quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O Guia - Parte 4

Podem encontrar a primeira parte do conto aqui, a segunda aqui e a terceira aqui.

“Mas aquele que as ouve, e não as observa, é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a terra sem alicerces; na qual a torrente deu com ímpeto, e logo caiu; e foi grande a ruína daquela casa.”
Lucas 6, 49

Desceu pelo caminho, aproveitando o sol matinal. Parou antes da curva que dava acesso ao acampamento. Inspirou de um modo profundo. Eram vidas que estavam em jogo, não podia falhar. Ao aproximar-se das tendas, já os nativos tinham dado pela sua presença. 
- Povo da floresta, chegou a vossa hora - clamou, estendendo os braços. - Venham comigo e serão salvos.
Os adultos olharam-no e um dos homens deu um passo em frente.
- Nós não queremos a tua ajuda. Nós somos felizes e livres aqui - declarou.
Já recebera respostas iguais. Não havia dúvidas na voz. No entanto, não queria baixar os braços.
-Há um inimigo poderoso que pode atacar a qualquer momento. Eu já os vi assim como a destruição que são capazes de fazer…
O homem trocou um olhar com o outro adulto.
- Nós somos fortes. Nós podemos combatê-los.
Amir notou, pela primeira vez, agressividade na expressão. Deixara de ser bem-vindo ali. Vislumbrou as armas, lanças primitivas. Não teriam hipótese. A sua missão falhara. Esperava-o uma longa viagem com apenas os seus demónios pessoais como companhia.
Poderia insistir, mas as forças faltavam-lhe. A velhice e o cansaço tomaram conta dele. Deixou de conseguir estar direito, encurvando-se e tomando apoio no cajado. Saber o destino que os aguardava, não ajudava em nada. Virou as costas e recomeçou a subir a colina.
A meio da subida, uma corneta fez-se ouvir em todo o vale. O coração falhou-lhe uma batida. Este era o som dos seus pesadelos. Desceu de volta o mais rápido que conseguiu, perdendo o fôlego. Não havia tempo a perder, eles poderiam chegar ali a qualquer momento. Quando chegou às habitações, viu que estavam num estado de aflição. Talvez fosse disto que precisavam para serem convencidos.
-O inimigo vem aí! Precisamos de fugir - suplicou-lhes.
Ninguém sequer olhou para ele. Notou que estavam a arrumar as suas coisas. O som repetiu-se, ecoando nos montes. Não os conseguia ver. Talvez ainda estivessem longe, mas a corneta significava que já tinham sido avistados.
- Têm de fugir agora! Eles podem chegar a qualquer momento!
As palavras já não tinham qualquer efeito. Encostou-se à árvore mais próxima e deixou-se deslizar até ao chão. A humidade começou a turvar-lhe os olhos. O destino deles estava traçado. O resto das forças abandonou-o. Sabia que cada segundo que perdesse ali diminuía as suas possibilidades de sobrevivência.
Já escapara outras vezes, para mais tarde voltar e não encontrar um único sobrevivente. Os corpos mutilados acompanhavam-no para onde quer que fosse, em especial quando estava sozinho. Os seus erros perseguiam-no. Ergueu-se com dificuldade e embrenhou-se pelo monte, sem se preocupar com os arranhões que os arbustos lhe causavam. As pernas ameaçavam deixar de responder a qualquer momento e os pulmões ardiam com o esforço.
Fez uma pausa a meio da encosta, apercebendo-se de que os nativos ainda se encontravam na aldeia. Nesse momento, os cavaleiros entraram no acampamento. Os dois homens foram atingidos por flechas. Os guerreiros estavam cobertos por uma armadura completa, que não deixava sequer ver a face. As armas estavam longe de ser primitivas. A mulher que parecida com Shira foi trespassada por uma lança. Os gritos preenchiam o ar, só abafados pelos cascos dos cavalos. Não conseguiu olhar mais. Não tardaria que os cavaleiros iniciassem as buscas nos bosques mais próximos.


Amir afastou-se dos caminhos trilhados. Ao longe os sons iam-se desvanecendo. A subida transformou-se em descida. Os joelhos suplicavam-lhe que parasse. Um grito mais profundo trespassou o ar. Era uma das mulheres. Ao pensar nas crianças, um arrepio subiu-lhe pela espinha.
E nesse momento sentiu uma dor lancinante no peito. Parou. Tentou agarrar-se ao tronco mais próximo mas os dedos não lhe responderam a tempo. Caiu no chão. Tentou inspirar. O ar não entrava. A dor espalhava-se pelo braço esquerdo. A visão turvou-se. O seu último pensamento foi para Bea.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O Guia - Parte 3

Podem ler a primeira parte deste conto aqui e a segunda aqui.

"É semelhante a um homem que, edificando uma casa, cavou, abriu profunda vala e pôs os alicerces sobre a rocha; e vindo uma enchente, deu a torrente com ímpeto naquela casa, e não a pôde abalar, porque tinha sido bem edificada."
Lucas 6, 48


