domingo, 29 de abril de 2012

A travessia


A palavra “ferri” pregada a um bordo era o sinal da proximidade da batalha. Rodimtsev olhou para o céu, onde colunas densas e negras de fumo contrastavam com o pôr-do-sol.
Sabia que os Nazis podiam chegar à margem a qualquer momento. A sua missão era impedir isso, sob pena de a cidade ficar inacessível.
Ainda a poeira do movimento massivo de tropas pairava no ar quando ordenou que munições, granadas e rações fossem distribuídas à sua divisão. Fora decidido que não poderiam esperar mais.
Embarcou com a primeira onda, durante o crepúsculo. Escolhera um pequeno barco civil, de modo a não chamar a atenção. Tudo fora usado, desde barcos militares até pequenos botes movidos a remos, passando por pesqueiros.
Durante a guerra civil espanhola ficara, Rodimtsev conhecido como “Pablito”, onde ganhara a reputação de herói. Tinha a fama de destemido, já que nunca mostrara receio em frente às suas tropas contudo, aquela travessia causava-lhe arrepios que lhe subiam pela espinha acima. Enquanto estivesse no barco não poderia agir, somente esperar que os alemães não o alvejassem.
Estavam completamente indefesos, e os tiros e explosões de artilharia à distância não ajudavam a mitigar os receios.
Já tinham atravessado metade do rio quando os alemães se aperceberam da sua presença. Colunas de água de todos os tamanhos levantavam-se à medida que os projécteis a atingiam. Desde metralhadoras a morteiros, tudo estava apontado a eles. Umas das embarcações fora atingida directamente, matando os vinte soldados que iam a bordo.
Muitos soldados contemplavam a água à sua volta. enquanto outros preferiam olhar para o céu. No entanto, alguns atreviam a focar-se directamente no inferno. Os prédios ardiam intensamente e fagulhas esvoaçavam. A margem encontrava-se repleta de destroços. O cheiro a queimado e corpos em decomposição chegou-lhe às narinas.
Quando os barcos se aproximaram, os soldados saltaram para as águas pouco profundas, tentando arranjar cobertura.
Rodimtsev saltou também, sentindo a água fria chegar à cintura. Numerosos soldados caíam à sua volta, atingidos pelo fogo inimigo. A sua prioridade era proteger-se do fogo inimigo e, sem pensar duas vezes, correu agachado, até se abrigar atrás dos destroços de um tanque.
Era vital que atacassem rapidamente, de modo a aproveitar a surpresa dos alemães. Sem tempo para ter medo, gritou a ordem para avançar, à qual os soldados obedeceram imediatamente. Inspirados pelo seu feito e aproveitando a surpresa dos alemães, o batalhão à sua esquerda e o regimento à sua direita juntaram-se ao ataque. A ofensiva conseguiu apanhar os alemães desprevenidos, já que não haviam tido tempo sequer para cavar trincheiras.
Ao observar os primeiros minutos da escaramuça nocturna, percebeu que iria atingir o seu objectivo. Era certo que os alemães contra-atacariam mais tarde e muitos dos seus soldados morreriam ali. Porém, o mais importante era que a cidade não havia caído e, enquanto isso não acontecesse, os nazis não teriam a sua vitória.


Este texto foi escrito como participação no concurso 15-25 da revista ler. Foi publicado na edição de Janeiro de 2012.

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