquele estado, nem onde estava. Abriu os olhos e tomou consciência de que se encontrava dentro de um avião. O Dornier estava em pleno voo e estremecia vigorosamente. Tentou focar o pensamento e concentrar-se sem conseguir. O avião tinha um único compartimento. Além dele mesmo, parecia haver somente outras duas pessoas a bordo. Reconheceu imediatamente o médico e oficial Dr. Flade. O piloto praguejava com ele, parecia estar a ter dificuldades em manobrar o avião. De repente, Walter apercebeu-se que estava amarrado a uma cadeira de rodas. Tentou falar mas só conseguiu articular alguns sons sem nexo. Tentou levantar a mão mas esta parecia não responder, assim como os pés. Somente conseguia mexer ligeira e desordenadamente os dedos. Este estado assustava-o, sentia-se impotente. Decidiu então deixar-se ficar imóvel, na esperança que aquele estado passasse depressa. A dor intensa voltou e Walter finalmente lembrou-se do que se tinha passado. Todos os acontecimentos desse dia ficaram subitamente vivos na sua memória. Walter tentou lutar contra a dor, não podia ficar inconsciente novamente. Apesar da dor ser forte, ele ainda a conseguia suportar. A situação devia ser grave, para se darem ao trabalho de o meterem num avião ao invés de o tratarem no hospital militar. Perguntou-se a si mesmo sobre o que se teria passado, enquanto estivera inconsciente. Será que os russos tinham montado uma ofensiva surpresa e chegado perto da sua posição, e ele estava a ser evacuado? Será que tinha sido ferido durante a batalha? Será que alguém tinha convencido um soldado revoltado ou espião russo a matá-lo? Será que os ingleses tinham lançado pára-quedistas assassinos em Poltava? Mas como é que alguma dessas hipóteses podia ser possível se não se recordava de nada? Concluiu que nada disso era humanamente possível, só podia ser realidade se estivesse muito doente. E esse pensamento foi uma revelação: estava doente, e era grave.
Em negação, a sua mente tranquilizou-o imediatamente, criando uma alternativa à realidade: podia ser apenas um pesadelo, tudo parecia demasiado irreal. Porém, desde criança que não tinha um sonho que considerasse tão plausível como este. A verdade é que, na maior parte dos dias, nem sequer se lembrava do sonho que tivera durante a noite. Para além de tudo, sentia demasiado desconforto para ser somente um sonho.
E se não fosse um sonho?
No seu íntimo, perguntava-se sobre o que aconteceria se morresse. Tentou afastar essa ideia. Ainda só tinha cinquenta e sete anos, era novo demais para morrer. Esse pensamento reconfortou-o durante alguns segundos, enquanto a dor de cabeça se intensificava. Sem se dar conta, começou a entrar em pânico. O avião estremecia cada vez mais. Talvez estivesse no meio de uma tempestade ou sido atingido por um caça inimigo. Mas isso não era possível, a Rússia já não tinha aviões nem pilotos capazes desde o infanticídio aéreo do ano anterior. Só podia ser uma tempestade. Os dois soldados continuavam a falar alto e desordenadamente mas, para aumentar o desespero de Walter, ele não conseguia perceber o que diziam, porque nenhuma das palavras fazia sentido na sua cabeça. O pânico intensificou-se, como era possível que não conseguisse entender o que diziam? Estaria a ficar maluco e a perder capacidades?
De seguida, o pânico desapareceu e veio a calma. Provavelmente iria morrer mesmo que o avião não se despenhasse, e talvez fosse melhor assim. A dor era intensa e sentia-se desorientado. Se morresse agora não haveria grande problema, aliás, este estado não lhe permitia comandar absolutamente nada. Já dera tudo à nação, já podia morrer em paz. Conseguia aceitar isso com naturalidade. Fechou os olhos, sentia-se cansado de lutar para se manter acordado quando lhe apetecia dormir, dormir durante muito tempo. Tinha feito a sua parte, não se arrependia de nada do que fizera na sua vida. E também não tinha pena daquilo que ainda não tinha feito e que quase certamente já não iria fazer por ser quase impossível. Tinha servido a Alemanha nas duas guerras, dando sempre a sua total dedicação. O seu sucessor seria Paulus, o qual estava sem dúvida à altura da tarefa. Um dia também ele chegaria ao posto de Generalfeldmarschall ou até mesmo a comandante supremo, tinha todas as características necessárias. O sexto exército continuaria nas suas mãos. Era o exército mais bem treinado e melhor equipado do mundo, era invencível. A Rússia seria derrotada ainda esse ano. Os judeus seriam exterminados da face da terra pouco depois. Ele seria recordado como um herói que dera a vida pela Nação e uma grande estátua seria erguida em sua honra. A Alemanha obteria a vitória final contra todos os seus inimigos, todos os alemães ficariam juntos numa única Nação que decidiria o destino de todas as outras nações do mundo durante pelo menos três milénios. Tudo seria perfeito! Essa visão do futuro encheu-o de alegria, já não sentia dor. Sorriu. E depois, veio a escuridão eterna.
FIM
Este capítulo foi retirado do primeiro livro da trilogia de Estalinegrado, porque não estava
relacionado directamente com as personagens principais. Apenas o publico
aqui num exercício de pesquisa e ambientação do resto do livro.