- Filhos da floresta, ouçam o meu chamamento – gritou em plenos pulmões.
Já ninguém parecia interessado nele. Faziam as suas tarefas como se não estivesse ali. Nunca lhe havia acontecido que o ignorassem por completo.
- O momento esta a chegar em que eles virão pelos vosso filhos. Eu vi com os meus próprios olhos. Não haverá momento do dia ou da noite em que estejamos seguros. Eles vêm de qualquer direcção. Os seus números são imensos e as suas armas mortíferas.
Uma das mulheres escutava-o. Uma era quanto bastava. Uma pessoa e o grupo viria todo.
- Vi-os levarem filhos e mães. Matarem e comerem a carne. Carne humana. Levaram muitos mais para nunca mais os vermos. Eles são maus e violentos. Eles são a encarnação do mal. Sozinhos não os podeis parar. Vinde comigo e podereis viver na nossa cidade que é segura. As portas estão abertas para vós.
A mulher trocou um olhar com a que estava a seu lado.
- Povo da floresta, eu sou vosso amigo. Vi ter com vocês desarmado e com palavras de salvação. De vós, apenas quero que me sigam, não por mim, mas por vocês mesmos.
Não havia muito mais que podia dizer. Sentia que as dúvidas da mulher ainda eram demasiadas. Conhecia bem aquela expressão. Vira-a centenas de vezes. Teria de jogar a sua última cartada. Fitou as suas faces, compreendia as suas dores e problemas. Já os experimentara ele próprio. Esperava que eles compreendessem isso.
- A vossa existência é precária. A vossa comida não é certa, nem o vosso abrigo. Há animais que vos atacam. Há um frio do qual não conseguem escapar. As vossas crianças morrem antes de darem os primeiros passos. Ouçam filhos da floresta. Eu construí a cidade com as minha mãos e com as dos meus filhos. Criamos um lugar seguro onde não há fome. Queremos que vós partilheis desse paraíso. Queremos que se juntem a nós.
Parou. Já não havia mais nada para dizer. A face das mulheres traia uma reflexão profunda. Era bom sinal. Era hora de ir embora.
- Povo da floresta. Amanhã eu irei voltar. Os que quiserem, poderão seguir-me e eu vos levarei à segurança, à cidade onde nunca falta comida. Povo da floresta, ouçam, é uma amigo que vos fala.
Ainda última palavra ecoava nos montes, já Amir virara costas. Uma vez na encosta perdeu-se nos seus costumes. Adorava observá-los. A sua maneira pura e natural de viver a vida seria a melhor, não fosse o mundo estar a mudar.
As mulheres continuavam as suas tarefas. Pareciam conversar entre si. Talvez debatessem o que haviam ouvido. Esperava que sim. Os homens voltaram a meio da tarde. Haviam caçado algo grande. Noutras circunstâncias, Amir ficaria contente com o seu sucesso, contudo, neste caso não ajudava ao seu argumento. Pelo menos, haveria comida para todos.
Desviou o olhar para uma pequena planta que crescia ao lado. Tinha picos e era da mesma espécie que o arranhara no primeiro dia que vira o sol. Crescia apenas em solos férteis e as bagas escuras eram deliciosas e ricas. Lembrava-se desse dia como se tivesse acontecido ontem. Os sons, as cores, os cheiros, sabores e o tacto inundavam-no com sensações que julgara impossíveis. Dentro de si, crescia um desejo incontrolável. Era uma energia sem fim que se apoderava dele. Cada célula do seu ser exigia uma e só uma coisa. A culpa fora dele. Fora toda dele. Reconhecia que havia uma coisa boa na sua idade, há mais de dez anos que não procurava parceira. Duvidou que conseguisse resistir se encontrasse uma e ela o deixasse. Podia suportar muitas privações e desconfortos, mas essa dor estava para além do seu ser.


Voltou a focar-se na aldeia. A mulher que duvidara fazia-lhe lembra Bea. A sua doce Bea. Tinha os mesmos traços embora fosse mais madura. Era mais velha do que a sua irmã e amante, que morrera a dar à luz o segundo filho. Ambas as crianças, de olhar e corpo disforme tinham também perecido. Apertou um ramo da planta, deixando que os espetos se enterrassem na carne. Um fio de sangue percorreu o fundo do punho velho e calejado, começando a alimentar o solo. Havia dias que necessitava de dor física para acalmar o sentimento de culpa. O braço começou-lhe a tremer. Relaxou a mão e abriu-a. Tinha quatro buracos na palma. Afastou-se uns passos, procurando as folhas que podiam curar os ferimentos. Quando as encontrou, mascou-as e usou a pasta resultante para cobrir os cortes.
Apoiou-se na árvore e deixou-se deslizar até ao chão. Encoberto pelos arbustos, ninguém o poderia ver ali. O nó na garganta era grande e as lágrimas teimavam em não sair. Deixou que a noite caísse. Não quis sair dali, nem sequer para observar o acampamento. Não tinha vontade para se mover sequer, mas a dança de pensamentos não o deixou dormir. Quase que nem sentia a temperatura a descer. Bea. Era o seu dever protegê-la e acabou por ser ele o carrasco. À medida que os anos passavam essa noção perseguia-o cada vez com mais vigor. O cerco apertava-se a cada dia. Nesses momentos tinha receio que a sua mente falhasse primeiro que o seu corpo.
A madrugada encontrou-o com os músculos doridos e frios. Nada disso o incomodou. Tinha uma missão importante a cumprir. Era hora de ir buscar a tribo para a civilização.

Podem ler a última parte deste conto aqui.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Chá de Domingo #62: Balanço Anual de 2015

Senhores e Senhoras, interrompemos a nossa programação habitual para fazer o balanço de 2015!


Livros Lidos

Começamos pelos livros lidos! Este ano propus-me à redonda meta de 100 livros, a qual cumpri à risca. Podem consultar a lista completa aqui.

O meu top é o seguinte:
  1. The Evolution Man de Roy Lewis
  2. A Hat Full of Sky de Terry Pratchett
  3. The Amber Spyglass de Philip Pullman
  4. A trilogia dos Hunger Games (1, 2 e 3)
  5. The Cuckoo's Calling de Robert Galbraith
The Evolution Man foi, sem qualquer dúvida o melhor livro que li durante o ano. Genial e uma agradável surpresa. A Hat Full of Sky pode não ter sido o melhor livro que li do Terry Pratchett, mas é uma escolha em jeito de homenagem à grande obra e ao falecimento deste grande escritor (este ano foi terrível em termos de perder escritores que gostava). The Amber Spyglass dispensa apresentações assim como a trilogia dos Hunger Games. Uma excelente surpresa foi o livro de Robert Galbraith (pseudónimo usado por J. K. Rowling).


Artigos Mais Lidos no Blogue

Este ano ainda se falou muito no Caderno Vermelho, a prova disso é que a oferta do exemplar foi a publicação mais acedida. O Chá de Domingo teve duas publicações entre as mais vistas, o que me deixou muito satisfeito, por ter conseguido escrever alguns artigos interessantes para serem partilhados. Outra novidade foi um texto extremamente curto sobre o Nanowrimo ter chegado ao top. Por fim, a crítica ao The Amber Spyglass ficou em segundo lugar. Uma mudança crítica em relação ao ano anterior.

Contos Publicados


Este ano continuei a colaborar com o Fantasy and Co, onde publiquei a maioria dos meus contos.
  1. O Poeta no Fantasy and Co
  2. Os Cadáveres no Fantasy and Co
  3. Hoc Signo Vinces no Fantasy and Co
  4. Jardim do Éden no Fantasy and Co
  5. O Lago no Fantasy and Co
  6. O Guia no Fantasy and Co
  7. A Canção da Fornalha no Fantasy and Co
  8. O Mineiro no Fantasy and Co
  9. O Pinheiro de Natal no Jornal O Ponto
A produção literária e as publicações de contos aumentaram, como me tinha proposto, apesar de dois deles não terem sido escritos este ano.

Outros Projectos


Este ano foi marcado pelo lançamento do livros Vagos de Escrita, no qual há duas modestas páginas sobre a minha pessoa. No campo da Editorial Divergência organizei a antologia Nos Limites do Infinito em parceria com o Blogue FLAMES
Participei em dois Camp Nanowrimo, o de Abril e o de Julho, para além do Nanowrimo anual.  Só o de Abril não correu como gostaria. Terminei a primeira versão do Canto do Rouxinol, que já me perseguia há anos. Iniciei a escrita de um policial, de nome O Jarro de Porcelana.

O que é que espero para o novo ano? Ainda estou em reflexão e deverei fazer uma publicação nos próximos dias sobre o assunto.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O Pinheiro de Natal

Ouviu a voz pela primeira vez ao encinhar as bicas. Raul ergueu-se apoiado no encinho, olhando em volta. Estava certo que não havia ninguém por ali.
“Devo estar a imaginar coisas” concluiu, dobrando-se para juntar o resto das agulhas que jaziam debaixo do pinheiro manso no quintal da avó. A árvore fora plantada pelo avô há quase uma década e já tinha a altura de duas pessoas. O dia estava solarengo e nessa noite noite poderiam usá-las para apeirar o fogo no borralho. Com a forquilha, encheu o carro-de-mão.
— Espero que tenhas um bom Natal — ouviu.
O seu coração deu um salto. Conseguia visualizar o velho de bigode branco e cabelo desgrenhado. A voz corresponderia na perfeição, não fosse o avô ter morrido há mais de cinco anos. À pressa, arrumou as ferramentas junto com a palha que ficara abandonada e trancou a porta. Pegou no carrinho de mão e saiu dali o mais depressa que conseguiu.
Ao voltar para casa, assolado pelo vento frio, pensou na avó. Pela primeira vez ela iria passar o Natal longe da família devido a uma doença súbita. Talvez mais logo rezasse um terço pelas melhoras da anciã hospitalizada, que estava já perto dos oitenta anos.
Apesar de ter quase trinta anos, Raul ainda vivia em casa dos pais. Não era por querer, o ordenado que a fábrica lhe pagava não dava para arrendar nada. E estudar era só para os ricos.
Várias centenas de metros e alguns terrenos em baldio separavam as duas casas. A estrada de alcatrão velho já conhecera melhores dias. Quando caísse a noite, só metade dos postes daria luz. Raramente um veículo motorizado atravessava a rua. Aquela zona rural era o fim do mundo e, à medida que a população ia envelhecendo, ficava cada vez mais deserta.



Assim que chegou a casa, que só fora decorada com um discreto presépio, dedicou-se à tarefa de apeirar um bom fogo para a noite de Consoada.
— Não te preocupes com a avó, eu tomo conta dela.
A acha caiu-lhe das mãos, e Raul olhou em volta. Estava sozinho em casa, tinha a certeza. De onde raio teria vindo a voz?
Várias vezes tinha ouvido a avó dizer que o marido tomava conta dela mesmo depois de ter falecido. Nunca acreditara nela. Como poderia ser verdade? Só podia estar a ficar maluco! Ela ficara num estado de depressão assim que ele morrera de forma súbita. Contudo, a avó recuperara quase milagrosamente pouco depois, quando passara a achar que ele lhe falava. Ninguém se atrevia a contrariá-la.
Fechou os olhos e inspirou fundo. Fez uma cama de agulhas e sobre ela depositou uma pinha. Cobriu a construção com galhos, duas achas mais finas e um toro não rachado. Riscou um fósforo e colocou na base, deixando que o fogo apeirasse. As chamas cobriram a matéria volátil e propagaram-se rapidamente.
— Em breve estaremos os dois juntos.
Estremeceu, deixando-se ficar no mesmo sítio a observar o fogo. Imagens do casal inundaram-lhe a mente. Uma lágrima escorreu-lhe pela face.
A família chegou dos empregos pouco antes da hora normal, com os semblantes cansados. O pai nem mudou de roupa e a irmã enfiou-se num roupão, longe iam os tempos em que a Missa do Galo era insubstituível. Durante a Consoada, saborearam o bacalhau no forno que só comiam em épocas de festa, Raul nunca deixou de ouvir a voz do avô na sua mente. Eram só quatro naquela mesa nesse ano.
— Estás estranho — comentou a mãe.
— Não é nada, deve ser do cansaço — desculpou-se, de olhar fixo no prato.
À meia-noite trocaram os presentes simbólicos, quando já só restavam as brasas da fogueira. Foi nessa altura que ouviu a voz pela última vez.
— Agora estamos juntos. É o ciclo da vida. Sê feliz.
Ele interrompeu o que estava a fazer, o coração falhando-lhe uma batida. Ninguém se apercebeu.
Quando as últimas brasas perderam o seu brilho igneo, todos se foram deitar. Raul ficou na cama, durante muito tempo, a olhar fixamente para o tecto. Não conseguia deixar de pensar no que havia acontecido. Adormeceu somente de madrugada, cansado e confuso.
Acordou com o tocar do telefone. Ouviu uma troca indistinta de palavras entre o pai e a pessoa do outro lado da linha. Pouco depois, a figura paterna surgiu à entrada do quarto. Trazia abundantes lágrimas na face.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O Guia - Parte 2

Podem ler a primeira parte do conto aqui.

"Todo aquele que vem a mim e ouve as minhas palavras e as observa, eu vos mostrarei a quem é semelhante."
Lucas 6, 47

Ainda era noite cerrada quando Amir despertou. Doía-lhe o corpo, em especial as costas. Não era o modo mais confortável de dormir. Desceu com cuidado. Os ossos estalavam a cada movimento. Tinha uma ligeira dor de cabeça. Era uma boa hora para ir procurar alimento. O luar abundante ajudava-o na tarefa. 
Na clareira que encontrou à frente, consumiu as pétalas retraídas das flores de Verão. Algumas folhas eram comestíveis, mas o estômago pedia mais. A sua vista podia já não ser o que era, mas conseguiu distinguir uma árvore na orla. Os seus frutos arredondados eram raros mas nutritivos. Aprendera isto ao longo da vida. Aproximou-se, constatando que nem precisava de subir para os conseguir colher. Comeu quantos quis.
Todavia, o homem não fora feito para morar na floresta. O seu habitat era a cidade. Como fora antes do cataclismo. Ultimamente, já ninguém falava nele, parecia que o tinham esquecido. Haviam passado cento e dois anos e Amir não tinha esquecido. Às vezes encontrava restos das cidades antigas, cobertas de vegetação. Em algumas não sobrava muito, fruto da arma que a humanidade jamais deverá construir de novo. Havia, no computador planos para o fazer. Não os compreendera e, no fim, decidira apagá-los de vez. Acontecera no dia depois da morte de Vera.
Cada vez que a recordava, era como se lhe arrancassem um pedaço do coração. Ela dera-lhe oito filhos, dos quais cinco ainda se contavam entre os vivos, só para um vómito terrível a levar. O único consolo que tinha é que ficara com ela até ao fim. Nestes momentos, recordar a cidade ajudava-o a desviar a mente do pior. Não era tão grande como as de outrora. Talvez os antigos não lhe chamassem sequer cidade. As casas eram de pedra, com telhados sólidos e lá viviam quase trezentas pessoas. Todos os anos nasciam duas ou três dezenas de crianças. Os campos em redor eram férteis e a muralha já os protegera da ameaça três vezes. Um monte de pedras e um portão de madeira era tudo o que havia entre eles e a morte. Era o preço que haviam pago por se tornarem sedentários. Era o preço a pagar pela civilização.
O céu começou a clarear. Era a hora de voltar a falar com eles. Desceu a encosta, aproximando-se da aldeia como se lá morasse. Sentiu as palmas das mãos suarem. Sabia que não era a vida dele que estava em jogo mas isso não deixava relaxar. Chegou antes do nascer do sol, enquanto despertavam. As mães dormiam com os filhos em seu redor. As crianças estava magras, mas pareciam saudáveis. Nestas condições, só os mais fortes sobrevivem.



- Filhos da floresta, ouçam a minha mensagem – clamou, com todo o seu ser. - O momento está perto. Ouçam a minha mensagem e viverão. Ignorem-na e serão tragados pela terra, vós e os vosso filhos. Ouçam-me, o momento está perto. Partam comigo, deixem tudo para trás se quereis viver.
As faces fitavam-mo com surpresa, mas a excitação do dia anterior já não existia. Não era um bom sinal. Não percebia porquê é que resultara tantas vezes e depois ficara mais e mais difícil. Preocupava-o saber que o mundo estava a mudar de maneiras que não compreendia.
- Que é ele? - ouviu uma das mulher perguntar.
Até a ouvir, tivera dúvidas de que falassem a mesma língua. Não era comum, mas j+a lhe acontecera. Teria de insistir. Teria de os fazer ver.
- Se quereis que os vossos filhos e filhas vivam, terão de vir comigo. Que ficar irá morrer.
Os olhares ficaram desconfiados. Amir achou que era melhor deixá-los por agora. Voltou ao seu refugio devagar, parando sempre que encontrava algo comestível. Sentia-se cansado. Não podia ficar mais do que um dois dias. Se eles não viessem, teria de os abandonar ao seu destino certo e sangrento. Estremeceu ao pensar nisso. Apesar de tudo, ele não mereciam isso. Ninguém merecia isso. Não tinha palavras para descrever os horrores que havia presenciado.
Vagueou, até encontrar um curso de água onde matou a sede. Voltou ao seu posto e ficou a mirá-los. Havia um par de peles maiores a secar ao sol. Era impressionante terem conseguido matar um animal tão grande com as suas armas primitivas. Talvez o tivessem encontrado morto. Os dois homens, os prováveis pais daquela prole, saíram com as suas lanças pouco depois. Será que sabiam que havia cada vez menos animais? O cataclismo também os havia dizimado. Havia alguns que já não via há mais de dez anos. Sem sabe se já teriam morto o último. Por isso é que a agricultura era a única forma subsistência. Tudo o resto estava condenado ao fracasso.
Olhou-os com ternura no olhar. Lembravam-lhe os seus filhos. De certo modo, se o seguissem, seriam seus filhos. Iriam renascer para uma vida melhor.
O calor aumentava, de modo que procurou a sombra de uma árvore. Mesmo ali, as gotículas de água formavam-se na sua testa. Sentia-se indolente. Acabou por adormecer.
O sonho levou-o à cidade. As muralhas tinham desaparecido. Eles vinham aí. Ordenou que se trancassem nas suas casas. As portas e as paredes eram massivas. Estavam assustados. Tentou confortá-los, para descobrir que nem sequer o ouviam. As crianças choravam e os adultos abraçavam-nas. Então algo começou a embater contra a porta. O barulho era ensurdecedor. Não se conseguia mexer. Tentou dar ordens, descobrindo que ficara sem voz. Ninguém procurava a sua ajuda sequer, como haviam feito nos últimos vinte e tal anos. As pancadas aumentavam de intensidade. A madeira começou a rachar, como se de simples galhos se tratasse. A porta desabou num estrondo e eles entraram.
Acordou sobressaltado. Estava banhado em suor. Apercebeu-se que tremia. Na sua cabeça sabia que era um sonho, mas parecia-lhe tão real. Tanto pelo que sabia, podia estar a ocorrer neste exacto momento.
Fraco mas determinado, levantou-se. Estava na hora de dizer à tribo aquilo que vira. Se isso não os convencesse, não saberia o que o poderia fazer.

Podem continuar a ler este conto nesta ligação.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Guia - Parte 1

“Por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos mando?”
Lucas 6, 46

Quando o idoso chegou ao acampamento, todos se juntaram para o ouvir. Vinha descalço, coberto com uma manta grosseira. O cabelo era branco e longo, escasseando no topo. A barba tinha anos e formava emaranhados permanentes. O que eles não sabiam era que ele vagueara durante vários dias pelas florestas, só para encontrar este grupo.
Eram uns vinte, incluindo as crianças. Vestiam peles de animais e envergavam lanças primitivas. Assim que o avistaram, Amir sabia que tinha a sua atenção. Não recebiam muitas visitas. A sua excitação e nervosismo eram quase palpáveis. Era um bom sinal não se terem mostrado hostis.
— Povo da floresta – a sua voz trovejante assustou os mais novos que eram a maioria. — Ouçam o que vos digo! Estão a aproximar-se tempos de mudança e vós tereis de fazer uma escolha. — Parou para voltar a encher o peito de ar. – A escolha é simples: abandonar o vosso meio de vida primitivo e vir comigo para a civilização ou ficar e esperar que a decadência vos leve.
Como resposta, obteve apenas silêncio. Não iria ser fácil. Não era a primeira vez que interpelava os povos livres e, se tivesse forças, não seria a última. Virou costas e voltou para a floresta.
Ainda faltava um par de horas para o sol se pôr. Apesar de ter vivido numa cidade nos últimos anos, conseguia sobreviver melhor na floresta do que qualquer um dos membros desta tribo. À sua esquerda encontrou uma árvore com frutos comestíveis e foi dela que se alimentou. Olhou para as árvores, tentando escolher uma boa candidata para passar a noite. Não precisava de tenda enquanto houvesse um ramo que suportasse o seu peso. Também, na sua idade não precisava de um grande sono.
Os passos levaram-no à encosta da qual se podia ver o acampamento. Contou-os. Havia cinco adultos e catorze crianças. Teriam problemas genéticos se não se juntassem ao resto da civilização. Suspirou, deixando-se cair sobre a camada de folhas na sobra de um carvalho centenário. Ali não o podiam ver. Aliviado, deixou correr uma lágrima. E autorizou que outras a seguissem. As crianças faziam-lhe isso.
Obrigou-se a recompor-se depressa, não fosse o caso de algum dos nativos o ter seguido. Era interessante observar os seus costumes. Quase todos os grupos que encontrara eram caçadores recolectores. A ideia de agricultura ainda não tinha chegado a estes lados. Se não fosse o legado dos pais, não teria chegado à cidade. Não haveria cidade de todo.
Estão a empilhar lenha. É um bom sinal, devem conhecer o fogo, mas não o arco. Será um choque se se mudarem para a civilização, contudo o preço de ficarem é caro demais. Um dos mais velhos, usou um mecanismo que raspa madeira em madeira. Teria de ser paciente, constatou Amir. Apreciou uma das mulheres. Pele clara e cabelos negros longos e entrançados. Baixa, mas forte. Lembrou-lhe uma das suas esposas. Sentiu que lhe faltava um pedaço no peito. Fora a sua terceira mulher e perecera com uma febre. As doenças dizimavam-nos. Uma mãe que tivesse dez filhos iria morrer depois de enterrar pelo menos metade. Não havia explicação.
— Shira — murmurou, relembrando-se do nome.
O aperto no peito aumentou. Às vezes preferia não se lembrar. Desejava esquecer-se de quem era e deslizar para o nada sem dor nem arrependimento. Contudo, não o podia fazer. A Humanidade dependia dele, mais do que gostaria.
Finalmente o fogo ateou-se e as chamas ergueram-se. A caçada não havia sido numerosa. Três peças do tamanho de ratos era tudo o que iriam comer. Talvez tivessem encontrado alguma fruta, esperou. Ao início, aceitara muitas vezes a hospitalidade das tribos, até perceber que eles lhe estavam a dar aquilo que não podiam dar. A comida escasseava. A agricultura era uma questão de vida ou morte. Encenou mentalmente as palavras que lhes iria dizer amanhã. Já o fizera tantas vezes que perdera a conta, mas era sempre o mesmo desafio. Não os podia deixar ver o velho frágil que se escondia por detrás daquela voz poderosa.
Toda a tribo se reuniu em volta da fogueira. Trouxeram algumas folhas e uns frutos escuros. Um pouco melhor, mas não seria suficiente. O Inverno deve ser complicado. Estão a partilhar, uma qualidade importante.
Quis levantar-se, no entanto as pernas já não aguentavam como haviam aguentado antes. Ao mexer-se, sentiu os joelhos a estalar. Setenta e três anos era a sua conta. Vivera mais do que qualquer pessoa que conhecesse. Ainda se sentia com força para viver mais dez anos. Todavia, já vira jovens e vigorosos serem levados numa questão de horas. Malditas febres inexplicáveis. As pernas estavam dormentes e quando se tentou pôr de pé, sentiu fortes tonturas. Se calhar não comera o suficiente durante o dia. No entanto, o estômago parecia não aceitar mais nada. O sol punha-se, era altura de subir à árvore e encaixar-se o melhor que podia entre os ramos. Bastava uns metros acima do solo para a temperatura ser mais amena.
O esplendor avermelhado do pôr-do-sol foi um festim para a sua visão. A tribo ignorou-o por completo. Acontecia-lhes todos os dias. Amir não perdia um único, mesmo na cidade. Magicava se não era isso que o mantinha vivo. Depois de se encaixar entre os três ramos que o iriam suportar durante a noite, o último pensamento do dia foi aquela tribo de selvagens. Os tempos estavam a mudar e quem não mudasse com eles, iria perecer.



Podem continuar a ler este conto nesta ligação.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Chá de Domingo #61: Lançamento do Livro Vagos d'Escrita

Hoje foi o lançamento do livro "Vagos d'Escrita", organizado por Basílio de Oliveira. O evento iniciou-se pelas 15 horas e foi publicitado pela Câmara Municipal de Vagos, realizando-se no Centro de Educação e Recreio de Vagos (CER).


Tomei o primeiro contacto com este projecto quando ele ainda estava nas mãos de ex-alunos da minha escola secundária. Tive, também, oportunidade de conversar várias vezes com o sr. Basílio um ano antes do lançamento, ajudando-o até a encontrar mais um autor.

A apresentação do livro contou com a presença de Basílio de Oliveira, que reuniu escritores do concelho de Vagos durante cerca da dez anos, Silvério Regalado, o presidente da Câmara Municipal de Vagos, Paulo Rei, editor e grafista do livro, Óscar Gaspar, que apresentou a livro, e Mário Oliveira, o presidente do CER.

O livro homenageia os escritores de Vagos, incluindo cerca de 120 entradas, entre vivos e já falecidos.
Ao ler o livro irão encontrar escritores de todas as classes sociais, desde agricultores, professores, alunos, arquitectos, doutores, autarcas, jornalistas, instituições culturais e sociais, padres e bispos.
Há quem tenha escritor sobre Vagos; há quem tenha escrito para agradecer aos de Vagos; há quem tenha escrito de longe para não esquecer Vagos. Temos, neste roteiro bibliográfico quem tenha escrito de Vagos, por Vagos, para Vagos.
Infelizmente, nem todos os escritores (ou as sua famílias no caso dos que já não estão entre nós) estiveram presentes, caso contrário o anfiteatro do CER não chegaria. O evento contou com várias dezenas de espectadores. O livro incluí alguns dos mais jovens escritores, muitos dos quais só agora se iniciaram nas lides da escrita. Para fazer parte, só era necessário ter publicado um livro, qualquer que fosse o tema. Os consagrados como, por exemplo, João Grave, também não foram esquecidos. Tive a honra de ver o meu nome incluído nesta obra:


Creio que esta é uma iniciativa muito positiva, que dá a conhecer muitos dos escritores que, de outro modo, arriscar-se-iam a ser esquecidos e um exemplo que outros concelhos deveriam seguir. Apesar de tudo, este livro é um trabalho que nunca estará acabado, pois irão surgir sempre mais escritores nesta vila com forte influência marítima.

Podem ler a notícia aqui.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Ebooks: A Benção da Floresta

Um conto para terminar o ano em beleza!



Autora: Carina Portugal
Sinopse: Na negrura da noite, sob o frio glacial do Inverno, e entre criaturas que só desejam devorar os incautos, uma mão estendida é a última coisa que esperamos encontrar, mas a que mais desejamos. E talvez essa mão só queira o carinho de um toque quente.


Esta história é um conto de fadas. Não se sabe muito das personagens, nem como vieram parar onde estão, mas tal também não é fundamental neste tipo de narrativa. A sensação de frio do ambiente inóspito passa bem para o leitor. A estrutura é um pouco repetitiva e essa é a maior falha do conto. Poderia ter sido mais explorado, em especial ao nível da relação entre as personagens. A escrita da autora é muito boa.
Recomendo quem já conheça a obra desta escritora.

Classificação: 3 estrelas

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Ebooks: Triste e Leda Madrugada

Este é um daqueles contos que deixa uma forte impressão mesmo sem sabermos bem porque.



Autora: Carina Portugal
Sinopse: A Madrugada é a fronteira entre a Noite e o Dia, o instante em que ambos se tocam, antes de a Noite se esconder. O que acontecerá durante essa fracção de tempo?


Este conto deixou-me muito tempo a pensar nele. Nada de concreto é dito e ao mesmo tempo tanto é transmitido. Apesar de não parecer ter uma trama, ele parece ser parte de uma história que não tem tempo. É um caso em que podemos ler pelo único prazer de ler, sem nos preocuparmos com a estrutura, somente com a musicalidade da prosa.
Recomendo!

Classificação: 3 estrelas


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Ebooks: Filho de Peixe Sabe Nadar

Elfos, magos e humanos, num conto que foge aos temas habitualmente explorados por este autor.


Autor: Carlos Silva
Sinopse: Os elfos são os reis das mentiras, considerando todos os outros meros peões nos seus jogos. Porém, mais que ninguém, deviam saber que nem tudo o que parece é.


A maior falha deste conto é a falta de ligação com as personagens. Como é contado na terceira pessoa e vai alternando as perspectivas, não há nenhum momento em que sentimos empatia com nenhuma delas. Não há grandes descrições e também não me parecem ser necessárias. O título não dá grandes pistas sobre a trama, que começa lenta e demoramos um pouco a situarão-nos. O final salva o conto, com a reviravolta que não é previsível mas é convincente.
Recomendo a quem já conhece o trabalho deste autor.

Classificação: 3 estrelas

domingo, 13 de dezembro de 2015

Chá de Domingo #60: Imaginauta

Hoje vamos estar à conversa com Carlos Silva da Imaginauta.


Pedro Cipriano: Queres falar-me um pouco da Imaginauta? Como surgiu? Para que?

Carlos Silva: A Imaginauta surgiu pela vontade de criar projectos relacionados com literatura reunidos sob uma única identidade. Queremos ser reconhecidos por um conjunto de qualidades que façam as pessoas seguir e apoiar as diversas iniciativas que vamos fazendo.
Queremos editar boas histórias, apoiar a literatura especulativa portuguesa, fazer bons eventos, iniciativas inovadoras e originais, movimentar o fandom, chamar a atenção para o género. 
O nosso primeiro projecto, o Serralves, é um bom símbolo disso mesmo. É uma antologia, mas de ficção científica de cunho espacial, um género pouco explorado por cá. No entanto, o Serralves é mais do que uma antologia, é um conjunto de obras de arte dispersa por vários suportes desde a literatura, passando pela ilustração e acabando nos RPG.
No entanto, não temos só uma face editorial, também gostamos de celebrar o entusiasmo pelos universos alternativos, como fizemos na organização do piquenique steampunk em conjunto com a Liga Steampunk de Lisboa e Províncias Ultramarinas.
Ou pela distribuição gratuita de ebooks através dos cartazes da Biblioteca Fantasma, em que apoiámos e divulgámos o projecto Adamastor.
Estamos sempre à procura de novas ideias, de sugestões de pessoas vindas de fora, que nos apresentem livros, ou projectos que gostassem de fazer. Estamos sempre a trabalhar para nos tornarmos maiores e melhores.

PC: O que vos distingue de outros projectos virados para ficção especulativa como a Editorial Divergência ou Fantasy and Co?

CS: Fantasy and Co é uma colectividade de autores que publica contos online, pela sua natureza é diferente da Imaginauta. Já a Divergência se aproxima mais da faceta editorial da Imaginauta, uma vez que é uma micro-editora.

PC: Pode-se dizer que a imaginava está no meio dessas duas realidades? De qual se aproxima mais?

CS: Não, não diria ao meio, nem mais aproximada de um ou de outro, é algo que se afirma por si própria. Em termos editoriais, a Divergência e a Imaginauta têm linhas diferentes, o que é uma vantagem para os leitores. Têm duas propostas de ficção especulativa que podem seguir em simultâneo ou escolher a que preferem. E, sendo dois pequenos projectos independentes, são mais próximos do público, possibilitando um maior diálogo.

PC: De quem foi a ideia?

CS: Foi minha e decidi convidar o Vitor Frazão.

PC: E partir daí formaram o restante grupo que consta na vossa página?

CS: A Imaginauta, neste momento, sou eu e o Vitor Frazão. Depois, para cada projecto, recrutamos mais colaboradores e autores. Por exemplo, na colecção Barbante, tem sido a Inês Montenegro a nossa revisora.

PC: Como está a ser recebida a Colecção Barbante?

CS: Até agora, a recepção foi boa. Mas o verdadeiro teste de fogo vai ser quando a apresentarmos a quem não conhece ainda a Imaginauta.

PC: Quando vai acontecer isso?

CS: O próximo evento onde iremos estar presentes será em Fevereiro de 2016

PC: Qual foi o momento mais alto do vosso projecto, em que sentiram que o esforço de criarem isto valeu a pena?

CS: Cada vez que o público recebe bem um projecto nosso é uma vitória, que nos dá força para continuar, lembrando-nos que vale a pena. Não consigo eleger um momento mais alto.

PS: Qual é o próximo projecto que estão a preparar?

CS: Vamos continuar com a Barbante, temos mais um volume do Serralves em preparação e um evento temático na calha também.

PS: Obrigado pelo tempinho e pela disponibilidade em responder às minhas perguntas.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Livros: O Clube das Chaves tira a Prova Real

Apesar de certas limitações, este livro consegue entreter os mais novos.


Autoras: Maria Teresa Maia Gonzalez e Maria do Rosário Pedreira
Sinopse: A enigmática chave nº14 abrirá os olhos dos membros da O.R.D.E.M, para uma realidade que, desde tempos mais remotos, tem estado na origem de grandes conflitos entre os povos e os indivíduos. Partindo de uma mensagem estranhamente ilustrada, que cabe inteira na palma da mão, os jovens irão em busca de um objecto raro e antigo que dá fortuna ao seu portador.
Sempre alerta, o Fantasma descobre que um mero acaso pode, afinal, mudar a ordem natural das coisas...


A mensagem que o grupo de adolescentes decifrou não era a mais óbvia como aconteceu com outros livros da mesma ligação. As autoras não conseguiram transcender o facto de serem professoras, aproveitando para inserir inúmeros sub-plots só com o objectivo de passarem uma lição ou despejarem informação. Este é o maior defeito do livro. As personagens podiam ser um pouco mais trabalhadas, para não serem tão estereotipadas. A partir de metade, a trama torna-se previsível para um leitor mais velho.
Recomendo aos leitores adolescentes que tenham uma paixão por descobrir mais!

Classificação: 3 estrelas

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Ebooks: Trapos Vivos

O final é um dos melhores que já encontrei nesta autora.


Autora: Sara Farinha
Sinopse: Esperar pelo fim dos dias é ver escapar a vida entre os dedos. Mas, esperar era tudo o restava àquela mulher. Entregue aos cuidados duma instituição, sente o resto da sua sanidade evaporar-se, ao encontrar uma boneca de trapos que a relembra que a culpa não se consola com misericórdia.


A personagem principal é interessante, sendo um pouco difícil ligarmos-nos a ela. As discrições das emoções e actos das personagens estão bem conseguidas. A descrição do local poderia ser melhorada, de modo a conjugar com o tom do conto. A trama é um tanto lenta, acabado por prender o leitor nas primeiras linhas por via das perguntas que se espicaçam a curiosidade do leitor. O final é a melhor parte do conto. Há algumas questões que ficam por responder, causando um pouco de frustração.
Recomendo a quem queria conhecer o trabalho desta escritora.

Classificação: 3 estrelas

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Ebooks: Jardins Suspensos da Babilónia

Este é um bom conto para quem têm uns minutos e gostaria de ler algo rápido.


Autora: Leonor Ferrão
Sinopse: Após o colapso ambiental, um homem cumpre o último desejo da sua amada de ver, uma última vez, um jardim de flores.


A ideia base do conto é interessante, embora não seja totalmente original. Gostava de ter visto a personagem principal a ser um pouco mais bem explorada. A trama desenvolve-se a um bom ritmo e o final, apesar de previsível, não desaponta. A informação sobre o universo é despejada num único parágrafo e devia ter sido revelada aos poucos. As descrições notaram-se neste conto pela sua quase ausência. Apesar de não ser dos meus favoritos, é um conto nos proporciona um bom par de minutos de entretenimento.
Recomendo a quem queira conhecer o trabalho desta escritora.

Classificação: 2 estrelas

domingo, 6 de dezembro de 2015

Chá de Domingo #59: Fantasy and Co

Gostaria de vos falar de um projecto nacional muito interessante.



Trata-se do Fantasy and Co. É um grupo de escritores emergentes que se dedicam à criação e divulgação da ficção especulativa, como afirmam no site:
Fantasy & Co nasceu da vontade de criar um espaço totalmente dedicado à literatura fantástica. Num universo virtual saturado de espaços individuais, este blogue vem concretizar a esperança de trabalharmos em função de um objectivo comum: Divulgar a Literatura Fantástica Portuguesa.
De momento, o grupo conta com seis membros residentes mas já foi maior, chegando aos 11 elementos. Cada um dos autores escreve contos com regularidade e ajuda os restantes membros nas revisões. Eu sou um dos autores residentes desde 2012. Para além dos residentes, convidamos também alguns escritores para colaborações pontuais. Por este grupo já passaram 17 escritores.
Desde que iniciou a sua actividade em 2012, o grupo já produziu 11 antologias e mais de uma centena de contos. A maioria dos contos situa-se no espectro da fantasia, havendo também bastantes de ficção científica, em especial do género Steam Punk. Os géneros dependem bastante de cada escritor. Para além disso, existem semanas temáticas em que são publicados vários contos que se inserem num determinado tema durante uma semana. Essas semanas são lançadas como antologias. Todos os meses há uma votação para o conto do mês, em que o tema é escolhido pelos leitores.
A iniciativa partiu de Pedro Pereira, a dois de Junho de 2012, que contactou o Vitor Frazão, a Sara Farinha, a Madalena Nogueira dos Santos, o Fábio Ventura e a Carina Portugal. Consta que fui o primeiro autor que não fazia parte do grupo inicial a candidatar-se.
Para ajudar a conhecer melhor este projecto, fizemos algumas perguntas a Pedro Pereira.

Pedro Cipriano: Porque é que decidiram dar os contos gratuitamente?

Pedro Pereira: Esta plataforma nunca teve como objectivo fazer dinheiro, mas sim dar a conhecer autores e o seu trabalho. A ideia é despertar a atenção dos leitores para os nosso autores. Se gostarem dos contos de um determinado autor, e se um dia virem um livro seu numa livraria, talvez se sintam mais inclinados para o levarem para casa.

PC: Como é que o vosso projecto se distingue de outros, como a Imaginauta ou a Editorial Divergência?

PP: Este projecto distingue-se de outros porque não tem uma componente editorial, ou seja, apesar de dos textos serem alvo de revisões antes da publicação, a palavra final é sempre do autor.

PC: O que espera para o futuro do Fantasy & Co?

PP: Quanto ao futuro, continuar a dar a conhecer o que se faz em Portugal a nível de fantasia e ficção científica, ao mesmo tempo que ajudamos a revelar novos autores, Estamos sempre á procura de sangue fresco.

Se és um leitor que procura novos autores, gostas de ler ebooks e não tens um grande orçamento, visita o site Fantasy and Co e delicia-te com a centena de contos disponíveis gratuitamente. És um escritor português e gostarias de participar neste projecto? Então envia um email para fantasy.and.co.blog@gmail.com.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Livros: The Cuckoo's Calling

Um livro que me prendeu até à última página!


Autor: Robert Galbraith (pseudónimo de J. K. Rowling)
Sinopse: A brilliant debut mystery in a classic vein: Detective Cormoran Strike investigates a supermodel's suicide. After losing his leg to a land mine in Afghanistan, Cormoran Strike is barely scraping by as a private investigator. Strike is down to one client, and creditors are calling. He has also just broken up with his longtime girlfriend and is living in his office. Then John Bristow walks through his door with an amazing story: His sister, thelegendary supermodel Lula Landry, known to her friends as the Cuckoo, famously fell to her death a few months earlier. The police ruled it a suicide, but John refuses to believe that. The case plunges Strike into the world of multimillionaire beauties, rock-star boyfriends, and desperate designers, and it introduces him to every variety of pleasure, enticement, seduction, and delusion known to man. 
You may think you know detectives, but you've never met one quite like Strike. You may think you know about the wealthy and famous, but you've never seen them under an investigation like this.


Quando comecei a ler este livro, as minhas expectativas eram muito altas, por já se saber quem era a autora. Em primeiro lugar, as personagens. O detective tanto se aproxima do estereotipo como se afasta e se distingue, ganhando profundidade em cada capítulo. A secretária também se destaca, conseguindo surpreender, pois não esperávamos que fosse tão desenvolvida. Apesar de nunca ter estado em Londres, não tive dificuldade em sentir que já conheço a cidade. As descrições são competentes sem se tornarem enfadonhas. A trama é mais complexa do que à partida se poderia prever, havendo várias voltas e reviravoltas. A tensão vai crescendo até ao culminar que não é previsível até estarmos mesmo perto do final. Nota-se que houve um cuidado especial da autora para com a obra, sendo que o resultado final me encheu as medidas.
Recomendo vivamente a todos os que gostam de um bom policial!

Classificação: 5 estrelas

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Ebooks: Bicho Cidrão

Este conto tem umas reviravoltas interessantes.


Autor: Vítor Frazão
Sinopse: Existem rumores de uma criatura que se esconde no interior montanhoso da formosa Ilha da Madeira. Três soldados são enviados para dar conta do monstro, mas não descobrem exactamente o que esperavam…


Um conto cheio de acção, que prende o leitor quase desde o início. Até quase ao final, não é claro quem é a personagem principal, visto que a história é contada de duas perspectivas. O início podia ser alterado para ajudar a prender o leitor mais cedo. As descrições estão bem conseguidas e a trama desenvolve-se sem solavancos. Os cenários podiam ter tido um maios ênfase. Em resumo, gostei, mas acho que o autor podia ter feito melhor.
Recomendo a quem quiser passar uns bons minutos!

Classificação: 3 estrelas